Faces e Interfaces
30.03.2006

Ser ou não ser
Por Mariana Granja

A mudança de sexo é uma cirurgia reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina e financiada pelo SUS, que se torna cada vez mais comum no Brasil. Mas para se submeter a ela é preciso cumprir algumas exigências, como por exemplo, sofrer transtorno de identidade de gênero, ou seja, pessoas que nascem fisicamente de um determinado sexo mais se sentem como se fossem do outro sexo.

Para que se tenha certeza da decisão do paciente em mudar de sexo, é preciso que ele passe por um intenso tratamento com psicólogos e psiquiatras, para que não haja arrependimentos. Para falar com mais detalhes sobre esse assunto, o Olhar Vital foi buscar especialistas envolvidos nessa questão.

Paulo Canella
Professor titular de Ginecologia – UFRJ

 
Sérgio Zaidhaft
Psicólogo do Serviço de Psicologia Médica do HUCCF

“A vivência clínica com transexuais não os mostra como doentes, mas sim como vítimas de um erro de pessoa que precisa ser corrigido. Estas pessoas perseguem a correção desse erro, às vezes obsessivamente.

O mais marcante para nós médicos, ginecologistas ou de outra qualquer especialidade, é entender sem preconceitos a pessoa de um ser que se considera normal e pertencente a um determinado sexo embora exibindo um corpo e uma fisiologia do sexo oposto.

O transexual nos coloca diante da negação de uma verdade sentida no âmago de nós mesmos, implantado por um processo psicobiológico determinístico de diferenciação e do qual nossa percepção interior não duvida.

O transexual é uma prova irrefutável de que o masculino e o feminino são construções muito mais frágeis do que examinamos e que nós mesmos podemos ser ‘vítimas’ dessa fragilidade.

A maioria dos médicos vê o desejo da mudança de sexo e a adaptação com restrições, inconsciente ou clara e preconceituosa, semelhante àquela contra homossexuais.

O fato é que é quase rotina encontrar resistências ao trabalho. Somente quando há uma ruptura das resistências e uma aproximação com os casos é que o profissional percebe a importância e a necessidade de corrigir esses erros de pessoa”.


 

“Em 1997, o Conselho Federal de Medicina baixou uma resolução, autorizando a cirurgia de mudança de sexo. Recomendo a leitura do texto, pois foi feita uma pesquisa muito séria sobre o assunto. A cirurgia de transgenitalização foi autorizada a título de experimentação para as pessoas diagnosticadas com transtorno de identidade de gênero. Não é exatamente mudança de sexo, mas alteração dos órgãos genitais. Esse transtorno é uma categoria psiquiátrica, presente em pessoas que se sentem pertencentes a um sexo diferente ao biológico. Não estou falando de características delirantes, nas quais a pessoa pensa que é de outro sexo. O indivíduo sabe que nasceu homem ou mulher, entretanto não há correspondência entre o anatômico e o psicológico. Como se sabe, não existe tratamento psicológico que reverta essa situação, nem se sabe a cura. A solução no mundo inteiro é fazer cirurgia.

No caso do homem sentir-se mulher, são feitas a extirpação do pênis e testículos e a construção da chamada neo-vagina. A legislação exige uma avaliação prévia de, pelo menos, dois anos com uma equipe multiprofissional, com psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas entre outros, para verificar se corresponde à indicação de cirurgia e evitar arrependimentos futuros. No Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), já foram feitas quatro cirurgias masculinas e não houve arrependimento. Acredito que em São Paulo, Porto Alegre, Vitória, Brasília e Belo Horizonte também são feitas operações e também não são conhecidos casos de arrependimentos. Em 2002, a operação masculina deixou de ser experimental. Com as mulheres, no entanto, a cirurgia é muito complicada, há vários agravantes. É bom lembrar que a incidência é muito maior em homens (uma escala quase de nove para um).

O acompanhamento continua após a mudança, porém o mais complicado é a questão jurídica, a alteração de nome e sexo na identidade civil. Essa parte causa constrangimentos terríveis, além dos agravantes em relação a casamento, herança, entre outros. Há também um processo de adaptação pós-operação: normalmente é preciso fazer reparos na região, há o desejo de implantação de mama, retirada da cartilagem conhecida como ‘pomo de adão’, tem que passar a tomar hormônio, enfim, são preocupações para o resto da vida. Mas o que é mais problemático mesmo é a inserção social. E mesmo com tantos agravantes, o desconforto anterior era tão maior que a possibilidade de cirurgia é uma esperança sem preço.

Os homens sentem-se como mulheres a partir das características mais comuns, como a sensibilidade feminina, o carinho. Eles se dizem possuidores de uma essência intrinsecamente feminina. E essa questão nos dias atuais é muito nebulosa, não se tem mais exatamente delineado o que é feminino e o que é masculino”.

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