Faces e Interfaces
20.10.2005

Pressão médica
Por Taisa Gamboa e Beatriz Padrão

O sistema público de saúde é deficiente e não consegue atender adequadamente a população. Nem sempre suas verbas são geridas da forma mais eficiente e isso interfere inclusive na prática diária dos médicos. Influenciar as políticas públicas de saúde tornou-se um importante caminho para modificar a realidade dos quadros da saúde no Brasil. Para debater sobre esse tema, o Olhar Vital convidou o professor da Faculdade de Medicina e PhD em Pneumologia, Alexandre Pinto Cardoso e a professora de Planejamento e Saúde do NESC, Maria Cláudia Vater.

Alexandre Pinto Cardoso
Professor da Faculdade de Medicina e PhD em Pneumologia

 
Maria Cláudia Vater
Professora de Planejamento e Saúde do NESC

“Existem dois níveis de informação a serem discutidos. O primeiro é referente à categoria médica que através das suas estruturas organizadas (associações, sindicatos, conselhos) procura influir no parlamento ou nas próprias políticas públicas, suas ações, organizações e planejamentos.

Antigamente, existiam as conferências de saúde, que criaram posteriormente as estruturas necessárias para a constituição do Sistema Único de Saúde (SUS). A implantação desse sistema que visa a universalização do atendimento de saúde foi uma vitória da categoria médica no congresso.

As dificuldades financeiras enfrentadas pelos médicos decorrem do deslocamento das verbas previamente destinadas à área da saúde na carta maior. Quando o governo implanta o restaurante a um real, ou desenvolve um projeto de saneamento básico com verbas da saúde, acaba criando dificuldades administrativas para esta.

Obviamente, a um longo prazo, políticas sociais, de combate à violência, e de infra-estrutura acabam impactando positivamente na saúde, com a redução da demanda por verbas. Mas o desvio de recursos da saúde para a implantação desses projetos acaba comprometendo o desenvolvimento do setor.

O resultado dessa ação é o sucateamento da rede pública de saúde. Tanto no estado quanto no município do Rio de Janeiro os hospitais estão em péssimas condições, demandando recursos financeiros e renovação do pessoal.

Nesse sentido, a pressão dos médicos propondo auditorias e ajustes de conduta é fundamental para a efetivação do SUS, um dos mais avançados sistemas de saúde pública do mundo. Na teoria, esse órgão está adequado, mas apresenta problemas operacionais e administrativos.

A classe médica exerce grande influência sob os gestores políticos, que resistem em repassar os recursos necessários para as áreas foco da saúde. Os resultados práticos decorrentes da intervenção federal ainda não trouxeram grandes avanços na área base da saúde.

Uma segunda questão que deve ser abordada é referente à participação comunitária. Os Conselhos Municipais de Saúde contam com a atuação de representantes das comunidades locais para discutirem a alocação dos recursos da saúde. O problema é que, na maioria das vezes, estes membros estão vinculados a partidos políticos e acabam sendo manipulados de forma a favorecerem a liberação dessas verbas para determinados setores.

O ideal é que esses conselhos tomem decisões de natureza técnica para justificar a distribuição dos recursos, evitando, assim, o achismo. Reforço que os recursos sociais invariavelmente acabam impactando favoravelmente na saúde, mas não pode haver desvio.”

 
“Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM) há, atualmente, no Brasil em torno de 300 mil médicos em atividade. A participação da classe médica na formulação de políticas públicas em saúde é feita predominantemente por intermédio do Conselho Federal de Medicina e seus conselhos regionais, da Associação Médica Brasileira (AMB), Federação Nacional dos Médicos, Confederação Brasileira de Medicina e das sociedades especializadas e de representantes de estudantes de medicina (médicos residentes).

Na agenda de discussões dessas entidades ligadas à classe médica, há um interesse especial sobre questões relacionadas à política de recursos humanos no tocante a contratação de médicos no sistema público de saúde; ao ajuste da tabela de procedimentos do SUS aos prestadores de serviços ao sistema; à participação das entidades médicas no Conselho Nacional de Saúde (CNS) e à regulação quanto à expansão indiscriminada de escolas de medicina cuja autorização é concedida pelo Conselho Nacional de Educação.

As agências reguladoras também são fóruns importantes de interlocução com as entidades médicas. A Agência Nacional de Saúde (ANS) deve regular as atividades das operadoras da saúde suplementar. Por sua vez, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) faz a regulamentação, o controle e a fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública e executa as ações de vigilância sanitária e epidemiológica.

Uma outra forma de contribuição conjunta entre a AMB e o Conselho Federal de Medicina consiste em uma política de qualificação e valorização do profissional médico em atividade no sistema de saúde brasileiro.

Isso vem sendo desenvolvido através de Programas de educação continuada incluindo a reavaliação periódica e obrigatória para a revalidação dos títulos de especialista. Segundo essas entidades o objetivo maior dessas ações é oferecer médicos preparados às mais diferentes regiões do país para que a população tenha acesso a uma assistência de qualidade.

Um dos desafios ainda a ser conquistado através da Educação Continuada e que parece ser de fundamental importância na implementação de uma política de assistência à saúde mais integral e integrada é uma mudança no modo de olhar do profissional médico.

As condições necessárias para que se exercite continuamente o diálogo fértil não somente entre as várias racionalidades terapêuticas do saber médico como também com todos outros profissionais que compõe o sistema de assistência à saúde devem começar a ser construídas desde o primeiro momento da formação médica nas universidades.”




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