Faces e Interfaces
30.03.2006

Mentirosos e a ciência
Por Mariana Elia

Pesquisas mostram que a mentira pode ser uma patologia causada por anomalias cerebrais. Os mentirosos nesse caso contariam inverdades por possuírem menos massa cinzenta no córtex pré-frontal. Existe realmente uma doença que torna as pessoas mentirosas? Como a pesquisa deve ser realizada diferindo corretamente os mentirosos ditos normais, dos patológicos? Para responder essa e outras questões relacionadas ao assunto, os profissionais Marcelo Cruz e Marco Antônio Brasil argumentam:

Doutor Marcelo Cruz
Psiquiatra e coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas do IPUB

 
Doutor Marco Antônio Brasil
Psiquiatra do Serviço de Psicologia Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Na Psiquiatria, não existe a categoria de mentirosos patológicos. Na verdade, o que existe são pessoas que mentem mais freqüentemente, sem remorso ou sem o peso de questões morais. As pessoas com comportamento anti-social são um exemplo disso. Não há, portanto, um quadro clínico, quer dizer, esse tipo de diagnóstico, mas a caracterização de um sintoma presente em casos diferentes. É muito comum verificar pessoas que têm o costume de mentir, mas é traço que corresponde a outras doenças.

As pesquisas, muitas vezes, lançam idéias, que são investigadas e discutidas, sendo então cristalizadas na ciência ou não. Integrar aspectos sociais, culturais, psicológicos e biológicos é uma boa opção para uma discussão como essa, por exemplo. Às vezes, uma característica cultural vai ao encontro de um traço biológico, tendo, assim, relação entre uma ocorrência e outra.

Por enquanto, ainda é muito cedo para se constatar algo em relação a uma patologia da mentira. Mesmo que não haja essa categoria, é possível que um dia ela se mostre, que seja provada de alguma maneira.”


 

“Bom, nada é um sintoma isolado na Psiquiatria. Dificilmente, uma pessoa que tem uma vida normal, com trabalho e família, vai ser diagnosticada como uma mentirosa patológica. A mentira está dentro de um caso de transtorno psiquiátrico e vai se mostrar junto com uma personalidade frágil, dentre outros sintomas.

A pessoa sente necessidade de criar um ideal, constrói um castelo e tem que sustentar essa fantasia. É um transtorno chamado de pseudologia fantástica, na qual a pessoa não só cria um mundo, como tem que acreditar nele. Mas a mentira faz parte de um quadro psiquiátrico. Tentar ver como resultado de uma alteração cerebral é um reducionismo muito grande, pois há muitas outras características psicológicas acompanhadas a esse quadro, como sentimento narcísico e insegurança muito forte. Esses fatores fazem com que a pessoa sinta vontade de se valorizar frente aos outros, criando essa nova vida.

É, portanto, um conjunto de sintomas, dentro do qual a mentira está inserida. Pode também estar presente em outros quadros psiquiátricos. O que nós vemos mais comumente é o caso de transtornos de personalidade”.

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