Faces e Interfaces
09.03.2006

Dia Internacional da Mulher
Por Geralda Alves

A comemoração do dia 8 de março remota a um acontecimento trágico ocorrido em 1857, no qual 130 operárias de uma fábrica têxtil de Nova Iorque, que reivindicavam por melhores condições de trabalho e redução de jornada, morreram após serem trancadas nas dependências da fábrica incendiada por ordem de seus dirigentes. Hoje, esse tipo de atitude não acontece mais, embora ainda exista formas sutis de discriminação.

Com a finalidade de homenagear as oito gestoras do maior Centro da UFRJ, o Centro de Ciências da Saúde – CCS, o Olhar Vital convidou-as para um breve depoimento sobre como é dirigir uma unidade, num centro onde 67% é comandado por homens, e quais as maiores dificuldades que elas enfrentam em seu dia-a-dia.

Leticia Legaydiretora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC)

Privilegiada! É assim como me sinto em relação a outras mulheres, com e sem profissões, em nossa sociedade atual, mesmo porque ainda somos poucas a ocupar cargos na universidade e um lugar adequado no mundo. Não gostaria de ser reitora jamais, mas quero, porém, ver outras mulheres que o queiram poderem chegar a este estágio de poder. Lutarei por elas, com elas! Porém, não só por serem mulheres, mas por serem mulheres determinadas e por serem, é claro, cidadãs com direitos iguais aos dos homens de atingirem os postos mais destacados. Não defenderia nunca o poder para aquelas que seguem, sem críticas, os mesmos passos dos homens. O modelo patriarcal, hegemônico, competitivo, classista, rápido e descartável, não deveria ser transplantado e assumido pelas mulheres, como estamos vendo ocorrer. Não o aceito nem para os homens! Defendo um modelo para o feminino, aquele a ser reivindicado como seu pelas mulheres, um que tenha como valores principais: a justiça, a solidariedade, a pluralidade, a afetuosidade e a amor- ocio-sidade.

Cristina Loyoladiretora do Hospital Escola São Francisco de Assis




Uma vez alcançados os postos de direção o preconceito joga a favor das mulheres, os homens procuram a gentileza. As mulheres como interlocutoras e críticas nestes grupos, são as mais atentas e muito duras.



Maria Fernanda Quintela
diretora do Instituto de Biologia

O fato das mulheres estarem à frente de algumas unidades num centro que tradicionalmente é masculino, é o reflexo da evolução do papel da mulher na sociedade e no reconhecimento de sua competência.

No entanto percebo no dia-a-dia, que o poder efetivamente em termos do Centro, ainda está na mão dos homens. Há necessidade de se ultrapassarem ainda algumas barreiras nas relações de poder tradicionalmente estabelecidas, que acredito que só irá acontecer ao longo do tempo, á medida em que os homens entendam que a competência é independente do sexo e o que muda é a forma de se exercer competência e o poder.

Andréa Ramalhodiretora do Instituto de Nutrição Josué de Castro

Apesar das constatações sobre as diferenças entre homens e mulheres nos mais variados aspectos de suas vidas, merecendo destaque as atividades profissionais, elas não são tão facilmente identificáveis no meio acadêmico. A vida acadêmica é pautada pelo mérito e este uma vez conquistado, faculta o reconhecimento a quem investe no aprimoramento.

Diferentemente de outros segmentos do mercado de trabalho onde se constata disparidades salariais entre homens e mulheres, no meio acadêmico isso não ocorre desta maneira a medida que existe uma carreira definida pautada no desempenho, não se identificando dificuldades adicionais na convivência entre grupos. Assim, academia é um dos poucos locais onde a mulher pode desenvolver e expressar todo seu potencial de capacidade e competitividade em harmonia com sua feminilidade.


Miriam Struchiner diretora do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES)

É uma unidade do CCS cuja presença feminina é majoritária, especialmente por conta da relação do nosso núcleo com o campo da Educação, tradicionalmente ocupado por mulheres. Ao longo dos anos e em sintonia com todas as conquistas e mudanças que têm influenciado a condição masculina e feminina na sociedade, tem sido possível construir no NUTES uma convivência e relações de trabalho que superam conflitos de gênero e que contam com a dinâmica, o compromisso e a combatividade do conjunto do seu corpo de profissionais.

