Ciência e Vida
03.11.2005

Febre no agrobusiness
Por Beatriz Padrão

A Febre Aftosa está em voga na mídia impressa e televisiva. O sul do Brasil luta para ficar livre da aftosa, mas o agrobusiness sofreu um grande abalo com o surto em Mato Grosso do Sul em 1999; em 2000 no município de Jóia, no Rio Grande do Sul, e agora, com o retorno da doença no Mato Grosso do Sul e no Paraná. Para se ter idéia deste prejuízo, basta saber que o Brasil possui o maior rebanho de gado bovino do mundo (170 milhões de cabeças) e é o terceiro produtor de suínos e o sexto em leite. Entretanto, ainda está complicado entender a razão de países estrangeiros terem bloqueado as carnes infectadas se o vírus não atinge pessoas.

O embargo econômico à carne exportada, por parte dos países onde a doença não existe, tem a finalidade de proteger o rebanho e garantir as condições higiênicas de alimentação da população. O principal motivo desta ação é que o vírus da febre aftosa sobrevive por um bom tempo no meio ambiente, sendo preservado nas fezes, secreções e sangue secos. Especula-se que o solo pode ser contaminado pelo vírus e por tal via o mesmo seria disseminado para outras regiões. Alguns países não somente embargam a carne e leites do gado afetado, como também a compra de vegetais do solo, como melancias, mandiocas, batatas, e outros.

Uma vez contaminado, o animal levará de dois a oito dias para manifestar os primeiros sinais da doença. Portanto, é uma doença altamente contagiosa. Carros, caminhões, pessoas, animais domésticos, produtos agrícolas, concorrem para disseminar o vírus a grandes distâncias se estiverem contaminados (que não é o mesmo que infectado) por produtos, abatedouros, estábulos e leiterias que entraram em contato com animais infectados. Deste modo, a doença atravessa facilmente as barreiras internacionais.

O chefe do Setor de Epidemiologia do IMPPG/UFRJ, professor Fernando Portela Câmara, afirma que o vírus afeta principalmente o gado bovino e suíno. A manifestação ocorre basicamente pela ocorrência de úlceras na boca e nos úberes (tetas) dos animais leiteiros. As lesões são muito dolorosas e, por isso, o animal não consegue se alimentar e se locomover, emagrecendo, não produzindo leite e debilitando-se seriamente. A língua do animal chega a ficar literalmente em carne viva, caindo todo o seu epitélio. Para complicar, o animal doente, com suas defesas imunológicas enfraquecidas, torna-se vítima de infecções secundárias e de miíases (larvas de moscas produzidas por ovos depositados na carne do animal vivo).

A doença é de notificação compulsória, ou seja, nas regiões endêmicas como no Brasil, o gado deve ser constantemente monitorado por órgãos oficiais para se verificar se está saudável. A proteção do gado se faz comumente por vacinação e por medidas de controle para se evitar contato com possíveis fontes de infecção. À menor suspeita de febre aftosa, a OIE (Office International dês Epizoties) deve ser informada em 48 horas. A partir daí, esta organização passa a informação a todos os países interessados.

Os países afetados devem seguir um protocolo rígido para controle imediato da doença. Isto inclui abater todos os animais doentes, os expostos e os que são potenciais contatos, e então cremá-los e enterrá-los. O transporte de animais e de seus produtos fica proibido, e as pessoas, automóveis e utensílios, provenientes das regiões onde a doença está ativa devem ser rigorosamente descontaminados.

No Cone Sul, somente o Chile está de fato livre da aftosa, já o norte da Argentina está livre, mas o gado continua sob vacinação. “Em todos os países onde o pagamento da dívida externa sacrificou as verbas destinadas à saúde pública e saúde da agropecuária, assistiu-se à graves retornos de epidemias, tanto nas populações humanas, quanto nas grandes plantações e rebanhos. A lição que a África nos deixou por conta disso não deveria ser negligenciada”, finaliza o professor Fernando.


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