Saúde em Foco
09.03.2006

Feminismo e Democracia foram os eixos do 10º Encontro Feminista
Encontro de entidades latino-americanas e caribenhas aconteceu em São Paulo e discutiu uma maior interface entre o movimento de mulheres e as questões de raça/etnia, juventude e homossexualismo

Integração, troca de experiências, solidariedade e intensos debates marcaram o 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe, realizado entre os dias 9 e 12 de outubro na cidade de Serra Negra, em São Paulo. Como tem sido desde 1981, os Encontros são um espaço de debate dos movimentos desta região e de articulação das muitas entidades que desenvolvem a luta feminista.

O desafio enfrentado pelas mais de 1200 mulheres que estiveram presentes ao 10º Encontro foi discutir o Feminismo e a Democracia na América Latina e Caribe, a partir de uma visão articulada dos diversos movimentos feministas, contemplando a multiplicidade de atuações, respeitando o variado leque de abordagens e interesses, para combater a fragmentação e aprofundar a construção do pensamento e da ação política da luta das mulheres na região, orientados pelo eixo da radicalização da democracia.

De acordo com Liège Rocha, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e da coordenação nacional da UBM, “os encontros feministas sempre foram espaços privilegiados, onde a gama de temas debatidos é muito ampla e diversificada. O 10º Encontro não foi diferente. Além de espaço de encontros, reencontros e de articulação, possibilitou as mais variadas manifestações sobre a democracia e participação das mulheres. Houve uma predominância da corrente sexista nos temas debatidos, haja vista que o debate central na Plenária final foi os transgêneros femininos poderiam participar ou não no próximo Encontro, tendo a maioria se posicionado a favor. Conotações as mais diversas como as que se posicionaram claramente contra os partidos políticos, outras ignoram a questão de classe, também houve questionamentos sobre a ausência do tema trabalho na programação e nas discussões. O Encontro, no entanto, possibilitou uma atualização sobre a realidade da América Latina e do Caribe, a vida das mulheres, suas conquistas e desafios e também o fortalecimento das organizações feministas”.

Resistência ao Neoliberalismo

A atualidade política e econômica da América Latina e Caribe está marcada pelo surgimento de estados nacionais democráticos, mas fortemente influenciados pelo modelo neoliberal. A discussão acercado combate e da resistência ao neoliberalismo, empreendidos pelos movimentos sociais que lutam por conquistas, esteve presente em todos os debates do Encontro, já que é nesse contexto em que se coloca a luta do movimento feminista.

As mulheres deram importante contribuição à luta pela democracia na América Latina neste último período. As feministas participaram dos embates pelo fim das ditaduras, pela garantia e ampliação dos direitos sociais e, nos últimos 10 anos, selaram fileiras para resistir à aplicação do projeto neoliberal, que retira os direitos trabalhistas, sociais, agrava a exclusão e as desigualdades, e aprofunda a violência que atinge ainda mais fortemente as mulheres.

Para a coordenadora do UBM, “o movimento feminista e a organização das mulheres se fortaleceram, na América Latina e aí se inclui o Brasil, na luta pela redemocratização, contra os regimes militares. As mulheres sempre foram protagonistas das transformações, numa perspectiva democrática, de garantia de liberdade de organização e de manifestação”. Liège Rocha considera que o principal desafio da luta democrática na atualidade “é o fortalecimento dos movimentos sociais e aí incluídos os movimentos feministas e de mulheres, com plataformas definidas que impulsionem a mobilização pela conquista de direitos, rompendo a discriminação e os preconceitos e contribuindo para construção de uma sociedade mais justa e igualitária”.

Mas não é só no campo político que a luta feminista pela democracia se desenvolve. É, também, no campo das relações sociais e de poder entre homens e mulheres, adultos e crianças, heterossexuais e homossexuais, negros e brancos. “É preciso democratizar as relações sociais, humanas e de poder. A democracia precisa ser parte da vida social”, resume Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão e uma das organizadoras do encontro.

