Faces e Interfaces
15.09.2005

O poder da fé
Por Beatriz Padrão

A fé em si, já é um tema de extrema complexidade. Quando se fala sobre sua relação com a cura de doenças, as opiniões tendem a divergir. Isso, porque a questão envolve não só o grau e o tipo de religiosidade, mas também o fato de já ter vivido ou não o sofrimento de uma doença grave. Essa experiência pode até levar alguns céticos a conversão. Diante esta polêmica em potencial, o Olhar Vital procurou dois profissionais para colocarem seus pontos de vista, e assim, fomentar a reflexão sobre o assunto abordado.


Uriel Heckert
Médico psiquiatra e professor de Psiquiatria e Antropologia Médica na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.

 
Maria Tavares
Diretora Adjunta de Assistência do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB)

“Eu e minha esposa acompanhamos um filho com leucemia durante quatro anos e meio. Desde o início, fizemos duas opções claras que muito nos ajudaram em todo o processo:

Primeiro, sempre confiamos em Deus, e creio que ele estava adiante de todo o processo,
conduzindo-nos pelos caminhos mais adequados. Esta fé nos deu segurança, serenidade e evitou o desespero, tão comum nesses casos.

Além disso, usamos com critério e presteza todos os recursos disponíveis da ciência e da técnica. Cientes de que são preciosos e válidos; não infalíveis e perfeitos, porém os mais adequados de que dispomos. Isso nos livrou de recorrer a charlatanismos perigosos.

Quando nosso filho deu seus últimos suspiros, oramos juntos e agradecemos o privilégio de tê-lo conosco por seis anos, reafirmando a certeza de ainda vê-lo.

Esta foi uma experiência pessoal, mas nas últimas décadas têm sido desenvolvidos vários estudos mostrando relação positiva entre fé, práticas religiosas e benefícios à saúde. Alguns pesquisadores que se destacaram nessa linha são Gordon Allport, David Larson, Harold Koenig, entre outros.

Se a fé não contribui diretamente com a cura, pode proporcionar o conforto psicológico, que não é algo desprezível ou menos importante. A própria condição humana nos coloca diante de situações que interrogam sobre sentido, significação e questões de natureza espiritual. Tais recursos, muitas vezes, são os mais importantes e não devem ser subestimados.

Gordon Allport descreveu o que chamou de "espiritualidade intrínseca": uma fé internalizada, que busca um fim em si mesma, assumida existencialmente, independente das conseqüências externas. Tal espiritualidade tem sido relacionada positivamente, em inúmeras pesquisas, com saúde física e mental. Ela se mostra útil em todas as situações, ou seja, em qualquer tipo de doença.
Cabe ressaltar que o pensamento positivo dirige a expectativa à própria pessoa. A meu ver, é muito pouco. Os seres humanos são capazes de muitas coisas bonitas e grandiosas; por outro lado, são muito limitados e pouco confiáveis.

Que fazer quando não se consegue ter pensamentos positivos, como no caso da pessoa com depressão, por exemplo? É necessário livrar-se da tentação do Éden: não somos e nunca seremos deuses. A fé precisa voltar-se para alguém consistente e confiável, maior que nós; e que, ao mesmo tempo, goze da credibilidade de um lastro histórico de envolvimento com o humano.

Enfim, julgo que a pretensa onipotência médica tem muito que aprender com outros saberes.”

 
“Não tenho dúvidas de que a fé ajuda a lidar melhor com situações difíceis e estressantes da vida. Acredito que a questão principal é se a fé seria algo ”alienante e alienador”. Ou seja, se seria a construção de um sentido compartilhado por muitos, mas sem um fundamento no real ou se a dimensão espiritual é uma dimensão essencial de todo ser humano e que deve ser trabalhada para a saúde plena dos indivíduos.

É preciso refletir se somos “doentes do sentido” como diria o filósofo Lacan ou, pelo contrário, se precisamos de um sentido para viver, concordando com Victor Frankel.

A questão do sentido da vida é uma questão que tem que ser respondida por cada ser humano, e, essa resposta é responsabilidade de cada um e não pode ser dada por um terceiro. É dentro desse contexto individualizante que entendo a problemática da relação entre a fé e a cura.

Existem inúmeros estudos científicos que analisam as relações entre crença religiosa e cura e/ou melhor, desenvolvimento de doenças clínicas. Posso citar dois a título de exemplo.

O primeiro causou grande impacto nos meios médicos e acadêmicos e consistiu em um estudo duplo cego em uma amostra randomizada dos efeitos da oração de intercessão à distância na evolução e prognóstico de 990 pacientes internados em uma unidade coronariana. Este estudo foi publicado por Harris WS. Há também uma revisão sistemática realizada por Robert L e Ahmed I., sobre a eficiência da oração de intercessão no alívio de doentes.

Além disso, a questão da manutenção da esperança ou da fé frente a eventos traumáticos, como cânceres, AIDS e outras situações terminais, tem sido muito estudada. Sempre revelam que a manutenção da esperança é um fator de conforto, de melhor adaptação às situações e conseqüentemente melhor prognóstico, um exemplo claro é o ensaio de Cf. Sullivan MD, Hope and hopelessness at the end of life (Esperança e desesperança no fim da vida).


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