 

Maria Antonieta R. Tyrrell - Diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery

A Escola de Enfermagem Anna Nery da UFRJ, vem sendo dirigida por ilustres professoras, mulheres guerreiras e a todas elas, a atual direção tem o prazer de homenagear no Dia Internacional da Mulher. Principalmente neste ano em que a Escola completa seus 83 anos à serviço da vida da população brasileira.

Dirigir a Escola de Enfermagem Anna Nery é a maior honra e conquista da minha vida profissional e penso ser uma conquista de toda enfermeira, em especial pelo reconhecido PAN – Padrão Anna Nery.

Estar à frente de uma unidade como a Escola significa fortalecer uma postura ética, que se traduz no cumprimento da responsabilidade inerente à gestão de qualidade de uma Unidade tradicional. A Escola é nacional e internacionalmente reconhecida como sendo de vanguarda na implantação de um modelo de enfermagem à frente de seu tempo com ênfase científica, tais atributos reforçam o legado deixado por nossa fundadora, a ilustre vitoriana Miss Florence Nightrigale, que tem como premissa entender a enfermagem “como a mais bela das artes”.

Defendemos a formação do profissional na perspectiva de inclusão e de esperança num projeto de desenvolvimento social com soberania, democracia, valorização do trabalho e geração de renda. O modelo econômico social que apresenta essas características contribuiu para a fragmentar e precarizar ainda mais o trabalho das mulheres no Brasil, refletindo na situação de saúde e qualidade de vida do país.

Por isso, posso afirmar, que sempre farei parte do movimento que defende os princípios fundamentais no trabalho, como está instituído e aprovado na Constituição de 1998, bem como no Sistema Único de Saúde (SUS).

Rejeitamos a feminização da pobreza, discriminação e a sub valorização das mulheres mesmo que estas práticas tenham adquirido outras formas ou nuances, por esta razão estamos em permanente acompanhamento e vigilância parabenizamos a todas as mulheres e a todas as enfermeiras da UFRJ.

Sônia Soares Costadiretora do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais

Estou à frente da direção do NPPN há quase dois anos e esta é a minha primeira experiência no cargo. Durante este período, tenho tido várias ocasiões de me relacionar, profissionalmente, com outras autoridades no CCS, sejam elas do sexo feminino ou masculino. As experiências que tenho vivenciado me deixam crer que o cargo de direção, exercido por uma mulher em um ambiente de franca maioria masculina, exige da mulher uma certa exteriorização do seu lado masculino para conseguir dialogar com o seu interlocutor em situações onde a pressão é utilizada como argumento. Muitas vezes, a sensibilidade e a maneira feminina de encarar o mundo são percebidos, erroneamente, como sinais de fragilidade pelo interlocutor masculino. Muitos se esquecem de que a força feminina não se expressa, naturalmente, pela dominação.

Muitos se esquecem que as mulheres em geral não desistem facilmente de uma idéia, de um projeto, de uma intenção. São capazes de uma grande tenacidade. Nossas armas, desenvolvidas desde os primórdios da humanidade, certamente não são as mesmas usadas pelos nossos colegas e parceiros.

É muito freqüente constatar que uma mulher, quando ocupa um cargo de direção, assume esta responsabilidade com um extremo desvelo frente à sua comunidade. Talvez o faça até por uma questão puramente cultural. Historicamente, a mulher deve responder pelo bem estar da sua coletividade, que começa com a sua própria família, ao se ocupar da sobrevivência de sua prole. E todos sabemos que trabalhar pelo coletivo, respeitando a diversidade e o potencial de cada um, não é uma tarefa fácil.

Acredito que, independente de pertencermos ao gênero feminino ou masculino, todo relacionamento no interior de uma comunidade, principalmente universitária, deve se basear no respeito à diferença e na busca do bem comum. Homens e mulheres se complementam no modo de encarar o mundo e seus problemas. A dominação do masculino sobre o feminino ou vice-versa conduz ao empobrecimento geral da nossa sociedade. A estratégia consiste em tirar proveito desta complementaridade, na diferença, para atingir um certo grau de plenitude.


