Faces e Interfaces
01.12.2005

Origem da vida
Por Wang Pei Yi

O Olhar Vital convidou o coordenador de Medicina Legal, Roberto Blanco, e o professor titular e diretor do Instituto de Bioquímica, Fanklin D. Rumjanek para discutirem qual seria o momento em que a vida se inicia: se é na fecundação ou no desenvolvimento das atividades cerebrais e cardíacas. Esta questão suscita assuntos como o aborto, a clonagem, as pesquisas com células-tronco e as problemáticas jurídicas-legais e éticas envolvidas nos temas.



Roberto Blanco
Coodernador de Medicina Legal

 
Franklin D. Rumjanek
Professor titular e diretor do Instituto de Bioquimica

“Inicialmente, peço desculpas por estar ousando tentar responder a perguntas que, certamente, durante muitos e muitos anos, ainda estarão dividindo as opiniões especializadas a respeito do assunto. Entretanto, a faixa etária, e a absoluta independência com relação a qualquer grupo econômico, político, pedagógico ou religioso permite-me externar minha modesta posição sobre uma das grandes dúvidas do ser humano: onde começa a vida? No intuito de facilitar a resposta, vou discutir, tão somente, o início da vida biológica, sem ingressar nas discussões filosóficas a respeito da imprescindibilidade de interações psicoafetivas do ser biológico com o ambiente que o cerca e vice-versa.

Assim, o art. 2º do Código Civil vigente destaca: “A personalidade civil da pessoa humana começa do nascimento com vida, porém, a lei põe a salvo todos os interesses do nascituro desde a concepção”. O momento da concepção, ou seja, o encontro do espermatozóide com o ovócito secundário, com a união dos cromossomos maternos e paternos representa a constituição do arsenal genético biológico que, relacionando-se com o meio ambiente que o cerca, dará origem ao futuro ser humano, com as virtudes e defeitos que todos possuímos.

É desta estrutura resultante da concepção, a mais simples, e a mais completa, totipotente, que toda a seqüência futura dependerá. Cada momento seguinte do desenvolvimento humano, é decorrente da potencialidade da estrutura genética inicial. Todas as demais discussões, com evidentes focos estranhos à expressão “origem da vida”, utilizam premissas, evidentemente falsas, para chegar às conclusões que desejam.

Assim, os advogados criminalistas, doutrinariamente, aproveitando a curiosa falha da legislação penal que “não define o crime de aborto”, entendem que o aborto é a interrupção da gravidez, a qualquer tempo, e que a gravidez começa no momento da fixação embrionária (nidação).

O artifício desta curiosa conclusão jurídica permite que, de qualquer modo, se mate o embrião humano, desde que o fato ocorra antes da nidação.

Desta forma, o DIU, com ou sem cobre e as denominadas “pílulas do dia seguinte”, podem ser vendidos livremente no País, eis que, conforme esta “definição” jurídica, não são abortivas.

Entretanto, também não podem ser chamadas de exclusivamente “anticoncepcionais”.

Ora, se até mesmo os juristas da área criminal, informam que a partir da nidação já se pode punir o agente por crime de aborto, e o delito de aborto é classificado como crime contra a vida, com mais certeza, o aparecimento de funções cardíacas estará em um estágio posterior à nidação.

Quanto ao aparecimento das funções cerebrais, o foco da discussão muda inteiramente.

Se discutirmos a presença das funções cerebrais, já não estaremos mais discutindo a vida em nível exclusivamente biológico. Agora, inúmeros outros conceitos filosóficos precisam ser apresentados para que a discussão tenha alguma base científica que sirva de norte nas discussões.

E esta discussão, tenho certeza, persistirá por muitos anos. Entretanto, conforme as conveniências da modernidade, sem qualquer dúvidas, surgirão correntes que, de alguma forma, explicarão que o começo da vida será, gradativamente, empurrado para mais tarde, para mais longe da concepção, no sentido de permitir a utilização das células embrionárias nos procedimentos de terapia genética.

