Faces e Interfaces
23.03.2006

Uso de remédios combate o vício do tabaco?
Por Mariana Elia

Cerca de 30 milhões de brasileiros são dependentes do tabaco hoje em dia. Número exorbitante se acrescentássemos a informação de que apenas 100 mil são tratadas por ano. O cigarro é uma droga legal, que está presente no cotidiano de todos, e que cada vez mais cedo os jovens experimentam. Muitos são os que dizem que este é o primeiro passo para o vício em outras drogas. Muito poucos são os que defendem, e talvez por conta dessa discrepância é que diversos programas e clínicas de tratamento venham surgindo. Esses tratamentos são, em geral, feitos com medicamentos que ajudam o dependente agüentar a abstinência. Se são eficazes, necessários ou se é possível a transposição do vício para o próprio remédio, os especialistas em dependências químicas, doutor Alberto José de Araújo e doutora Salete Ferreira, explicam:

Doutor Alberto José de Araújo
Médico e diretor do Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo – NETT (associado ao HUCFF e ao IDT)

 
Doutora Salete Ferreira
Coordenadora-adjunta do Projad e professora visitante do IPUB


“Tabagismo é uma dependência química. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera uma doença crônica, que começa na adolescência, quando 90% das pessoas iniciam o uso. Há duas abordagens fundamentais no tratamento: cognitivo-comportamental e apoio com medicamentos para aliviar a abstinência. Para esse tratamento, são recomendadas as duas etapas simultaneamente.

A primeira, através de aconselhamento e orientação com terapias individual ou em grupo, a fim de enfrentar situações de risco. Ao mesmo tempo, o paciente é encorajado a mudar de vida, como por exemplo, a prática de exercícios respiratórios e dieta. São trabalhos que duram por volta de três meses em sessões semanais. Estresse, nervosismo e ansiedade são emoções, em cima das quais o cigarro funciona como socorro, fornecendo alívio momentâneo. Daí, o tabaco pode se tornar também um mascarador da depressão.

A segunda é tentar apoiar em medicamentos, usando os adesivos transdérmicos de nicotina diariamente, ou a goma de mascar de nicotina. O uso ‘dessenssibiliza’ o receptor de nicotina no cérebro. A idéia é quebrar o ritual em doses mais baixas e sem as outras substâncias tóxicas presentes no cigarro. A goma é interessante para acabar com a fissura, colocando algo na boca e exercitando a oralidade que o fumante precisa. É necessário, no entanto, parar de fumar para que não aumente a taxa de nicotina no organismo. Esses recursos são usados desde a década de 70 e dão muito bons resultados, mesmo que com contra-indicações, como doenças de pele e infarto recente.

Outra forma de medicação é o anti-depressivo Bupropiona. Dura também cerca de três meses e não costuma causar dependência, porém existem muitas contra-indicações, como epilepsia, doenças relacionadas ao fígado, rins e depressão grave. Esses são os remédios de primeira linha, mais caros. Recentemente, começam a ser fornecidos pelo SUS, mas o Hospital Universitário ainda não os recebeu. Outros medicamentos não têm a mesma eficácia, são, no entanto, mais baratos. Dois medicamentos devem entrar no mercado e vão revolucionar o tratamento contra o tabaco. A Vareciclina está para ser autorizada nos Estados Unidos e os estudos mostram que ela ocupa o mesmo espaço no receptor de nicotina. Até agora, ele se mostrou bastante eficaz e não deu sinais de dependência, mas no futuro teremos uma maior clareza. E o Rimonobant, que ainda está sendo testado na Europa. Uma de suas vantagens é que diminui o apetite, pois é comum o ganho de peso ao parar de fumar.

O tratamento, portanto, é complexo, individualizado, já que cada um lida diferentemente com as dependências. Uma abordagem multidisciplinar, com boa rede de apoio, não só médico, mas familiar também, para motivar o dependente. Superar o sentimento ambivalente, de querer parar e, ao mesmo tempo, sentir vontade de acender um cigarro, é alcançar o sucesso do tratamento. O uso de medicamento isolado do resto dos cuidados é um engano, provavelmente essas pessoas voltarão a fumar. Parar sem uso de medicamentos é possível, mas é minoria nos casos. É importante lembrar que em geral são necessárias seis ou sete tentativas até conseguir largar totalmente o vício.”


 

“Não para todos, mas para a maioria, principalmente por causa da compulsão e também da abstinência, é preciso o uso de medicamentos. Assim como em outros tratamentos, como a cocaína. Mesmo que algumas consigam romper o uso sem remédios, o número é muito pequeno. Hoje em dia, tem uma série de recursos como a goma de mascar, comprimidos por via oral e adesivos de nicotina. Sempre há, porém, a possibilidade de dependência no medicamento, não se pode negar isso.

Verifica-se hoje cada vez mais a procura de ajuda por pessoas dependentes de remédios, como as anfetaminas e opióides, casos que são muito difíceis de tratar. A medicação como acompanhamento, no entanto, é feita em diferentes drogas, mesmo nesses casos. Algumas vezes, há também a dependência cruzada, quer dizer, vícios em diferentes drogas, especialmente na classe médica, que tem o acesso mais facilitado.

No Projad - Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas, temos uma grande variedade de casos e o tabaco não é das mais comuns. Normalmente, a queixa vem associada a outras dependências, inclusive o vício em jogos, que ultimamente é muito comum em nosso Programa. Temos o setor de assistência e a parte de ensino, onde alunos da graduação e pós-graduação estudam os maus usos de substâncias e mesmo de práticas, como vemos nos jogos como bingos e apostas diversas.”

O Projad funciona no Instituto de Psiquiatria da UFRJ, no campus da Praia Vermelha.

Mais informações sobre tabagismo podem ser obtidas nos sites:

Inca - tratamento
Inca - Nicotina


 

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