Faces e Interfaces
24.11.2005

Projeto de Lei diminui o rigor na emissão de esgotos
Por Vanessa Soares

Projeto de Lei apresentado na Câmara dos Deputados pode afrouxar a legislação que proíbe o lançamento de esgotos sem tratamento em emissários submarinos oceânicos. A mudança foi proposta com o objetivo de possibilitar o despejo dos poluentes da Barra, do Recreio e de Jacarepaguá, antes da conclusão das obras da estação de tratamento na região. Para debater esse projeto, o Olhar Vital convidou os professores Rodolfo Paranhas, do Departamento de Biologia Marinha; e Isaac Volschan Júnior, do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente, da COPPE.

Professor Rodolfo Paranhas
Coordenador do Departamento de Biologia Marinha

 
Professor Isaac Volschan Júnior
Coordenador do CETE Poli/UFRJ
Especialista em Engenharia Sanitária e Ambiental

"A Lei do deputado Noel de Carvalho prevê o relaxamento da Lei do deputado Carlos Minc, que não permite o lançamento de esgoto sem tratamento na água. Porém, essa lei não é cumprida. Quase não existe tratamento de esgoto primário, secundário ou terciário aqui no Rio de Janeiro.

A lei que proíbe o lançamento de esgoto sem tratamento primário é extremamente necessária. Atualmente muitos locais recebem esgoto in natura, e é uma lei que prevê para o futuro.

A nova lei foi proposta para resolver o problema da Barra da Tijuca. Qual é o problema? A rede coletora de esgoto está pronta, o emissário submarino está pronto e a estação de tratamento (ETE) não está pronta. A previsão da CEDAE é de que a obra ETE esteja totalmente concluída em dez meses. Por isso, os engenheiros da empresa alegam que ao invés de ficar jogando 900 litros de esgoto por segundo nas lagoas, que já estão sufocadas e não agüentam mais, seria “menos pior” desviar esse esgoto e lança-lo na água do mar, no emissário, mesmo que sem tratamento. Um engenheiro sanitarista sempre acha que o mar vai dar conta de todo o esgoto, o que é um pensamento míope.

A proposta de relaxamento da lei para este caso específico pode até ser útil, mas apenas se for provisória. O problema é que o nosso país não é conhecido por cumprir as leis e uma coisa que é provisória, pode virar definitiva. A chance é pequena, porque a estação está em avançado estágio de construção e tudo indica que essa estação de esgoto vai funcionar, mas “gato escaldado tem medo de água fria!”.

Mas aqui se fala que não é preciso tratar o esgoto, que emissário submarino é uma forma de tratamento pois o mar dá conta de degradar toda a carga orgânica. Porém, esta é uma visão míope do problema. O mar realmente pode ter uma enorme capacidade de diluir e degradar os esgotos, mas se este limite é ultrapassado a degradação ambiental torna-se inevitável. Nenhum país civilizado do mundo deixa de tratar seus esgotos, em muitos casos até ao nível terciário (que inclui a remoção de nitrogênio e fósforo). Por que aqui no Brasil não merecemos este nível de qualidade ambiental? No caso do Rio de Janeiro, o turismo é uma fonte significativa de receita para várias camadas da sociedade. Não tratar esgotos é um tiro no pé (ou na cabeça), pois estamos destruindo nosso belíssimo litoral.

É importante não relaxar as leis ambientais, porque com as leis que existem o nosso ambiente já está bastante degradado, afrouxar uma lei é muito perigoso. Seria melhor uma autorização especial para o caso da Barra da Tijuca, e não uma lei diminuindo a exigência de proteção ambiental. Na verdade, é o nosso povo quem vai decidir (através de seus representantes na Assembléia Legislativa do Estado), e devemos prestar atenção no que nossos deputados fazem após ter o nosso voto. Parece que a nossa sociedade não se incomoda de se banhar em esgotos sanitários!"

 
"A concepção do Sistema de Esgotamento Sanitário da Barra da Tijuca e Jacarepaguá é baseado na interligação de diversas bacias de esgotamento, na convergência dos esgotos para a estação de tratamento, e no lançamento oceânico através do emissário submarino.

Algumas bacias de esgotamento sanitário já se encontram fisicamente implantadas, dotadas da rede coletora e dos demais elementos responsáveis pelo transporte dos esgotos para a estação de tratamento. Outras bacias ainda estão em implantação, com maior ou menor avanço do cronograma físico de execução das obras.

A questão que atualmente se discute certamente encontrará argumentações favoráveis e desfavoráveis, da mesma forma que opiniões ocorreram em 1988, quando o Governo do Estado (CEDAE) e a sociedade civil acordaram judicialmente pela implantação da estação de tratamento primário dos esgotos. Este acordo levou a Constituição do Estado do Rio de Janeiro a incluir a obrigatoriedade do tratamento primário de esgotos em todo o Estado.

Não nos cabe agora discutir se esgotos sanitários não requerem tratamento prévio se lançados em cursos d'água com enorme capacidade de autodepuração - como preconiza a engenharia sanitária, ou se devem ser lançados no oceano somente após o tratamento primário, ou secundário, ou terciário ou o mais avançado possível - como defende a visão de preservação do equilíbrio original ou de proteção das comunidades aquáticas. Ambas as correntes de pensamento mantêm as mesmas convicções técnicas que pautavam as discussões em 1988.

A questão atual difere de 1988 pelo fato de que hoje o emissário existe, e nesse sentido não há dúvida de que é melhor termos os esgotos lançados no oceano do que nos cursos d'água afluentes ao complexo lagunar da Barra da Tijuca, e posteriormente ao mesmo oceano, só que junto à zona de balneabilidade. Por exemplo, o que se pretende temporariamente estabelecer para o emissário submarino da Barra da Tijuca é plenamente praticado no emissário submarino de Ipanema, unidade responsável pelo destino final dos esgotos sanitários gerados desde parte do Centro até São Conrado.

Por outro lado, caberá aos poderes públicos dedicarem-se e empreenderem esforços para o término das obras e a partida da operação da ETE Barra da Tijuca, já que assim estabelece a Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

A engenharia sanitária e ambiental apesar de sempre contar com subsídios técnicos e científicos de outras áreas do conhecimento, para a indicação da melhor solução técnica e econômica para o esgotamento sanitário das áreas urbanas, é também, como as outras engenharias, muito pragmática.

O presente caso não discute ideais, nem diretrizes para o futuro, e pode ser resumido em uma só questão: Até o início de operação da ETE Barra da Tijuca é mais adequado lançarmos os esgotos "in natura" nos cursos d'água."


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