• Edição 070
  • 22 de fevereiro de 2007

Faces e Interfaces

Campanha associa preservativos a cerveja e gera polêmica


Fabíola Ortiz e Kareen Arnhold - AgN/Praia Vermelha

Para estimular o uso de preservativos nesse verão de 2007, o Ministério da Saúde aposta na campanha publicitária associada à cerveja. Com o slogan proteção para a cerveja, proteção para você, no qual se utiliza da mensagem "beba com moderação, mas use camisinha à vontade", o Ministério da Saúde distribuiu cartazes por bares e ruas da cidade com imagens de garrafas de cerveja e isopores térmicos (que fazem alusão a camisinhas) para evitar que a bebida esquente.

A campanha de prevenção à Aids gerou polêmica na sociedade e em diferentes setores acadêmicos, por estimular o uso de preservativos, associado ao consumo de bebida alcoólica. Para esclarecer esse fato, o Olhar Vital convidou os profissionais do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB): Marcelo Santos Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD), e Suely Broxado, assistente social, do Serviço Social do IPUB.

Suely Broxado - Serviço Social do IPUB

Trabalha com sexualidade e prevenção de DSTs/Aids com pacientes com transtorno mental grave

 “Nosso trabalho com usuários de doenças mentais tem uma preocupação muito grande com o uso de substâncias, seja álcool, seja qualquer tipo de droga ilícita. Existe um risco associado ao uso de álcool e droga para a questão do HIV porque, normalmente, as pessoas que utilizam substâncias químicas que alteram a consciência, muitas vezes podem se ver em comportamentos de risco tais como: vítima de abuso sexual, ou ter um comportamento sexual sem o uso de preservativo.

É muito interessante que se faça uma campanha associada à bebida alcoólica mostrando esse risco. O que acontece, muito freqüente no nosso país, é a hipocrisia: é como se essas coisas não acontecessem, como se as pessoas não bebessem, principalmente em época festiva. O Carnaval, por exemplo, é um momento muito mais propício para o consumo excessivo de álcool, portanto, momento em que o risco de se engajar em comportamentos sexuais não protegidos é muito maior.

É importante que se deixe a hipocrisia de pensar que ninguém bebe no Carnaval, ou que a bebida não altera o consciente da pessoa. Há estudos que comprovam que o uso de álcool e drogas está associado a um maior comportamento de risco. Só o fato de haver um chamado de alerta que isso acontece, é bastante interessante.

Toda campanha é limitada, porque um trabalho de prevenção não pode ser feito por campanhas, elas são pontuais para determinados momentos. A questão da prevenção não pode ser reduzida ao Carnaval ou ao Dia Mundial da Luta Contra a Aids; ela deve ser continuada. O trabalho de prevenção deve ser feito diariamente. O trabalho feito no IPUB é o de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e Aids para pessoas que têm problemas mentais graves e que, muitas vezes, não têm acesso aos meios de divulgação e informação. Essa população é atendida continuamente. Portanto, uma boa estratégia de prevenção é o trabalho de prevenção continuada.

Outra hipocrisia é que tais campanhas estariam estimulando o consumo do álcool, uma bobagem imensa. Quando eu comecei a realizar o trabalho de sexualidade com os pacientes, me perguntaram se eu não estava incitando às pessoas a fazerem mais sexo. Ninguém incentiva o outro a beber ou a fazer sexo, as pessoas já fazem por si só. Fazendo uma analogia com o uso de seringas: não é por trocar agulhas de seringas por descartáveis que eu vou incentivar o uso de drogas injetáveis; pelo contrário, haverá uma possibilidade nesse momento de orientar e até quem sabe deixar de usar drogas. No caso das bebidas, as pessoas bebem de forma independente, principalmente em datas comemorativas como o Carnaval, e quem não bebe, não vai beber por causa da propaganda.

Quanto à questão da banalização do sexo e do álcool, não é essa campanha que vai torná-los mais banalizados. Existe mais banalização do que o Big Brother ou do que a internet e a televisão transmitem? Uma campanha como essa é uma forma de conscientizar às pessoas que, ao ingerirem álcool, elas estarão expostas a maiores riscos. Elas se conscientizarão que devem beber com moderação e usar camisinha à vontade. Isso é fantástico”.

Professor Marcelo Santos Cruz

Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD) do IPUB

“Podemos, didaticamente, separar os danos causados pelas drogas em danos agudos e de longo prazo. Os danos a longo prazo são a dependência e os danos físicos e psicológicos que o uso crônico provoca. Mas, na época de carnaval, a preocupação maior é com os danos agudos, principalmente com o prejuízo que o uso dessas substância provoca na percepção dos riscos, levando a um aumento significativo do número de acidentes, por exemplo, assim como de outras intercorrências que podem acontecer, como a exposição a doenças sexualmente transmissíveis.

No Brasil, atualmente, morrem cerca de 36 mil pessoas em acidentes de automóvel por ano. Estudos mostram que de 30 a 50% desses acidentes estão relacionados ao uso do álcool, o que soma pelo menos 11 mil pessoas. A título de comparação, 11 mil é o número de mortes por Aids no país. No entanto, existe uma enorme preocupação do governo a respeito da prevenção da Aids e nenhuma em relação à prevenção do álcool. O Ministério da Saúde deveria se debruçar mais sobre a questão da propaganda do álcool.

O governo está desenvolvendo a criação de uma rede de assistência, e de tratamento a dependes do álcool. Mas, muita coisa ainda precisa ser feita do ponto de vista da prevenção. Há quatro anos, o MS coordenou um grupo interministerial para discutir uma série de resoluções com o intuito de se reduzir os danos provocados pelo álcool. Porém, falta implementar essas ações, que visam, não apenas a questão da assistência, mas a prevenção em vários aspectos.

Um dos aspectos que deve ganhar destaque é a questão da propaganda. Há, no Brasil, uma regulação da propaganda de bebidas alcoólicas destiladas, mas as que não são destiladas têm passe livre. É um absurdo a nossa legislação considerar como bebida alcoólica apenas aquelas que têm uma concentração de álcool de mais de 13%. De acordo com as leis, a cerveja é tida como bebida não destilada; ela tem, sim, uma porcentagem menor de álcool, mas, ingerida em grande quantidade, provoca tantas alterações como qualquer outra. O caso isolado do anúncio financiado pelo Ministério da Saúde – pela prevenção de DSTs - não seria tão importante se não estivesse inserido no contexto geral de ausência de ações de prevenção ao álcool.

Além da questão da campanha, há outras ações que o Ministério da Saúde pode promover para diminuir os danos provocados pelo álcool: por exemplo, como no caso do tabaco, proibir eventos esportivos patrocinados por este tipo de indústria - um dos patrocinadores do PAN Americano, aqui do Rio de Janeiro, é a cerveja Sol, e o símbolo do PAN é o sol. Também seriam bem vindas medidas como a proibição de eventos em que a bebida é fornecida gratuitamente, incluída no ingresso.

Diante da postura do governo, podemos pensar que há uma descrença na possibilidade de prevenção do uso de álcool. No entanto, esta prevenção é possível; basta acreditar e investir”.