Ângela Lopesdiretora do Instituto de Microbiologia professor Paulo de Góes (IMPPG)

Recentemente uma atriz negra recebeu um Oscar de melhor atriz. Perguntada em como se sentia a respeito de ser a primeira atriz negra a ganhar o Oscar, ela falou que entendia ter ganho o prêmio de melhor atriz e não o de melhor atriz negra. Realmente há uma grande diferença entre as duas sentenças. Muito mal comparando, no mais, na maioria das vezes eu não me vejo como uma mulher no cargo de direção do Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG), mas apenas como uma pessoa neste cargo. Entretanto, basta pensar um pouco no número de mulheres em cargos de direção na UFRJ, para ver que ainda somos exceção. De fato, já existiram duas diretoras anteriormente no IMPPG, que eram vice-diretoras e se tornaram diretoras por vacância e, mesmo assim, por alguns meses. Desta maneira, eu estou sendo a primeira diretora eleita especificamente para o cargo no IMPPG. De modo semelhante, ainda existem muitas Unidades na UFRJ que nunca foram dirigidas por mulheres, mesmo quando o seu número se iguala ou até ultrapassa ao dos homens.

No início não foi muito fácil, porque alguns poucos colegas docentes, funcionários e alunos (do sexo masculino em sua maioria) tiveram condutas de desafio, comparável ao de crianças e adolescentes, quando resolvem se rebelar contra os pais. Um amigo psiquiatra comparou o comportamento coletivo do corpo social do IMPPG, em relação à minha pessoa, como o de filhos ávidos por atenção. Não sei se a descrição procede, mas o sentimento de responsabilidade em relação a tantas pessoas é, sem dúvida, um grande desafio. Afinal, somos sessenta docentes, sessenta funcionários e algumas centenas de alunos, incluindo os de pós-graduação e os estagiários de graduação. Depois de algum tempo, as coisas começaram a se acalmar, todos se acostumando à nova realidade, que hoje não tem mais nada de nova, após três anos e quatro meses de mandato. Pesa a meu favor o fato de, no IMPPG, o número de mulheres ser bem maior do que a de homens, tanto entre docentes, quanto entre funcionários e alunos. Vale ainda ressaltar que as mulheres do IMPPG vêm ocupando, com bastante freqüência, cargos relevantes, como chefes dos departamentos, coordenadoras de graduação e de pós-graduação, etc. Acrescento o fato de que as mulheres docentes do IMPPG são, na sua quase totalidade, extremamente produtivas, sendo algumas importantes cientistas, com grande projeção nacional e internacional.

A carreira acadêmica, em sua plenitude, é particularmente difícil para as mulheres que têm filhos. É tarefa de leoa conciliar os cuidados com os filhos, com todo o trabalho exigido para se manter um laboratório funcionando, ter uma bolsa de produtividade do CNPq, orientar os alunos, se manter atualizada, lecionar, corrigir provas, etc. Se somarmos a tudo isso pesadas atividades administrativas e de gestão, aí realmente o dia-dia pode ser estafante. Perdemos boa parte dos fins de semana e das férias, com grandes prejuízos para a vida familiar, além daqueles em relação a todos os outros aspectos mencionados da vida acadêmica. Acho também que as mulheres em cargos de direção, em média, se desgastam mais do que os homens, por se esforçarem tanto para serem justas e atenciosas com todos.

O fato de ser minoria entre os diretores do Centro de Ciências da Saúde e da Universidade, como um todo, nunca me incomodou. Nunca me senti discriminada neste sentido. Pelo contrário, quase sempre nossos colegas do sexo masculino são extremamente corteses conosco; não raramente muito mais do que são entre eles. Devo deixar aqui bem claro que a cortesia e o respeito têm sido a tônica dentro de nossa Universidade, fato pelo qual estranhamos tanto quando esse padrão é, mesmo que momentaneamente, quebrado.

Assim, de um modo geral, não vejo muita diferença entre ser mulher ou homem em cargo de direção. Vejo como diferença a dedicação de cada um, independentemente do gênero.


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