Faces e Interfaces
17.11.2005

Avaliação psicológica no processo de admissão ao serviço público
Por Vanessa Soares

De acordo com a lei do concurso público, não é obrigatória a avaliação psicológica no processo de seleção e admissão. A aprovação nas provas já garante o ingresso do concursado. Tendo como “gancho” as últimas ocorrências do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, onde um técnico em enfermagem é suspeito de administrar remédios que provocavam paradas respiratórias em crianças, o Olhar Vital convidou a diretora da Divisão de Saúde do Trabalhador da UFRJ, Vânia Glória Alves de Oliveira; o professor titular do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade Nacional de Medicina, João Ferreira da Silva Filho; e a professora Ligia Leite, do Instituto de Psiquiatria, para falar sobre avaliação psicológica.

De acordo com Vânia Alves, a avaliação de candidatos aprovados para o Serviço Público Federal não possui normatização baseado na legislação vigente. Tal situação resulta em exames pré-admissionais diferenciados nos diversos níveis e instituições. É comum a avaliação das condições físicas para o cargo pleiteado, que além da anamnese e exame físico, também são utilizados os exames complementares, que geram respostas objetivas subsidiando a conclusão do laudo de aptidão.

Quanto à avaliação psíquica dos futuros servidores faz-se necessário uma estrutura mais complexa – profissionais especializados em recursos humanos, espaço físico diferenciado para as diversas modalidades de avaliação, materiais específicos e maior tempo disponível para a realização do processo. Cabe ressaltar que essa análise não significa, simplesmente, atendimento único com tempo restrito, mas uma complexa avaliação que deve levar em conta o perfil psíquico do candidato e as exigências do cargo a ser ocupado.

Entendo que, se a avaliação psíquica no exame pré-admissional não for realizada contendo os critérios acima relacionados, corre-se o risco de não se estudar o que de fato precisa ser avaliado, para tanto é urgente a necessidade de regulamentação para tal procedimento no Serviço Público Federal.

Ligia Costa Leite
Professora e pesquisadora do Instituto de Psiquiatria

 
João Ferreira da Silva Filho
Professor Titular do Departamento de Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade Nacional de Medicina
"Este tema deve ser encarado de frente. O caso do IPPMG é exemplar. Isto já aconteceu outras vezes, com outro enfermeiro, alguns anos atrás, que nem a família desconfiava de suas atitudes "salvadoras" e psicopatas.

Só não sei se tenho uma posição formada, porque muitos são os profissionais de RH que têm um olhar bem preconceituoso e eliminam candidatos pela aparência e não pela possibilidade de doenças reais. Algumas vezes torna-se difícil fazer uma hipótese diagnóstica em entrevista, um psicopata, por exemplo, sabe muito bem dissimular sua situação e conquistar pessoas, envolvendo-as.

Contudo, para trabalhar em hospitais, cuja função primordial é cuidar das vidas humanas, seria conveniente haver uma avaliação mais cuidadosa, utilizando instrumentos da área da psicologia de RH. Porém, uma entrevista psicológica nunca será suficiente para evitar situações danosas como esta ocorrida no IPPMG. O ideal é o acompanhamento psicológico periódico.

Já que exames clínicos são eliminatórios para admissão em serviço publico, avaliações de saúde mental não podem ser excluídas desse quesito, especialmente para os profissionais que irão trabalhar com cuidados a doentes, muitos deles em situações graves."

 
"A avaliação psicológica no processo de seleção de trabalhadores deve ser feita no sentido de mão-dupla. Ou seja, não é só para saber se o candidato está apto a exercer determinada função, mas também para que o empregador esclareça, informe sobre as atividades preteridas.

O exame psicológico é tão bom quando um exame clínico, e extremamente necessário. Uma pessoa que esteja em delírio, alucinação, um caso limite, não tem condições de fazer discernimento. Porém, uma vez detectado algum distúrbio, não é para eliminar o candidato e sim, encaminhá-lo para tratamento. É importante associar função e indivíduo. Melhorando as condições de trabalho, melhoram-se todos os trabalhadores.

A psiquiatria na saúde mental precisa ser dos trabalhadores, e não dos empregadores. Não se faz boa psiquiatria e boa saúde mental adaptando o trabalhador ao trabalho. E não se consegue fazer boa assistência ao trabalhador sem conhecer as suas condições de trabalho, pois, desta forma, o médico tende a individualizar o problema ou a culpar o trabalhador pela dor que ele está sentindo.

No trabalho que é vazio de significado, qualquer motivo aborrece e pode causar danos; no trabalho que é pleno de significado, a pessoa é capaz de suportar coisas intoleráveis de suportar devido ao significado positivo que a atividade lhe proporciona. O que dá sentido ao trabalho são os fatores sociais.

O caso do técnico de enfermagem do IPPMG há, claramente, a existência de um problema. Porém, crime é crime! Não se pode associar distúrbio mental a crime. Por maior que seja o problema do técnico, não era suficientemente capaz de interferir no seu juízo crítico - ele não estava delirando nem sendo determinado por vozes. Ele fazia aquilo pelo sonho de ser médico, que era frustrado, e que ele realizava, às escondidas, como enfermeiro – o que, infelizmente, é bastante freqüente em hospitais. O que ele cometeu foi um crime, apesar de necessitar, certamente, de tratamento psicológico. Porém, a função do acompanhamento psicológico não é de polícia, então, ou se aceita que as atitudes do técnico de enfermagem foram criminosas, o que só pode ser combatido através do controle da rotina, pois se tivesse médico presente, ele não fazia isso. Esse problema só foi possível de ocorrer devido ao fato de que, nos hospitais, os enfermeiros são deixados sozinhos pelos médicos."


Notícias anteriores:


• 10/11/2005 - A saúde da prática médica atual
• 03/11/2005 - Prevenir doenças e Proteger a Saúde
• 27/10/2005 - Expectativas de um médico