• Edição 072
  • 15 de março de 2007

Faces e Interfaces

Programação light

Julianna Sá e Laila Melchior, da AgN/Praia Vermelha

Uma medida da Ofcom, agência reguladora das comunicações na Grã-bretanha, proíbe anúncios de Junk Food (alimentos ricos em gordura, sal, açúcar, e de baixo teor nutritivo) direcionados para menores de 16 anos a partir de abril de 2008. O objetivo é estimular um estilo de vida saudável entre os jovens e diminuir os altos índices de obesidade infantil, problema que já é considerado da ordem de uma epidemia em paises como Inglaterra e Estados Unidos.

A resolução foi recebida com muita polêmica. Enquanto a federação de comidas e bebidas alega que a Ofcom “mudou as regras no meio do jogo” e considera a medida excessiva, as associações de defesa da saúde e de consumidores britânicas acham que ela ainda é insuficiente e queriam proibição total desse tipo de propaganda até às 21 horas.

No Brasil, as políticas para ações de alimentação e nutrição são implementadas, geralmente, junto às escolas públicas e em parceria com empresas que tenham interesse na área, mas ainda são pouco abrangentes. A dificuldade encontrada é quase sempre no que diz respeito às parcerias e à coordenação das ações efetivadas.

Para ponderar toda essa polêmica o Olhar Vital procurou ouvir a opinião do professor Marcos Jardim Freire, diretor do Instituto de Psicologia da UFRJ e da professora Rosângela Alves Pereira, do Instituto de Nutrição do Centro de Ciências da Saúde, também da UFRJ.


Rosângela Alves Pereira

Professora do Instituto de Nutrição

“Essa proibição é mesmo polêmica, mas acredito que obtenha resultados. Às vezes essa propaganda não tem somente influência sobre as crianças, mas, principalmente, sobre os pais. Os pais usam muito uma tática de troca. Por exemplo, se a criança se comportar, ganha um doce. Toda a questão desses alimentos que não têm um conteúdo nutricional elevado, mas que têm algum valor do ponto de vista social - ou porque ele é gostoso, ou porque é atraente - se torna objeto de premiação para as crianças através do uso desses artifícios, o que contribui para uma alteração dos hábitos alimentares, para que a criança passe a achar que esses alimentos são os melhores, já que elas são premiadas com eles mediante a alguma ação correta delas.

Tudo isso – essa troca - sempre existiu de alguma forma, mas hoje em dia como a oferta é muito maior e como os componentes externos são muitos, isso ganha um peso muito grande. A forma como se vive é diferente; antigamente a mulher trabalhava mais em casa, então tinha mais tempo para se dedicar ao lar, o que incluía fazer a comida e hoje em dia não, trabalha-se o dia inteiro, muitas vezes sem ter empregada doméstica, então a pessoa faz aquilo que é mais prático, que não exige muita elaboração. O problema é que justamente os alimentos que mais necessitamos são os que exigem maior elaboração. Acaba-se fazendo alimentos de baixo valor nutritivo, rico em gorduras e carboidratos e que levam mesmo ao aumento de peso. E hoje em dia sabe-se que o aumento de peso está em todas as categorias sociais, inclusive nos grupos menos favorecidos, com grande impacto.

Isso tudo vai acarretar, provavelmente, na obesidade infantil que favorece o aparecimento de doenças como, por exemplo, a diabetes do tipo 2, já que a diabete do tipo 1 é hereditária. O tipo 2 é adquirido com os hábitos de alimentação, hábitos sedentários. Fora outras como a hipertensão, doenças que a gente chama de metabólicas, que alteram toda a parte de insulina, de gordura no metabolismo, gordura no sangue e que depois pode levar a arterio-esclerose, podendo ser um fator de risco para doenças cardiovasculares. Esse é o principal problema e hoje em dia isso vem sendo detectado cada vez mais cedo, inclusive em adolescentes, não dependendo somente do peso, mas dos hábitos alimentares inadequados. No âmbito social, o que se sabe é que a criança que tem o peso mais elevado tem problemas de convívio, já que ela acaba ficando estigmatizada, tem dificuldade de movimentação e por isso é muitas vezes excluída de determinado grupo.

