Argumento
27.10.2005
Saúde em revista
por Taisa Gamboa

 

A primeira noção que nos vêm à cabeça quando assistimos a televisão divulgar textos e imagens sobre o caos dos serviços públicos no Rio de Janeiro é que essa situação já está arraigada e não há possibilidade de mudanças. O destino dos impostos, e o questionamento sobre as condições mínimas de limpeza e conforto para a espera pelo atendimento ambulatorial e internação são algumas das dúvidas que pairam pela cabeça dos que dependem do serviço público para sobreviverem.

O que, afinal, poderia justificar as repetidas explicações de administradores da saúde a respeito das filas, da marcação de exames para três, seis meses após a solicitação? E o que dizer então de crianças em idade escolar aguardando cirurgias fundamentais para seu melhor desempenho, e pacientes com diagnósticos graves para os quais o atendimento oportuno é essencial à garantia do prolongamento da vida?

A reação diante das evidências de um atendimento deficiente é sintetizada na frase: o sistema público de saúde é ineficiente. A idéia da imutabilidade da situação da rede pública de saúde justifica a corrida dos que podem pagar pelos planos privados, cada vez mais hipervalorizado.

Instaura-se então um ciclo vicioso. O sistema público que atende apenas os segmentos menos favorecidos já é precário. Com a “saída” da classe média das escolas públicas e da demanda aos serviços públicos, o problema se agrava. Essa seqüência de causas e efeitos tem como resultado a preservação do sub-financiamento da saúde e, talvez mais grave ainda, a conformidade com as péssimas condições de gestão dos recursos existentes.

Para a professora do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, Ligia Bahia, essas idéias e julgamentos sobre o sistema público de saúde no Brasil, especialmente sobre o SUS, são mal compreendidos e empregados, e necessitam ser submetidos a uma reflexão mais rigorosa.

As dificuldades encontradas para realização de concursos públicos repositórios de pessoal, e a impossibilidade de acompanhar as inovações tecnológicas, sem garantir ao menos a manutenção, troca e ampliação dos equipamentos são apenas alguns dos obstáculos enfrentados pelos responsáveis pela saúde brasileira. Também coordenadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS), Ligia afirma que resta aos gestores dos serviços e dos governos municipais, estaduais e federal o acionamento de estratégias “quebra-galhos”.

Segundo a professora, tais mecanismos situam-se na fronteira da improbidade administrativa e, portanto expõem os gestores bem intencionados a uma carga brutal e adicional de trabalho para driblar as dificuldades. Em alguns casos legitimam as práticas escusas daqueles descompromissados com as necessidades de saúde.

Esse caos na saúde pública é contrastado com a aparente organização e eficiência do setor privado. A professora acredita que “há um sentimento difuso sobre o significado de ‘cair no SUS’, encarado como um equivalente ao purgatório”. No entanto, os planos de saúde no Brasil, criados por médicos brasileiros a partir dos anos 50 e pelos departamentos de recursos humanos de empresas estrangeiras e estatais de grande porte também estão longe de representar o céu.

Na realidade, a complementaridade entre o público e o privado na saúde é extremamente perversa e o que a mídia expõe é apenas a ponta do iceberg. As terapias de alto custo e os atendimentos prolongados para portadores de transtornos mentais e dependência química, não cobertos pelos planos de saúde, são realizados pelo SUS.

A excessiva simplificação dos diagnósticos sobre as causas dos problemas da saúde pública, acompanhada pelas fórmulas infalíveis para resolvê-los é divulgada repetidamente, mas não contribui para uma reflexão mais aprofundada e realista sobre o sistema. A coordenadora afirma que uma das soluções aparentemente mais simples - o investimento em prevenção - também deve ser examinado detidamente. “Não somos mais um país agrário. Temos problemas de saúde típicos dos países ricos e não logramos resolver os decorrentes do atraso econômico”, adicionou.

Segundo a professora, a prevenção e a promoção da saúde em face ao perfil epidemiológico exigem não apenas uma dotação de recursos financeiros elevada, como também a reorganização da rede de cuidados e assistência. O preço unitário de uma vacina já devidamente testada e comprovadamente eficaz pode ser baixo. No entanto, a promoção da saúde voltada para a redução dos problemas da violência, stress e hipertensão requer o planejamento e execução de políticas intersetoriais, caras em curto prazo e, de certo modo, menos visíveis do que a inauguração de postos de saúde.

Os países que possuem sistemas universais de saúde, quer aqueles que os implantaram em função do desenvolvimento do capitalismo, como, por exemplo, o Reino Unido, quer os herdados da lógica socialista são os que apresentam alta performance em termos da relação entre recursos e resultados. “O SUS inspira-se nesses modelos, mas não contou em nenhum momento com o apoio da área econômica, pelo contrário. Alguns dos ocupantes de cargos no Ministério da Fazenda, tanto de partidos à direita quanto os situados à esquerda do espectro político, afirmam que gastamos muito com saúde”, concluiu.


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