Ciência e Vida
27.10.2005

Hipócrates nos tempos modernos
Por Wang Pei Yi

Juramento de Hipócrates

"Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.

Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.

Conservarei imaculada minha vida e minha arte.

Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.

Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.

Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça."

Este é o juramento declamado por formandos de Medicina num ritual pelo qual inúmeros universitários passam no dia da cerimônia de formatura. A primeira vista, o juramento transmite a tradição intrínseca da profissão, um certo conservadorismo. Entretanto há nele uma modernidade que escapa aos olhos dos mais incautos.

A frase “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém”, retirada deste juramento não poderia ser mais atual. Ela traduz o oficio ao qual os médicos e os profissionais da área de saúde se propuseram a cumprir quando abraçaram esta carreira.

Embora o juramento seja temporalmente descontextualizado, a vice-reitora e ex-professora da Faculdade de Medicina, Sylvia Vargas concorda que o mesmo guarda em si uma atualidade condizente com a realidade profissional médica. Para ela o juramento ainda existe dentro do ser médico.

A tradição que as palavras de Hipócrates evocam, permite nuances discretas de contemporaneidade. “Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto”, a frase retirada do juramento deixa claro a postura do profissional com relação aos seus pacientes. É a ética pela qual eles pautam a sua conduta.

Para a professora a prática médica atual perpassa pelo juramento na medida em que ele traduz a necessidade de manter vivo o relacionamento de confiança entre médicos e pacientes, que só é possível quando este se torna acessível e suscetível ao contanto com os doentes.

Estabelecer vínculos é fundamental. Assim como acontecia com os antigos médicos de família que “gerenciavam” a saúde familiar, conciliar os conhecimentos técnicos e científicos com o relacionamento humano só enriquecem a prática médica, aproximando o profissional não apenas da doença, mas também do doente.

“O contato humano do médico com os pacientes é importante porrque a medida que ele vai conhecendo o enfermo o relacionamento e o vínculo se aprofundam e influenciam no tratamento, contribuindo para a adesão do paciente ao tratamento e aos exames que o médico prescreve. Se estabelece a confiança. O tratamento se torna menos desgastante, é feito mais naturalmente”, disse Sylvia Vargas.

Este modelo de conduta médica humanista está sendo engolido pelo modelo capitalista de mercado, em que os profissionais não possuem mais tempo para estabelecer laços. O médico atual está envolvido em múltiplas atividades, plantões a cumprir, cursos de especialização e atualização, atendimento em consultórios etc, muitas vezes necessário a sua sobrevivência.

Os médicos obedecem a lógica do capitalismo selvagem, tornando-se cada vez mais distantes e impessoais. Os avanços tecnológicos e científicos ameaçam tragar a prática médica humanista e solidária baseada no contato humano. Entretanto é preciso resistir para que eles não se tornem meros reprodutores de conhecimentos acadêmicos, esquecendo a sua função social e humana. Caso contrário, ele será apenas mais uma tecnocrata.

Para Sylvia Vargas a prescrição para o médico ideal é conciliar seus estudos e sabedoria cientifica com o relacionamento com o doente. Sem este modelo humanitário de conduta qualquer médico mais dedicado pode ser considerado um bom profissional.

Atualmente fala-se menos com o doente. É verdade que o médico atual é muito competente, dominando os procedimentos mais complexos. Talvez seja necessário condensar o afeto, consideração e humanismo para que ele caiba na correria e falta tempo das sociedades contemporâneas. “Se solidarizar, conversar e examinar o doente é a coisa mais moderna que existe”, disse Sylvia Vargas.


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