Faces e Interfaces
25.05.2006

Propaganda de medicamentos – um risco à saúde
Por Taisa Gamboa

Há muito tempo os laboratórios utilizam-se da propaganda para ampliar as vendas dos medicamentos por eles produzidos. Mas esse efeito provoca uma série de problemas. Junto com as vendas, aumenta o consumo desorientado de remédios. Sem a prescrição médica adequada, o indivíduo põe em risco a sua vida; atrapalha o diagnóstico e a implementação do tratamento adequado.

Contrariando as normas da Organização Mundial de Saúde (OMS) e com o auxílio da frágil fiscalização brasileira, os laboratórios e as agências de publicidade atrapalham o trabalho dos médicos e põem em perigo a saúde pública. Para falar sobre o assunto, ouvimos os professores Joaquim Martins Welley, da Escola de Comunicação e Hélio de Mattos, da Faculdade de Farmácia.

Joaquim Martins Welley
Professor de Legislação e Ética na Comunicação da ECO

 
Hélio de Mattos
Prefeito da UFRJ e professor da Faculdade de Farmácia

“Quando se fala de remédios e de sua comercialização, a mentira, o engodo, a enganação, e o sensacionalismo estão entre as praticas mais nocivas no âmbito ético. A maior parte deles pode ser encontrada nos inúmeros casos de propaganda enganosa presentes nesse ramo. No tocante a legislação, como é comum no Brasil, apesar de termos normas, muitas delas não são cumpridas. Nosso sistema de fiscalização não é confiável e o próprio poder público acaba desrespeitando os parâmetros que ele mesmo estabeleceu.

Não há como falar em medicamento ético, não-ético ou a-ético, mas sim de condutas éticas ou não daqueles que são os operadores dos mesmos, sejam laboratórios fabricantes, comerciantes, médicos que os prescrevem e todos aqueles que participam do ciclo de vida de um medicamento.

Muitos remédios não necessitam de prescrição médica e são vendidos como um produto comum. Mas nem mesmo os medicamentos naturais poderiam ser tidos dessa forma, pois até eles podem gerar algum tipo de efeito, conforme a particularidade de cada pessoa. O ideal é que o indivíduo contasse sempre com a orientação de um médico, único capaz de diagnosticar o problema e determinar o tratamento adequado.

É comum vermos, em veículos de grande visibilidade, muitas reportagens destacando os benefícios e malefícios de novos medicamentos de tarja vermelha ou preta que entram no mercado. Nesses casos, não há como se negar que há algum tipo de propaganda, no sentido de propagação de uma dada idéia, mas não uma publicidade, no sentido de influenciar no uso e compra de algo. Este problema ético perde seu valor à medida que a matéria jornalística cumpre a sua função de informar ampla, coerente e contextualizadamente sobre o remédio.

Quando o marketing torna-se uma filosofia primordial em uma empresa de medicamentos, ela não está necessariamente rompendo com a sua real função, principalmente no mundo globalizado atual. Não há como não reconhecer que uma empresa de medicamentos, quando faz algum tipo de investimento em pesquisa sobre qualquer produto, não o faz por diletantismo, mas sim com uma finalidade de lucro, que até seria o fator responsável pela sua sobrevivência. Nos resta verificar a intensidade e a amplitude desses fatores enquanto filosofia da empresa, o que isso envolve a atuação do Estado e da própria sociedade, como fiscalizadores, para o estabelecimento de limites aceitáveis.

Outro detalhe a ser destacado é a participação de personalidades da TV, atletas famosos e até médicos de renome nas propagandas de medicamentos. Embora influencie muito os consumidores finais, quando utilizada de forma comedida e que não induza em erro ou num tipo de propaganda enganosa, é apenas mais um recurso publicitário para se vender um produto ou serviço.

A propaganda pode também favorecer a auto-medicação. Isso acontece em todo o mundo, mas no Brasil torna-se mais grave em função da cultura de auto-medicação presente em nossa sociedade. De qualquer maneira, isso pode ser modificado com uma educação de qualidade e a conscientização da sociedade como um todo.

Um dos únicos recursos que o governo dispõe hoje para amenizar esta problemática é a frase "ao persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado”, presente em todas as propagandas de medicamentos. De caráter obrigatório, ela diminui a responsabilidade dos fabricantes e alerta o consumidor para o fato de que o remédio pode não apresentar o efeito esperado, ou mesmo um resultado adverso. Nestes casos, a procura do apoio técnico de um médico é o mais recomendável.

Muitos remédios são largamente utilizados durante um período de tempo e depois caem em desuso. Os chamados “remédios da moda” são apenas o resultado dos investimentos em novos produtos por parte da indústria e a atuação das agências de publicidade que, em trabalhando os desejos e princípios míticos da sociedade, influenciam nos consumo disso.

Embora a Anvisa venha adotando medidas corretivas pertinentes para manter a segurança e a defesa da saúde da população, sua atuação ainda é mínima ante o que se vê na realidade brasileira. Nos casos onde a propaganda de determinado produto confere comprovadamente um risco à saúde da população, o laboratório é quem deve, a princípio, ser punido, pois ele é quem faz o produto e deve saber todas as suas potencialidades e conseqüências.

