Faces e Interfaces
18.05.2006

A dieta da moda
Por Mariana Elia

Dieta do abacate, dieta da lua, dieta da carne e... a dieta do sangue, a “febre” do momento. Em 1996, o médico naturopata Peter D´Adamo divulgou seu estudo, que propunha um novo tipo de regime. A dieta do sangue divide os alimentos em benéficos, maléficos e neutros de acordo com o tipo sangüíneo da pessoa. A idéia é que os genes presentes dentro do cromossoma determinante do sangue atuam associados a diversos sistemas metabólicos.

Para alguns pesquisadores, no entanto, ainda não existe uma base científica para se confirmar que as alterações derivadas do tipo de sangue são consideráveis e que se faz necessária uma dieta direcionada. Para comentar sobre o assunto Olhar Vital conversou com os profissionais Marcos Fleury, da Faculdade de Farmácia e Márcia Soares da Mota e Silva Lopes, do departamento de Nutrição e Dietética do Instituto de Nutrição Josué Castro da UFRJ.

Professora Márcia Soares da Mota e Silva Lopes
Departamento de Nutrição e Dietética do Instituto de Nutrição Josué Castro

 
Professor Marcos Fleury
Professor-adjunto de hematologia da Faculdade de Farmácia

“Eu, particularmente, só obtive informações através da mídia. Não conheço nenhum estudo sobre esse tipo de dieta na literatura científica. Por isso, é complicado falar, pois parece que estamos falando sobre um dito popular.

A princípio, não vejo razão para acreditar em tal dieta, já que não há interferência do Rh ou mesmo do tipo de sangue na digestão dos alimentos, não existe essa lógica.

O genótipo decodifica as proteínas referentes às características individuais, mas o tipo sangüíneo não influencia no modo de digerir alimentos. O que sabemos é que algumas pessoas podem metabolizar melhor, ou seja, ter uma digestão mais fácil para certos alimentos por conta de características individuais, como os hábitos alimentares e histórico de doenças relacionadas ao sistema digestório principalmente.

Gastrite, cálculo biliar e algumas manifestações sub-clínicas, ou seja, que ainda não identificadas pelo paciente, podem dificultar a digestão, bem como alimentos fermentáveis e industrializados. Essas variáveis, entretanto, acontecem em todas as pessoas de uma maneira geral, não são divididas por grupos de risco, por exemplo. Da mesma forma, a maior ingestão de gordura e, por outro lado, a deficiência em fibras irão dificultar o processo de absorção de nutrientes.

As variáveis podem ainda provocar fases de intolerância, que são manifestações circunstanciais, quando o indivíduo tem dificuldade em digerir e é recomendável a substituição do alimento, a fim de diminuir os incômodos. A diferenciação particular, quer dizer, causada por um traço inato, como a dieta do sangue prescreve, é o que eu acho complicado de afirmar. O sistema digestório é universal. Indicações de mudança alimentar devem advir de costumes alimentares do indivíduo para regular a quantidade de fibras e gorduras recomendáveis, por exemplo”.

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“Não tenho conhecimento profundo sobre a dieta do sangue. A princípio não acredito, embora considere interessante a premissa que seus teóricos escolheram: a questão da origem das espécies, da divisão que havia entre seres de acordo com sua alimentação. O que hoje, inclusive, não se verifica, já que há uma globalização muito maior dos grupos carnívoro, herbívoro e onívoro.

O que falta ainda para credibilidade desse estudo é uma comprovação científica básica. Não há experimento científico a respeito da dieta. Esta parte é imprescindível em qualquer estudo científico, mas é preciso dar uma atenção maior quando se trata das dietas, pois estas têm um marketing muito pesado em nossa sociedade. Qualquer nova forma de emagrecimento, de regime alimentar consegue conquistar diversos seguidores.

A fundamentação pode até estar correta, mas não foi feito um acompanhamento com todos os grupos sangüíneos, considerando diferenças de comportamento entre eles. Com certeza vamos encontrar variações entre os grupos. Existem características únicas para cada um, talvez um tipo possa metabolizar melhor certo alimento e, por isso, seja melhor o escolher entre outros. Dessa maneira, não acredito nem desacredito, apenas falta embasamento para assumi-la como uma dieta em que podemos apostar.

Uma experimentação sobre esse assunto deve levantar um número considerável de pessoas para cada grupo sangüíneo e determinar um marcador, ou seja, um aspecto a ser analisado (por exemplo, índice de colesterol, triglicerídeos ou desenvolvimento de diabetes, que são fatores associados à alimentação). A freqüência de ocorrências deve ser observada em tempo razoavelmente longo a fim de afastar, ao máximo, outros aspectos que influenciam o marcador. Pesquisas comprovam que não se emagrece com mágica ou adotando medidas radicais. É preciso uma dieta balanceada com exercícios regulares.

O que quero dizer, portanto, é que a dieta do sangue não tem princípios despropositados, mas necessita de comprovações mais contundentes, com resultados de diferenças bioquímicas e acompanhamento dos grupos, pois particularidades cada um tem. Essa dieta, ao que parece, ainda está muito leiga e a veiculação de estudos desse tipo, como já comentei, tem que ser feita com muito cuidado, já que infelizmente o aspecto comercial tem vindo sempre na frente da garantia científica.”

 

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