"Em
primeiro lugar, seria interessante deixar claro o que são
doenças negligenciadas. Sem nos atermos a conceituações
oficiais, é possível dizer que são aquelas
doenças às quais a grande indústria farmacêutica
não dá atenção, porque elas não
apresentam retorno financeiro frente a investimentos. Essas
doenças atingem uma grande parcela da população
mundial, a dos países em desenvolvimento, de baixo poder
aquisitivo. Como grande parte desses países está
na zona tropical, praticamente todas as chamadas doenças
tropicais são negligenciadas.
É
importante perceber que o objetivo principal da indústria
não é social, mas sim financeiro, com foco na
obtenção de lucro. Ela vê os medicamentos
como produtos que precisa vender, da mesma forma com que veria
carros ou bombons, se os produzisse. Assim, existem distorções
na fabricação de medicamentos de acordo com a
população que eles atendem.
Pouquíssimo
é investido na pesquisa e desenvolvimento de remédios
contra doenças que, apesar de atingirem muitas pessoas,
são características de lugares pobres. Apenas
1% dos 1393 novos fármacos aprovados entre 1975 e 1999
trata especificamente de doenças tropicais e todos foram
desenvolvidos com participação do setor público.
A
esquistossomose é um exemplo de doença negligenciada.
Hoje, nós usamos um fármaco que apresenta desempenho
bastante satisfatório no seu tratamento, mas há
preocupação de que o uso em larga escala da mesma
substância possa resultar na resistência do verme
a ela. Ainda mais num momento em que o parasita tem se espalhado
pelo Brasil, com a ocorrência de novos focos em Santa
Catarina, Distrito Federal, Goiás e Rio Grande do Sul.
Há uma tendência de expansão da doença
no sul do país (e até na Argentina), já
que foram encontrados caramujos hospedeiros na região.
Segundo
os últimos dados divulgados pelo Ministério da
Saúde, a cada cem brasileiros, mais de cinco estariam
infectados pela parasitose. A Organização Mundial
de Saúde (OMS) a incluiu na lista das dez doenças
parasitárias prioritárias, com destaque quanto
ao melhor uso dos medicamentos disponíveis e quanto à
necessidade de pesquisa de novos fármacos. No mundo,
estima-se que cerca de duzentos milhões de pessoas tenham
o parasita.
A
organização Médicos Sem Fronteiras
(MSF) tem se destacado na luta contra esse problema. Num estudo
divulgado recentemente, ela chegou à conclusão
de que se a questão for deixada nas mãos da indústria,
não se vai chegar à solução alguma.
Não haverá situação de mercado que
estimule o desenvolvimento de fármacos para combate das
doenças negligenciadas. Foi proposto, então, um
esforço conjunto envolvendo governos, instituições
de pesquisa e organizações (como a OMS e a MSF)
para levantar fundos e desenvolver pesquisas que resultem em
novos medicamentos. Poderia haver participação
ocasional da indústria, que se beneficiaria a partir
de uma melhoria de sua imagem."
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"O
problema em relação às doenças negligenciadas
é basicamente econômico. Como estas se manifestam
principalmente nos países subdesenvolvidos, onde os infectados
não têm dinheiro para comprar os medicamentos,
as grandes empresas e até muitos governos não
investem em pesquisa em remédios para controlar e curar
tais doenças.
Um bom exemplo é a tuberculose. Esta havia sido controlada,
mas recentemente vêm ressurgindo, gerando cada vez mais
mortes por ano. 80% dos casos se concentram em 22 países
do mundo, inclusive o Brasil. Sua erradicação
já é possível há muito tempo, mas
como a grande maioria dos casos e mortes se concentra nos países
pobres, quase nada é feito na tentativa de sua eliminação.
A tuberculose, que mata cerca de dois milhões de pessoas
por ano, sendo mais de um milhão e meio nos países
em desenvolvimento, é muito perigosa, já que o
contágio se dá de pessoa para pessoa através
do ar. Basta uma tosse, uma respiração para haver
uma possível contaminação. Além
disso, é importante ressaltar que a maior probabilidade
de infecção e manifestação da doença
se dá no início e no fim da vida.
Apesar da chance da tuberculose se manifestar em um infectado
ser pequena - em cada 100 contaminados, apenas 5% a 15% desenvolvem
a doença - nem por isso ela deve ser negligenciada da
forma que é. São cerca de quatro bilhões
de casos anuais, e nem assim as grandes empresas de produção
de novas drogas e os governos dos países ameaçados
investem em pesquisas. As primeiras não têm interesse
em medicamentos para a população com baixo poder
aquisitivo, e os segundos, principalmente na África,
onde se concentra a maioria dos casos, muitas vezes realmente
não tem capital para investir nessa área.
Assim, as doenças que recebem o foco dos investimentos
em produção de novos remédios são
aquelas degenerativas, como a hipertensão, colesterol
alto, entre outras, problemas que aparecem majoritariamente
em pessoas dos países ricos.
Só que estas doenças se manifestam no fim da vida,
e as negligenciadas, como também doença de chagas,
hanseníase, leishmaniose e malária, podem atacar
também pessoas jovens. Com o turismo e a imigração,
tais doenças podem alcançar também o “mundo
rico”, infectando e matando residentes ainda com pouca
idade nestes países. Assim, os pesados investimentos
em pesquisa para doenças como obesidade e problemas cardiovasculares
podem ser em vão. Certamente é algo para se refletir.".
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