Tanto a propaganda de um medicamento de venda livre quanto à de um controlado por prescrição médica podem apresentar o tratamento de sedução comum à publicidade. Entretanto, os controlados devem expor na própria propaganda, e de forma explícita, informações que sejam necessárias ao tipo de medicamento e suas restrições.

Tudo aquilo que possa induzir ao erro do consumidor, for mentiroso, enganoso, e fantasioso é considerado irregular na propaganda de medicamentos. Esses fatores podem influenciar uma compra que, ao invés de trazer benefícios, pode trazer riscos à saúde.

O futuro desse tipo de publicidade depende da disposição de todos os envolvidos, sejam eles produtores, consumidores, governo e publicitários, em cumprir com suas obrigações. Isso é uma questão cultural que precisa ser trabalhada coletivamente.”

 

“Como qualquer outro produto associado apenas ao lucro, o medicamento pode se tornar um objeto de consumo. A grande quantidade de brindes, amostras-grátis, outdoors, e panfletos destinados ao público leigo estimulam a auto-medicação, que leva a gastos supérfluos, atraso no diagnóstico e na implementação da terapêutica adequada, reações adversas e confusão entre sintomatologias. Há sete anos os medicamentos ocupam o primeiro lugar entre as intoxicações humanas registradas pelo Centro de Informações Toxicológicas.

Os interesses econômicos de expansão de mercado e acumulação de capital transformam a propaganda de medicamentos em uma questão delicada, especialmente no Brasil. As metas de indústrias farmacêuticas, agências de publicidade e empresas de comunicação se sobrepõem à cidadania e à saúde pública. Os profissionais de saúde, principalmente os médicos prescritores, devem entender a importância e o impacto que a propaganda irregular causa na sociedade.

Muitas matérias são veiculadas na grande mídia destacando novos medicamentos de tarja vermelha ou preta que entram no mercado. A tarja informa que o medicamento é de alto risco, não pode ser usado sem prescrição médica e que só pode ser vendidos com apresentação da receita. Medicamentos com exigência à prescrição médica ou odontológica (Lei 6360 art.58 § 1°) ficam com sua propaganda restrita a publicações que se destinem aos médicos, cirurgiões dentistas e farmacêuticos.

Segundo Lei da Vigilância Sanitária nº 6.360, de setembro de 1976 (atualizada pela Lei nº 9.294, de julho de 1996), um medicamento não pode ser anunciado na mídia de massa, restrito apenas às revistas médicas. Ao contrário do medicamento controlado, o de venda livre (OTC) pode fazer propaganda na mídia aberta ao público em geral. Entretanto, muitas peças publicitárias destinadas aos profissionais da saúde, com informações a respeito de remédios controlados, acabam caindo nas mãos dos pacientes e se tornam, assim, um fator de estimulo à auto-medicação.

A veiculação de informações corretas sobre os medicamentos é fundamental, pois traz noções aos futuros médicos e farmacêuticos sobre a existência da RDC 102/00. Eles devem estar alertas sobre a importância de averiguarem a veracidade e fidelidade das informações apresentadas nas propagandas e publicidades de medicamentos.

Através de monitoração verificou-se que cerca de 16% das propagandas não apresentam a contra-indicação principal, cerca 20% das que são destinas aos médicos não apresentam a referência bibliográfica e, ainda, que em 16,6% das propagandas de medicamentos de venda sob prescrição médica a fidedignidade às informações retiradas de publicações científicas não é verificada. Nessas situações, o laboratório deve ser multado, mas todo o esforço regulatório será infrutífero se o Estado não exercer seu papel efetivo na proteção à saúde no que diz respeito ao uso correto do medicamento.

Diante desse quadro é evidente a necessidade de orientação adequada, uma vez que constatou-se que a grande maioria dos médicos não tem por rotina verificar a veracidade das referências bibliográficas, valendo-se apenas das informações constantes da publicidade e das transmitidas pelos propagandistas.

A promoção de medicamentos é um processo complexo, envolvendo o convencimento de prescritores, dispensadores e pacientes sobre as vantagens do produto em questão por meio da divulgação dos resultados dos estudos relacionados ao seu desenvolvimento, objetivando a sua conseqüente comercialização. Os interesses presentes neste processo são múltiplos e vão além do caráter educativo às partes envolvidas, objetivando influenciar a todos. As estratégias de marketing, muitas vezes, buscam apenas ampliar os lucros e a venda em detrimento da qualidade das informações veiculadas em uma propaganda.

Para tal, as peças omitem aspectos negativos relacionados ao uso dos medicamentos e superestimam os benefícios deste. A promoção não ética gera risco sanitário à população, uma vez que pode implicar em uso irracional de medicamentos. Embora desde o século passado o assunto seja discutido pelas autoridades competentes em todo o mundo e medidas de controle da propaganda de medicamentos tenham sido preconizadas, a legislação ainda encontra-se em construção em nosso país.”

 

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