Ciência e Vida
08.09.2005

Desigualdade e desnutrição
por Eric Macedo

No fim do mês passado, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um relatório em que explicitava o aumento das desigualdades sociais entre países e pessoas. Um dos dados trazidos pelo documento alertava para o fato de que os vinte países mais ricos do mundo respondem por 45 por cento do consumo de carne e peixes, enquanto os vinte mais pobres respondem por apenas cinco por cento. No Brasil, dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelam que cerca de 1% da população mais rica tem renda equivalente à dos 50% mais pobres. Temos a segunda pior distribuição de renda do mundo, atrás apenas de Serra Leoa.

A professora Marta Maria Antonieta Santos, do Departamento de Nutrição Social e Aplicada do Instituto de Nutrição Josué de Castro (UFRJ), ao comentar as estatísticas da ONU, explica que a exclusão de todas as carnes de uma dieta representa uma alimentação inadequada.

- As carnes e peixes são alimentos ricos em proteínas, nutrientes essenciais à manutenção, ao crescimento, desenvolvimento e à reprodução orgânica. Existem evidências de que em países onde a qualidade e a quantidade de proteínas são inadequadas, a estatura da população pode ser afetada. Deficiências nutricionais provocam, em longo prazo, alterações do metabolismo e o organismo procura minimizar suas repercussões clínicas. Em crianças, frente à carência nutricional, o organismo economiza energia diminuindo sua velocidade de crescimento e chega a anulá-lo completamente em casos extremos, em que há desnutrição crônica -, disse a professora.

Marta afirma que a estatura baixa reflete as condições socioeconômico-culturais de uma comunidade:

- Os "nanicos" podem ser considerados produtos da fome crônica, da desigualdade social e da miséria brasileira. Gerações de "baixinhos" devem ser identificadas, denunciadas, priorizadas e, acima de tudo, prevenidas – disse, lembrando que o indicador que relaciona idade e altura é o de maior relevância para aferir o estado nutricional de uma pessoa.

Para Marta, o Brasil tem um problema incontestável de desnutrição crônica em sua população.

- A desnutrição provoca uma diminuição das defesas do organismo da criança, o que aumenta a susceptibilidade a infecções que, se não tratadas oportunamente, podem levar à morte -, disse ela.

Entretanto, as pesquisas não apontam deficiência protéica na população brasileira. Isso ocorre devido à combinação de dois vegetais característicos da nossa dieta: arroz e feijão. Marta explica que, quando consumidos simultaneamente, numa proporção de três partes de arroz para uma de feijão, os aminoácidos das proteínas que cada um deles contém se complementam e há melhora significativa do seu valor nutricional.

- O que existe aqui é deficiência de energia em uma parcela significativa da população, que não se alimenta bem porque, mesmo se gastasse todo o dinheiro que tem com alimentos, não teria capacidade de suprir suas necessidades nutricionais. Isso é o mesmo que as pessoas chamam de indigência: pessoas que sobrevivem com cinqüenta reais por mês. A deficiência de energia, se persistir durante um período determinado, pode levar o indivíduo a uma deficiência de proteína, dando início ao processo de desnutrição – disse ela.

A professora acredita que as ações no campo da alimentação e nutrição que foram desenvolvidas recentemente (dentro do Programa Fome Zero) não apresentam originalidade ou inovação quando comparadas às que as antecederam. Para ela, o problema só será solucionado com medidas estruturais, que garantam estabilidade e crescimento econômico com trabalho e renda para a população.

- Mas a fome e a desnutrição não esperam e, necessariamente, as políticas compensatórias ou emergenciais têm que permanecer, enquanto se constrói, com a participação do Estado, do mercado e da sociedade civil, as políticas sociais, articuladas às políticas estruturais e macro-econômicas para o concreto desenvolvimento econômico e social do país, baseadas nos conceitos de direito e cidadania – concluiu Marta.


Notícias anteriores:

• 01/09/2005 - Atleta não é sinônimo de saúde
• 25/08/2005 - A Epidemia Silenciosa
• 18/08/2005 - Biodiversidade na Mata Atlântica