“Quando
se fala de remédios e de sua comercialização,
a mentira, o engodo, a enganação, e o sensacionalismo
estão entre as praticas mais nocivas no âmbito ético.
A maior parte deles pode ser encontrada nos inúmeros casos
de propaganda enganosa presentes nesse ramo. No tocante a legislação,
como é comum no Brasil, apesar de termos normas, muitas
delas não são cumpridas. Nosso sistema de fiscalização
não é confiável e o próprio poder
público acaba desrespeitando os parâmetros que ele
mesmo estabeleceu.
Não há como falar em medicamento ético, não-ético
ou a-ético, mas sim de condutas éticas ou não
daqueles que são os operadores dos mesmos, sejam laboratórios
fabricantes, comerciantes, médicos que os prescrevem e
todos aqueles que participam do ciclo de vida de um medicamento.
Muitos remédios não necessitam de prescrição
médica e são vendidos como um produto comum. Mas
nem mesmo os medicamentos naturais poderiam ser tidos dessa forma,
pois até eles podem gerar algum tipo de efeito, conforme
a particularidade de cada pessoa. O ideal é que o indivíduo
contasse sempre com a orientação de um médico,
único capaz de diagnosticar o problema e determinar o tratamento
adequado.
É comum vermos, em veículos de grande visibilidade,
muitas reportagens destacando os benefícios e malefícios
de novos medicamentos de tarja vermelha ou preta que entram no
mercado. Nesses casos, não há como se negar que
há algum tipo de propaganda, no sentido de propagação
de uma dada idéia, mas não uma publicidade, no sentido
de influenciar no uso e compra de algo. Este problema ético
perde seu valor à medida que a matéria jornalística
cumpre a sua função de informar ampla, coerente
e contextualizadamente sobre o remédio.
Quando o marketing torna-se uma filosofia primordial em uma empresa
de medicamentos, ela não está necessariamente rompendo
com a sua real função, principalmente no mundo globalizado
atual. Não há como não reconhecer que uma
empresa de medicamentos, quando faz algum tipo de investimento
em pesquisa sobre qualquer produto, não o faz por diletantismo,
mas sim com uma finalidade de lucro, que até seria o fator
responsável pela sua sobrevivência. Nos resta verificar
a intensidade e a amplitude desses fatores enquanto filosofia
da empresa, o que isso envolve a atuação do Estado
e da própria sociedade, como fiscalizadores, para o estabelecimento
de limites aceitáveis.
Outro detalhe a ser destacado é a participação
de personalidades da TV, atletas famosos e até médicos
de renome nas propagandas de medicamentos. Embora influencie muito
os consumidores finais, quando utilizada de forma comedida e que
não induza em erro ou num tipo de propaganda enganosa,
é apenas mais um recurso publicitário para se vender
um produto ou serviço.
A propaganda pode também favorecer a auto-medicação.
Isso acontece em todo o mundo, mas no Brasil torna-se mais grave
em função da cultura de auto-medicação
presente em nossa sociedade. De qualquer maneira, isso pode ser
modificado com uma educação de qualidade e a conscientização
da sociedade como um todo.
Um dos únicos recursos que o governo dispõe hoje
para amenizar esta problemática é a frase "ao
persistirem os sintomas o médico deverá ser consultado”,
presente em todas as propagandas de medicamentos. De caráter
obrigatório, ela diminui a responsabilidade dos fabricantes
e alerta o consumidor para o fato de que o remédio pode
não apresentar o efeito esperado, ou mesmo um resultado
adverso. Nestes casos, a procura do apoio técnico de um
médico é o mais recomendável.
Muitos remédios são largamente utilizados durante
um período de tempo e depois caem em desuso. Os chamados
“remédios da moda” são apenas o resultado
dos investimentos em novos produtos por parte da indústria
e a atuação das agências de publicidade que,
em trabalhando os desejos e princípios míticos da
sociedade, influenciam nos consumo disso.
Embora a Anvisa venha adotando medidas corretivas pertinentes
para manter a segurança e a defesa da saúde da população,
sua atuação ainda é mínima ante o
que se vê na realidade brasileira. Nos casos onde a propaganda
de determinado produto confere comprovadamente um risco à
saúde da população, o laboratório
é quem deve, a princípio, ser punido, pois ele é
quem faz o produto e deve saber todas as suas potencialidades
e conseqüências.
Tanto a propaganda de um medicamento de venda livre quanto à
de um controlado por prescrição médica podem
apresentar o tratamento de sedução comum à
publicidade. Entretanto, os controlados devem expor na própria
propaganda, e de forma explícita, informações
que sejam necessárias ao tipo de medicamento e suas restrições.