Uma rápida viagem a um passado não muito distante, considerando a existência do ser humano na Terra, vai mostrar que, ao longo da história, já houve diversos momentos considerados decisivos para marcar o início da vida. Santo Tomas de Aquino, na idade média, ensinava que a vida humana começava no momento em que a alma ingressava no corpo. Isto ocorria por volta dos quarenta dias no homem, e aos oitenta dias na mulher. Com essa estratégia pedagógica, muitas freiras, estupradas, não cometiam pecado ao provocar o aborto, pois, o produto da concepção ainda não tinha vida humana.

Modernamente, biologicamente, acredita-se que a vida humana só começa a partir dos 14 dias. A explicação para esta conclusão é o aparecimento da linha primitiva, no embrião, que insinua a formação do sistema nervoso central do ser humano. Entendem os defensores desta teoria que o ser humano não é apenas um conjunto de células biologicamente estruturadas. É considerado indispensável que possua um sistema nervoso central e, o que se admite indispensável, um cérebro pensante.

É a partir desta “decisão” pedagógica que se estruturou a lei 11.105 de 2005, a denominada lei da Biossegurança, que normatiza os procedimentos a respeito das denominadas células-tronco embrionárias. Chega-se ao cúmulo de chamar os embriões humanos, com menos de 14 dias, congelados em laboratórios de fertilização assistida, de pré-embriões. Perceba a estratégia pedagógica: não são embriões; são pré-embriões.

A partir destes conceitos, agora respaldados na “lei”, os pré-embriões humanos não devem ser implantados em mulheres após três anos de congelamento em laboratório. Assim, após este tempo, podem ser descartados. Ora, se vão ser descartados, jogados no ralo, em nome da dignidade do ser humano, e para tentar atender a tantas pessoas que necessitam de esperança para seus males degenerativos, estes “pré-embriões” humanos, com células multipotenciais, após três anos de congelamento, podem ser manipulados em experiências de terapia genética.

Curiosamente, estas experiências, só agora “legalizadas”, certamente, estão sendo realizadas em todo o mundo.

Assim, partindo da tradicional análise custo x benefício, pondo em jogo a ponderação dos interesses em jogo, poucos serão os que defenderão o embrião humano, discreto grupo de células, sem qualquer envolvimento afetivo com seus pais, ou interessados em suas células, diante da esperança de que suas células, implantadas em algum ente querido doente, desenganado pelos médicos, poderia recuperar a saúde e a qualidade de vida.

Diante destas esperanças, promessas e acentuadas controvérsias jurídico-penais, religiosas e técnico-científicas, ficará, cada vez mais difícil, alguém defender a idéia de que a vida humana começa na concepção.

Apenas para encerrar, faz parte do cotidiano da medicina especializada a técnica de redução dos embriões excedentários nos procedimentos de fertilização assistida. Curiosamente, se você quiser pensar a respeito, os embriões humanos já estão implantados no útero materno, ou seja, já estão nidados. Entretanto, como a implantação foi muito bem sucedida, há conceptos em demasia no interior do útero. Assim, no interesse da gestante, e para uma maior expectativa de êxito na gestação em curso, o médico, apoiado pela gestante, e por seus familiares, faz a “redução embrionária”, isto é, mata um, ou dois, ou três dos embriões humanos já implantados.

Será que a lei brasileira autoriza este tipo de aborto? Ou será que isto não é um aborto? Ou será que os interesses científicos e dos familiares podem ser praticados ao arrepio da lei?

São situações que, a cada dia, ocupam as salas de cirurgia, os consultórios médicos, as salas de aula, os modernos laboratórios de pesquisa científica e, tudo isso, sob os olhos preocupados dos megainvestidores relacionados a grandes grupos farmacêuticos e empresariais.

Quem ousará defender a singela observação, evidente por si só, cristalina como a água de rocha, de que a vida humana começa com a concepção?

