• Edição 083
  • 31 de maio de 2007

Argumento

Os filhos da modernidade

Tainá Saramago

O sonho de ser mãe tem sido adiado cada vez mais devido a questões profissionais, financeiras, médicas e até mesmo culturais. Se de um lado, mulheres independentes estão dispostas a adiar a maternidade em função de planos pessoais e profissionais. De outro, descobertas científicas que, aos poucos, vão se popularizando. Mas, nesse estranho mundo de variedades tecnológicas, nem mesmo os antigos limites biológicos da menopausa são barreiras para quem quer engravidar. E, na luta contra o tempo, as técnicas de reprodução assistida ganham espaço.

Segundo Maria do Carmo Borges de Souza, ginecologista, professora do departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina (FM) e do Instituto de Ginecologia (IG) da UFRJ e membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, a infertilidade sempre foi motivo de grande ansiedade, tensão e frustração. “Atualmente esse problema atinge igualmente homens e mulheres, não havendo mais o mito machista de que a culpa da ausência de gravidez é sempre da mulher. Verificou-se, também, que a maioria dos casais que procura ajuda nas unidades públicas de saúde, como o Instituto de Ginecologia da UFRJ, ganha mensalmente de dois a cinco salários mínimos, tem idade média de 32 anos e mais de 40% dos casos tem mais de cinco anos sem uso de anticoncepção. Esses casais, geralmente, têm mais chances de problemas de fertilidade, isso decorre das péssimas condições de saúde pública”, afirma a ginecologista.

Para as mulheres questão biológica é crucial: qualquer dificuldade se acentua com o passar do tempo, pois seus óvulos têm a mesma idade que elas, vão amadurecendo por lotes, durante os anos da vida reprodutiva. Já os homens, a produção dos espermatozóides se renova completamente a cada três meses. “Há alguns parâmetros para se testar esta quantidade ‘restante’ de óvulos, ou melhor, o potencial de função reprodutiva ainda presente para uma determinada mulher, mas infelizmente as avaliações não são tão definidas e alterações podem ocorrer subitamente. Algumas doenças, como o câncer de testículos ou de próstata, também podem deixar a fertilidade do homem comprometida”, explica a especialista.

Há ainda aquelas mulheres que não engravidam por motivos associados a problemas hormonais, má formações do útero e ovários, doenças prévias e até câncer. Outra versão dessa história, ligada à assistência médica prévia, diz respeito ao grande número de casais, cujas mulheres sofrem de obstrução das tubas uterinas e homens com alterações do sêmen (quantidade e motilidade dos espermatozóides) causado por Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) s, não adequadamente diagnosticadas e tratadas.

Infertilidade é doença

É importante lembrar também que muito se fala sobre o impacto que o homem tem causado no meio ambiente, mas pouco se discute sobre as formas que a natureza vem afetando a espécie humana, sobretudo no que diz respeito à reprodução. O número de pessoas inférteis vem aumentando a tal ponto que já preocupa especialistas de todo o mundo e já é reconhecida como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Os casais que não têm filhos sentem-se doentes, diminuídos, desprovidos de auto-estima, podendo levar até a depressão. "Eles são duplamente penalizados. O Sistema Único de Saúde (SUS) não lhes oferece atendimento pleno e a sociedade os condena. As pessoas argumentam que as ruas estão cheias de crianças abandonadas, que os orfanatos estão lotados, porém não conhecem a dificuldade de uma adoção no Brasil. Além de esquecerem que a culpa das ruas estarem cheias de crianças não é dos casais inférteis e sim um problema de toda a sociedade", afirma Maria do Carmo.

Apesar de a Constituição Federal garantir a todo cidadão direito ao Planejamento Familiar, poucos hospitais da rede pública oferecem o serviço. Entre eles, encontra-se IG/UFRJ que oferece aos casais, avaliação, indução da ovulação, controles ultrassonográficos, técnica de relação programada, tratamento cirúrgico laparoscópico e histeroscópico, microcirurgia de trompas, entre outros. A lista de espera para a marcação da primeira consulta é de seis meses.

Os casais que mesmo assim ainda não conseguem engravidar a equipe do IG encaminha-os para tratamento em São Paulo que tem atendimento em Reprodução Assistida (RA). Segundo a ginecologista, cerca de 30 casais por mês passam por essa triagem, o que não garante o tratamento na capital paulista: "Após quatro anos e meio de espera uma de minhas pacientes conseguiu. Isso me deixou muito feliz, mas mostra um pouco da dificuldade que é conseguir tratar desse mal. Quando o casal finalmente consegue ser aceito, tem que ir para São Paulo fazer uma entrevista, depois tem que voltar várias vezes para continuar o tratamento. Muitos correm o risco até de perderem o emprego por causa disso. A questão é complicada", lamenta Maria do Carmo.

Para tentar atenuar esses fatores, o IG/UFRJ, vem envidando esforços para que a unidade consiga ser um centro de excelência em Fertilidade. O diretor geral, Antônio Carneiro, também professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FM/UFRJ, estima que em pouco tempo o Instituto já conte com a Reprodução Assistida de baixa complexidade: "temos espaço e material humano para isso, o que nos falta são verbas, um pouco de vontade política e que a sociedade tente compreender o pesado fardo de quem não consegue ter filhos."