Além da proibição da publicidade de alimentos calóricos e pouco nutritivos, há outras políticas que podem favorecer o processo de educação alimentar, mas, no Brasil, falta uma coisa mais coordenada. Temos propostas, temos políticas mais ou menos definidas, mas falta coordenação. É preciso atuar junto à indústria de alimentos, o que já é feito em parte da Europa, buscar apoio junto às empresas, parcerias nesse sentido. Aqui no Brasil ainda é um pouco insipiente. Vários órgãos públicos têm feito esforços nesse sentido, eu sei que o Ministério da Saúde, com a sua Coordenação de Políticas de Alimentação e Nutrição, está empenhado em enveredar por esse caminho, mas ainda há um longo percurso pela frente.

Existem projetos de intervenção em escolas e a gente sabe que as crianças se envolvem, têm interesse, em qualquer lugar que vamos há uma vontade enorme delas de aprender, mas faltam alternativas de consumo para elas. Há certa resistência ao que é tradicional, às vezes a criança não quer comer, por exemplo, sopa, mas isso tudo é uma questão de conversa, a criança se sensibiliza muito quando você diz que vai fazer bem a ela, mas é um processo de sedução, de incorporar isso às atividades dela, no português, nas artes, nas atividades físicas, é preciso que o jovem vivencie isso todo o tempo. Exige o uso de diversos artifícios para essa sedução, como a publicidade faz com produtos que nem sempre são saudáveis. É importante usar esses artifícios para os alimentos que são necessários na alimentação. Isso porque se verificarmos as cantinas dessas escolas, o que se comercializa são refrigerantes e frituras, dentre outros alimentos que não são saudáveis. Eles não têm a opção de uma fruta, de alimentos mais leves, inclusive devido ao custo.

No caso da merenda escolar, aqui no município do Rio de Janeiro existe o INAD, Instituto de Nutrição Annes Dias. Esse Instituto é responsável por toda parte de merenda e o trabalho é muito bom. O que acontece com a merenda escolar é que ela é municipalizada. Existe todo um procedimento que relaciona com quem deve ser feita a compra, de que forma, pois há uma política de favorecimento aos produtores locais. Já houve um tempo em que a merenda era centralizada com distribuição pra todo o Brasil, mas era muito difícil de ser gerenciado e hoje ela é municipalizada, o que deu boas perspectivas a nós.

Num todo, eu acredito que a escola seja um foco, mas a televisão e o marketing compõem um outro foco também. Não adianta ficar na escola dizendo que a criança precisa comer isso ou aquilo. É preciso que isso faça parte de toda a programação dela, que seja também responsabilidade dos pais, da televisão, de tudo que está presente na vida da criança. São muitos os fatores envolvidos na questão da alimentação saudável que estão relacionados não só às ações de políticas públicas, mas à indústria farmacêutica, indústria de alimentos, os restaurantes. A educação alimentar precisa ser abordada por diversos aspectos, a questão comportamental, o olhar sociológico e o antropológico são importantes também. Quando tudo isso estiver coordenado, ações como essa terão melhores resultados”.

Marcos Jardim Freire

Diretor do Instituto de Psicologia da UFRJ

“A questão da alimentação tem sido vista como um fator importante para a qualidade de vida e para bom desempenho.

Em função de doenças como a bulimia e a anorexia há toda uma preocupação com a magreza na saúde. Na própria Inglaterra existem casos de boates que tiveram a necessidade de trocar o encanamento devido à quantidade de suco gástrico que estava corroendo a tubulação. Recentemente na Espanha, as modelos foram obrigadas a ter um índice mínimo da massa corporal para poder desfilar.

Outra questão é a facilidade de comer comidas prontas, que levam muito mais conservantes.

As grandes redes de fast-food até lançam mão de brindes para atrair a atenção de crianças, ou fazem contribuições para obras sociais, como se seu efeito devastador pudesse ser anulado com esses atos.

Os governos, no entanto, têm demonstrado uma maior preocupação com a alimentação nas escolas, ao mesmo tempo refletindo e influenciando os valores familiares.

Há pesquisas que mostram pessoas obesas com índices próximos aos de desnutrição, pessoas essas que se tornarão um peso para o Estado ao se tornarem dependentes de drogas para emagrecimento ou necessitarão realizar cirurgias para redução do estomago e outras manutenções decorrentes da obesidade.

É importante que a família, a escola e o governo tenham valores próximos para que sejam seguidos, e a decisão da Ofcom vai nessa direção.

Afinal, hoje em dia, a sociedade tem de arcar com as conseqüências dos aspectos os quais ela lança e reforça.”