Feminismo
e Democracia foram os eixos do 10º Encontro Feminista
Encontro de entidades latino-americanas e caribenhas aconteceu
em São Paulo e discutiu uma maior interface entre o movimento de
mulheres e as questões de raça/etnia, juventude e homossexualismo
Integração,
troca de experiências, solidariedade e intensos debates marcaram
o 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado
entre os dias 9 e 12 de outubro na cidade de Serra Negra, em São
Paulo. Como tem sido desde 1981, os Encontros são um espaço
de debate dos movimentos desta região e de articulação
das muitas entidades que desenvolvem a luta feminista.
O desafio enfrentado pelas mais de 1200 mulheres que estiveram presentes
ao 10º Encontro foi discutir o Feminismo e a Democracia na América
Latina e Caribe, a partir de uma visão articulada dos diversos
movimentos feministas, contemplando a multiplicidade de atuações,
respeitando o variado leque de abordagens e interesses, para combater
a fragmentação e aprofundar a construção do
pensamento e da ação política da luta das mulheres
na região, orientados pelo eixo da radicalização
da democracia.
De acordo com Liège Rocha, da Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres e da coordenação nacional da UBM, “os
encontros feministas sempre foram espaços privilegiados, onde a
gama de temas debatidos é muito ampla e diversificada. O 10º
Encontro não foi diferente. Além de espaço de encontros,
reencontros e de articulação, possibilitou as mais variadas
manifestações sobre a democracia e participação
das mulheres. Houve uma predominância da corrente sexista nos temas
debatidos, haja vista que o debate central na Plenária final foi
os transgêneros femininos poderiam participar ou não no próximo
Encontro, tendo a maioria se posicionado a favor. Conotações
as mais diversas como as que se posicionaram claramente contra os partidos
políticos, outras ignoram a questão de classe, também
houve questionamentos sobre a ausência do tema trabalho na programação
e nas discussões. O Encontro, no entanto, possibilitou uma atualização
sobre a realidade da América Latina e do Caribe, a vida das mulheres,
suas conquistas e desafios e também o fortalecimento das organizações
feministas”.
Resistência
ao Neoliberalismo
A atualidade política e econômica da América Latina
e Caribe está marcada pelo surgimento de estados nacionais democráticos,
mas fortemente influenciados pelo modelo neoliberal. A discussão
acercado combate e da resistência ao neoliberalismo, empreendidos
pelos movimentos sociais que lutam por conquistas, esteve presente em
todos os debates do Encontro, já que é nesse contexto em
que se coloca a luta do movimento feminista.
As mulheres deram importante contribuição à luta
pela democracia na América Latina neste último período.
As feministas participaram dos embates pelo fim das ditaduras, pela garantia
e ampliação dos direitos sociais e, nos últimos 10
anos, selaram fileiras para resistir à aplicação
do projeto neoliberal, que retira os direitos trabalhistas, sociais, agrava
a exclusão e as desigualdades, e aprofunda a violência que
atinge ainda mais fortemente as mulheres.
Para a coordenadora do UBM, “o movimento feminista e a organização
das mulheres se fortaleceram, na América Latina e aí se
inclui o Brasil, na luta pela redemocratização, contra os
regimes militares. As mulheres sempre foram protagonistas das transformações,
numa perspectiva democrática, de garantia de liberdade de organização
e de manifestação”. Liège Rocha considera que
o principal desafio da luta democrática na atualidade “é
o fortalecimento dos movimentos sociais e aí incluídos os
movimentos feministas e de mulheres, com plataformas definidas que impulsionem
a mobilização pela conquista de direitos, rompendo a discriminação
e os preconceitos e contribuindo para construção de uma
sociedade mais justa e igualitária”.
Mas não é só no campo político que a luta
feminista pela democracia se desenvolve. É, também, no campo
das relações sociais e de poder entre homens e mulheres,
adultos e crianças, heterossexuais e homossexuais, negros e brancos.
“É preciso democratizar as relações sociais,
humanas e de poder. A democracia precisa ser parte da vida social”,
resume Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão
e uma das organizadoras do encontro.
Sob o eixo norteador da radicalização da democracia, o Encontro
se desdobrou em quatro focos principais, o racismo, o etnocentrismo, o
lesbianismo e a juventude. O debate destes temas significou para o 10º
Encontro a afirmação de que é através dos
processos coletivos que se pode alcançar a transformação
da sociedade, acabando com a discriminação e o preconceito.
