Faces e Interfaces
29.09.2005

O ponto ético da pesquisa
Por Taísa Gamboa

O Centro de Ciências da Saúde (CCS) é um dos que mais contribui para manter a UFRJ como centro de referência em pesquisas inovadoras. Quando se torna necessário submeter seres humanos às pesquisas, questões éticas, morais e sociais devem ser levadas em consideração. Visando garantir a integridade e os direitos dos voluntários, o CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) instituiu a obrigatoriedade da implantação de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) nas instituições onde estas são realizadas. Seis unidades do CCS possuem esses comitês. São elas: HUCFF, IPPMG, NESC, Anna Nery, IPUB e HESFA.

Para discutir como essa normatização foi recebida pelo meio acadêmico, o Olhar Vital convidou o professor adjunto do departamento de farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ, Roberto Takashi Sudo; e o professor adjunto do depto. de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ e Membro parecerista do Comitê de Ética em Pesquisas do Instituto de Psiquiatria – IPUB/UFRJ, Leopoldo Hugo Frota.

Roberto Takashi Sudo
Professor adjunto do departamento de farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ

 
Leopoldo Hugo Frota
Professor adjunto do depto. de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ e membro parecerista do Comitê de Ética em Pesquisas do Instituto de Psiquiatria – IPUB/UFRJ

“Primeiramente é preciso estabelecer uma diferença fundamental: existem as pesquisas com animais (área básica) e as pesquisas com seres humanos (área clínica). Os comitês de ética em pesquisa são mais severos com os trabalhos que envolvem animais do que os que envolvem humanos. Mas a priori, todo tipo de pesquisa que necessite de testes em seres vivos precisa passar pelo crivo desses comitês para ser aceita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Além disso, os pesquisadores são obrigados a certificar que o trabalho foi aprovado pelos comitês para poder publicá-lo ao nível internacional.
Outra questão a ser comentada é que a ética de pesquisa caminha muito devagar no Brasil. Apesar dos avanços, nossa instituição não está preparada para submeter todos os trabalhos aos comitês e nem temos essa cultura de nos subjulgar a ele. É importante que o trabalho desses comitês seja menos burocratizado e mais acessível.
Para que esse esquema funcione, é preciso que os comitês de ética em pesquisa divulguem mais a sua existência junto aos pesquisadores. Não sabemos nem quantos existem, nem em quais áreas estão atuando, ou o que devemos fazer para inscrever nossas pesquisas. O ideal é que cada unidade tenha um comitê de ética específico, e que ele ofereça orientações especializadas, como o número de indivíduos que devem ser submetidos aos testes clínicos, e o tempo necessário à exposição às drogas, por exemplo.
A função e a composição dos comitês também são assuntos que deveriam ser discutidos com os pesquisadores de cada unidade. Um comitê deve ser composto por pessoas capacitadas, flexíveis, distintos representantes da sociedade. É importante pensar nos responsáveis por aprovar o comitê e seus membros. Tem que haver um colegiado para aprová-lo e o pesquisador deve ter a possibilidade de recorrer caso não concorde com o que ficou decidido pelo comitê de ética.
De qualquer forma, sua atuação é válida, pois força o pesquisador a ter mais cuidado quanto a elaboração de seus projetos. A existência institucional dos comitês em si é obrigatória, mas eles devem ser vistos como auxiliadores e não como carrascos. Se deixarmos de desenvolver um medicamento em função de questões burocráticas ou porque determinado grupo não concorda com uma linha de pesquisa, outro país o fará; perderemos a patente e teremos que importar um medicamento que tínhamos plenas condições de desenvolver.”



 
“Surgida da reação mundial às atrocidades cometidas pelos nazistas de Hitler em nome de uma pseudo-Ciência Médica é inegável que o já consolidado movimento internacional por revisões éticas preliminares e independentes dos protocolos de pesquisas envolvendo seres humanos, representa inestimável e irreversível avanço para a Humanidade.
Ao contrário de outros países, no Brasil, só mais recentemente esta louvável prática foi institucionalizada, passando a ser obrigatória com a promulgação da Resolução n°196/96 que instaurou os Comitês de Ética em Pesquisas (CEPs) para revisão ética local das pesquisas com seres humanos, e em alguns casos e sob certas condições, sujeitas adicionalmente a aprovação final pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP).
Como a questão da ética em pesquisas com seres humanos, envolve primordialmente princípios morais, filosóficos e políticos, torna-se inquestionável, portanto, o obrigatório caráter multiprofissional dos comitês revisionais. Isto não impede, porém, que nas discussões os especialistas possam, e devam mesmo, assumir um caráter isento de fornecedor de detalhes e peculiaridades técnicas.
Não me parece haver correta percepção por exemplo, de que não seria de modo algum lícito, muito menos democrático, cercear o direito dos cidadãos enfermos capazes e/ou seus responsáveis de candidatarem-se a novos tratamentos experimentais para suas moléstias. Desde que suficiente e adequadamente informados dos possíveis riscos e desconfortos envolvidos, com a garantia da aplicação prévia de um competente Termo de Consentimento Informado. Riscos paralelamente assumidos e permanentemente monitorados durante o andamento da pesquisa, se preciso com auditorias, pelo Comitê co-responsável.
Tal equívoco tem levado a uma ilegítima obstacularização e desestímulo ao esforço de pesquisa, o que é pior muitas vezes nacionalmente empreendido, para contínuo desenvolvimento de novas terapêuticas e/ou aperfeiçoamento das existentes para portadores de enfermidades graves e incapacitantes com mau prognóstico. Para as quais ainda não existam recursos terapêuticos universalmente reconhecidos como razoavelmente seguros e/ou eficazes, como a Esquizofrenia e Transtorno Afetivo Bipolar.
Somente a comparação com o placebo, respeitados os princípios éticos e humanísticos da pesquisa com Seres Humanos pode nos dar a correta dimensão em termos absolutas da eficácia e/ou segurança de um novo tratamento. Isto também parece não ter sido ainda adequadamente acordado nas instâncias nacionais, a julgar pela sistemática reprovação dos protocolos de estudos que envolvam grupo-placebo, ainda que ao lado de grupo controle submetido randômica e cegamente, ao melhor tratamento existente.
A inexistência de tal consenso tem levado os promotores internacionais dos estudos com novos tratamentos, particularmente a Indústria Farmacêutica, a dirigir seus esforços para outros países que não o nosso, que notoriamente já sofre desproporcionalmente de baixa aplicação de financiamentos na área com prejuízos definitivos para o desenvolvimento de excelência em pesquisa médica.
Tudo isto nos recorda uma outra questão capital. Qual, idealmente, deveria ser o grau de participação do Estado (Governos) na provisão/fiscalização das garantias humanisticamente obrigatórias na pesquisa com seres humanos, lembrando que em muitos países, tal questão não é objetivo de legislação/fiscalização ou controle estatal, ficando inteiramente a cargo das instituições locais, no máximo com instâncias revisionais regionais.
Não creio que tal modelo deva ser visto, acriticamente, como desejável/aplicável para nosso país, mas que talvez possa nos levar a um aperfeiçoamento de nosso modelo que pelo que se vê tem sido pelo menos um dos responsáveis pelo notório esvaziamento do já pequeno movimento nacional de pesquisas médicas envolvendo seres humanos.”

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