Sob o eixo norteador da radicalização da democracia, o Encontro se desdobrou em quatro focos principais, o racismo, o etnocentrismo, o lesbianismo e a juventude. O debate destes temas significou para o 10º Encontro a afirmação de que é através dos processos coletivos que se pode alcançar a transformação da sociedade, acabando com a discriminação e o preconceito.

Jovens feministas

O 10º Encontro Feminista refletiu a ampliação da articulação que vem sendo realizada pelas jovens mulheres desde o 8º Encontro. Em Serra Negra, as participantes até 30 anos representaram aproximadamente 25% das presentes.

A abordagem desse tema nos Encontros Feministas já era uma reivindicação antiga das jovens que se reuniram, no início deste ano, na quinta edição do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.
As questões levantadas pelas jovens mulheres apontam a necessidade de formação de lideranças jovens, de abertura de canais de participação efetiva para esse grupo, principalmente nas instâncias decisórias, e a falta de um diálogo de igual para igual, por conta da hierarquização do movimento. Ou seja, elas querem que o discurso de radicalização democrática seja válido também para dentro do próprio movimento, nas relações internas de poder.

“A juventude é importante para a renovação do movimento e para trazer outras demandas como acesso a direitos sexuais e reprodutivos, aborto inserção no mercado de trabalho e acesso à educação”, afirma Ana Adeve que faz parte das Jovens Feministas de São Paulo da Rede Jovens Brasil de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. Para ela, o encontro deu visibilidade à participação das jovens, que realizaram diversas reuniões e atividades em Serra Negra para fortalecer a articulação entre elas e levara questão geracional para o debate. Tudo isso resultou na criação da Rede de Jovens Feministas na América Latina.

A mexicana Elizabeth Plácido, do grupo de jovens Elige, acredita que uma das questões a serem enfrentadas é a ausência de estratégia para as novas ativistas. Mesmo reconhecendo que as feministas das gerações anteriores conquistaram mais espaço para as mulheres e promoveram mudanças importantes – que inclusive influenciaram o cotidiano das mulheres atualmente -, deve-se perceber que as jovens feministas vivem em um mundo diferente, marcado pela globalização, pelo neoliberalismo, por avanços tecnológicos e que esses fatores devem ser considerados para a luta das mulheres jovens.

O momento, considerado de articulação, foi importante porque discutiu as demandas, especificidades e estratégias das mulheres jovens feministas. Uma das conclusões a que chegaram é de que os movimentos de juventude e feminista devem trabalhar conjuntamente. Para que essas idéias saídas do Fórum sejam concretizadas, as jovens feministas acreditam ser necessária a criação de redes de jovens, tanto em níveis nacionais quanto regional, para que possam trocar experiências, dialogar e construir conjuntamente suas ações e plataformas. Na Plenária final do Encontro as jovens leram um Manifesto, assinado por diversas organizações jovens, inclusive a UJS, com suas propostas de maior integração com o movimento feminista.

Lésbicas e Bissexuais

O encontro reuniu cerca de 200 mulheres lésbicas e feministas para debater temas como autonomia, visibilidade, violência entre lésbicas, bissexualidade e o impacto causado pelas opressões de classe, gênero, raça/etnia e orientação sexual no cotidiano de feministas que se relacionam afetivo-sexualmente com outras mulheres.

Entre os questionamentos levantados estava qual o projeto do movimento feminista para as lésbicas das camadas mais pobre da América Latina? São muitos os dilemas. No que diz respeito à construção do próprio movimento, as lésbicas feministas direcionaram suas críticas para práticas de disputa entre grupos e para o personalismo de algumas lideranças que atuam na contramão de princípios feministas como ética, participação e horizontalidade. Engana-se quem pensa que tais contradições estão enfraquecendo o movimento. Se, por um lado, põem em relevo as dificuldades, por outro, evidenciam sua efervescência, já que são incoerências apontadas por ativistas recém-chegadas a um movimento que demonstra muito fôlego e uma renovação.

Mas todas pretendem provocar o movimento feminista a incluir, ainda mais, em sua agenda, a luta contra a sexualidade compulsória e o enfrentamento às desigualdades acentuadas pelo modo de produção capitalista.

Fonte: Revista Presença da Mulher, dezembro de 2005 - número 48, p. 11 a 13
Por Renata Mielli


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