Olhe ao lado e veja pessoas em cadeiras de rodas, tetraplégicos imobilizados em um leito hospitalar, cardiopatas incapacitados de executar os menores esforços e, diante deles, a esperança de contar com as células-tronco de um embrião humano, inteiramente desconhecido, de futuro inimaginável, talvez Einstein, quem sabe Hitler. Você deve decidir se aquele embrião já tem vida humana, ou se, ao contrário, é apenas um grupo inerte de células totipotenciais.

Temo, porém, discutir o assunto em termos éticos. Seria preciso, inicialmente, estabelecer qual a ética a ser discutida: utilitária, hedonista, deontológica etc. Predominando a ética utilitária, a vida humana começará, cada vez, mais distante da concepção e, cada vez mais, necessitará de respostas psico-afetivas com o meio ambiente.Se aplicarmos a ética deontológica, ou a ética canônica, a questão será respondida afirmativamente. Se utilizarmos a ética utilitária, se olharmos em direção às pessoas incapacitadas por doenças degenerativas e pensarmos na esperança que estas células-tronco embrionárias, provenientes de um embrião humano que será morto, poderão trazer para os desenganados, não veremos qualquer ferimento ético.

Como já expliquei, estes procedimentos só poderão ser realizados com alguma aceitação popular, depois que os “pensadores” colocarem na cabeça da população comum que o embrião ainda não tem vida humana, que há necessidade de adequada interação psicoafetiva do ser humano com o meio ambiente, que o anencéfalo não é um ser humano, que determinadas anomalias genéticas não compatíveis com a vida humana não permitem que o indivíduo seja considerado ser humano etc.

Inicialmente, será necessário implantar na cabeça da população determinados conceitos para, mais tarde, “naturalmente” surgirem as decisões “científicas”. A população, certamente, aplaudirá.

A Igreja, por último, quando perceber que nada poderá fazer para impedir este percurso progressivo da ciência, irreversível, encontrará alguma forma de ajustar-se à nova realidade para, com sempre, conseguir sobreviver.

Não se esqueça que vivemos em um País onde a legislação diz uma coisa e, como sabemos, diariamente, a todo instante, faz-se coisas inteiramente dissociadas da lei, como se nada de errado estivesse acontecendo”.

 

"Sobre onde começa a vida “há que distingüir o ponto de vista do Biólogo e do Jurista.

Para o Biólogo, a vida está presente nas células. Assim, os próprios gametas que vão produzir um zigoto (ovo fertilizado) são entidades vivas. Do ponto de vista jurídico, qual é o estágio quetem direitos constitucionais?

Em geral, os juristas ponderam que somente o indivíduo que nasce é que tem direitos constitucionais.Por outro lado, a área cinzenta é aquela que envolve o embrião.

Os que são contra o aborto, o que pode incluir juristas, Biólogos e religiosos, acham que é anti-ético, ou até mesmo criminoso,interromper a gestação.

Houve veto somente à pesquisa com células tronco embrionárias e não com as células-tronco maduras (hematopoéticas). Na minha opinião, essa foi uma medida um tanto míope, pois é a célula-tronco embrionária que realmente pode ter mais utilidade em aplicações médicas. A priori não tenho objeção alguma à pesquisa com células-tronco embrionárias.

A manipulação dessas células não deve ser considerada como um procedimento anti-ético uma vez que a blástula (etapa do desenvolvimento embrionário que é a fonte das células-tronco embrionárias) é um conjunto de células que ainda não possui a organização encontrada no indivíduo formado. Assim, pode-se concluir com base na ausência de um sistema nervoso formado, que essas células não só não possuem consciência, como também não sentem dor e de uma maneira geral não demonstram ter muitas interações com o ambiente. Seria o mesmo que afirmar que fazer pesquisa com células em cultura (uma abordagem amplamente utilizada em milhares de laboratórios) é anti-ético”.


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