Tudo aquilo que possa induzir ao erro do consumidor, for mentiroso,
enganoso, e fantasioso é considerado irregular na propaganda
de medicamentos. Esses fatores podem influenciar uma compra que,
ao invés de trazer benefícios, pode trazer riscos
à saúde.
O futuro desse tipo de publicidade depende da disposição
de todos os envolvidos, sejam eles produtores, consumidores, governo
e publicitários, em cumprir com suas obrigações.
Isso é uma questão cultural que precisa ser trabalhada
coletivamente.”
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“Como
qualquer outro produto associado apenas ao lucro, o medicamento
pode se tornar um objeto de consumo. A grande quantidade de
brindes, amostras-grátis, outdoors, e panfletos destinados
ao público leigo estimulam a auto-medicação,
que leva a gastos supérfluos, atraso no diagnóstico
e na implementação da terapêutica adequada,
reações adversas e confusão entre sintomatologias.
Há sete anos os medicamentos ocupam o primeiro lugar
entre as intoxicações humanas registradas pelo
Centro de Informações Toxicológicas.
Os interesses econômicos de expansão de mercado
e acumulação de capital transformam a propaganda
de medicamentos em uma questão delicada, especialmente
no Brasil. As metas de indústrias farmacêuticas,
agências de publicidade e empresas de comunicação
se sobrepõem à cidadania e à saúde
pública. Os profissionais de saúde, principalmente
os médicos prescritores, devem entender a importância
e o impacto que a propaganda irregular causa na sociedade.
Muitas matérias são veiculadas na grande mídia
destacando novos medicamentos de tarja vermelha ou preta que
entram no mercado. A tarja informa que o medicamento é
de alto risco, não pode ser usado sem prescrição
médica e que só pode ser vendidos com apresentação
da receita. Medicamentos com exigência à prescrição
médica ou odontológica (Lei 6360 art.58 §
1°) ficam com sua propaganda restrita a publicações
que se destinem aos médicos, cirurgiões dentistas
e farmacêuticos.
Segundo Lei da Vigilância Sanitária nº 6.360,
de setembro de 1976 (atualizada pela Lei nº 9.294, de julho
de 1996), um medicamento não pode ser anunciado na mídia
de massa, restrito apenas às revistas médicas.
Ao contrário do medicamento controlado, o de venda livre
(OTC) pode fazer propaganda na mídia aberta ao público
em geral. Entretanto, muitas peças publicitárias
destinadas aos profissionais da saúde, com informações
a respeito de remédios controlados, acabam caindo nas
mãos dos pacientes e se tornam, assim, um fator de estimulo
à auto-medicação.
A veiculação de informações corretas
sobre os medicamentos é fundamental, pois traz noções
aos futuros médicos e farmacêuticos sobre a existência
da RDC 102/00. Eles devem estar alertas sobre a importância
de averiguarem a veracidade e fidelidade das informações
apresentadas nas propagandas e publicidades de medicamentos.
Através de monitoração verificou-se que
cerca de 16% das propagandas não apresentam a contra-indicação
principal, cerca 20% das que são destinas aos médicos
não apresentam a referência bibliográfica
e, ainda, que em 16,6% das propagandas de medicamentos de venda
sob prescrição médica a fidedignidade às
informações retiradas de publicações
científicas não é verificada. Nessas situações,
o laboratório deve ser multado, mas todo o esforço
regulatório será infrutífero se o Estado
não exercer seu papel efetivo na proteção
à saúde no que diz respeito ao uso correto do
medicamento.
Diante desse quadro é evidente a necessidade de orientação
adequada, uma vez que constatou-se que a grande maioria dos
médicos não tem por rotina verificar a veracidade
das referências bibliográficas, valendo-se apenas
das informações constantes da publicidade e das
transmitidas pelos propagandistas.
A promoção de medicamentos é um processo
complexo, envolvendo o convencimento de prescritores, dispensadores
e pacientes sobre as vantagens do produto em questão
por meio da divulgação dos resultados dos estudos
relacionados ao seu desenvolvimento, objetivando a sua conseqüente
comercialização. Os interesses presentes neste
processo são múltiplos e vão além
do caráter educativo às partes envolvidas, objetivando
influenciar a todos. As estratégias de marketing, muitas
vezes, buscam apenas ampliar os lucros e a venda em detrimento
da qualidade das informações veiculadas em uma
propaganda.
Para tal, as peças omitem aspectos negativos relacionados
ao uso dos medicamentos e superestimam os benefícios
deste. A promoção não ética gera
risco sanitário à população, uma
vez que pode implicar em uso irracional de medicamentos. Embora
desde o século passado o assunto seja discutido pelas
autoridades competentes em todo o mundo e medidas de controle
da propaganda de medicamentos tenham sido preconizadas, a legislação
ainda encontra-se em construção em nosso país.”
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