Jovens feministas
O 10º Encontro Feminista refletiu a ampliação da articulação
que vem sendo realizada pelas jovens mulheres desde o 8º Encontro.
Em Serra Negra, as participantes até 30 anos representaram aproximadamente
25% das presentes.
A abordagem desse tema nos Encontros Feministas já era uma reivindicação
antiga das jovens que se reuniram, no início deste ano, na quinta
edição do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
As questões levantadas pelas jovens mulheres apontam a necessidade
de formação de lideranças jovens, de abertura de
canais de participação efetiva para esse grupo, principalmente
nas instâncias decisórias, e a falta de um diálogo
de igual para igual, por conta da hierarquização do movimento.
Ou seja, elas querem que o discurso de radicalização democrática
seja válido também para dentro do próprio movimento,
nas relações internas de poder.
“A juventude é importante para a renovação
do movimento e para trazer outras demandas como acesso a direitos sexuais
e reprodutivos, aborto inserção no mercado de trabalho e
acesso à educação”, afirma Ana Adeve que faz
parte das Jovens Feministas de São Paulo da Rede Jovens Brasil
de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Para ela, o encontro deu
visibilidade à participação das jovens, que realizaram
diversas reuniões e atividades em Serra Negra para fortalecer a
articulação entre elas e levara questão geracional
para o debate. Tudo isso resultou na criação da Rede de
Jovens Feministas na América Latina.
A mexicana Elizabeth Plácido, do grupo de jovens Elige, acredita
que uma das questões a serem enfrentadas é a ausência
de estratégia para as novas ativistas. Mesmo reconhecendo que as
feministas das gerações anteriores conquistaram mais espaço
para as mulheres e promoveram mudanças importantes – que
inclusive influenciaram o cotidiano das mulheres atualmente -, deve-se
perceber que as jovens feministas vivem em um mundo diferente, marcado
pela globalização, pelo neoliberalismo, por avanços
tecnológicos e que esses fatores devem ser considerados para a
luta das mulheres jovens.
O momento, considerado de articulação, foi importante porque
discutiu as demandas, especificidades e estratégias das mulheres
jovens feministas. Uma das conclusões a que chegaram é de
que os movimentos de juventude e feminista devem trabalhar conjuntamente.
Para que essas idéias saídas do Fórum sejam concretizadas,
as jovens feministas acreditam ser necessária a criação
de redes de jovens, tanto em níveis nacionais quanto regional,
para que possam trocar experiências, dialogar e construir conjuntamente
suas ações e plataformas. Na Plenária final do Encontro
as jovens leram um Manifesto, assinado por diversas organizações
jovens, inclusive a UJS, com suas propostas de maior integração
com o movimento feminista.
Lésbicas
e Bissexuais
O encontro reuniu cerca de 200 mulheres lésbicas e feministas para
debater temas como autonomia, visibilidade, violência entre lésbicas,
bissexualidade e o impacto causado pelas opressões de classe, gênero,
raça/etnia e orientação sexual no cotidiano de feministas
que se relacionam afetivo-sexualmente com outras mulheres.
Entre os questionamentos levantados estava qual o projeto do movimento
feminista para as lésbicas das camadas mais pobre da América
Latina? São muitos os dilemas. No que diz respeito à construção
do próprio movimento, as lésbicas feministas direcionaram
suas críticas para práticas de disputa entre grupos e para
o personalismo de algumas lideranças que atuam na contramão
de princípios feministas como ética, participação
e horizontalidade. Engana-se quem pensa que tais contradições
estão enfraquecendo o movimento. Se, por um lado, põem em
relevo as dificuldades, por outro, evidenciam sua efervescência,
já que são incoerências apontadas por ativistas recém-chegadas
a um movimento que demonstra muito fôlego e uma renovação.
Mas todas pretendem provocar o movimento feminista a incluir, ainda mais,
em sua agenda, a luta contra a sexualidade compulsória e o enfrentamento
às desigualdades acentuadas pelo modo de produção
capitalista.
Fonte:
Revista Presença da Mulher, dezembro de 2005 - número 48,
p. 11 a 13
Por Renata Mielli
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