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Edição 073
22 de março de 2007

Faces e Interfaces

Histerectomia: mitos e verdades

Priscila Biancovilli

Elemento de diversas concepções sociais, o útero representa a feminilidade e a capacidade de proteção que a mulher pode oferecer ao filho. Apesar de toda a sua simbologia, hoje, a histerectomia – cirurgia de retirada do útero – é a segunda intervenção ginecológica mais freqüente, perdendo apenas para as cesarianas. De acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde), em 2003, as mulheres do Brasil realizaram 114 mil histerectomias. A retirada do órgão é a única maneira de garantir a erradicação total dos miomas – tumores benignos – que podem afetar o útero. Por mais que, em alguns casos, não exista outra alternativa de cura que fuja da cirurgia, muitas mulheres temem este procedimento. Isto acontece por motivos culturais e físicos. Algumas pacientes que se submeteram à retirada do útero podem apresentar uma sensação de vazio, ou mesmo baixa auto-estima. Até que ponto estes sintomas refletem problemas reais? Os efeitos colaterais da retirada do órgão são, em grande parte, apenas psicológicos? Para esclarecer estas questões, analisando mitos e verdades, convidamos o professor José Carlos de Jesus Conceição, chefe do Serviço de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, e Marley Romero, psicóloga do Serviço de Psicologia Médica do Hospital.


José Carlos de Jesus Conceição

Chefe do Serviço de Ginecologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Quando falamos na estrutura física da mulher, podemos afirmar que a retirada do útero não altera a produção de hormônios nem nenhuma outra composição do corpo feminino. A única mudança que realmente ocorre é a impossibilidade de ter filhos e a interrupção da menstruação. Devido a este fato, muitas mulheres podem ter esta sensação, apenas psíquica, de que estão menos femininas. Isto não passa de um mito, pois o útero não produz nenhum tipo de hormônio, e o fato de a mulher parar de menstruar não significa que os ovários ‘morreram’.  A mulher não conseguir mais ter filhos pode, também, pesar nesta concepção de falta de feminilidade. No entanto, a partir do instante que ela tiver plena consciência sobre o funcionamento do seu corpo, esta sensação pode desaparecer. 

A histerectomia pode ser recomendada por diversos motivos. Os mais comuns são miomas. Mesmo assim, a situação no útero ou na genitália da mulher precisa estar bastante crítica para chegar ao ponto de uma cirurgia deste porte. Em boa parte dos casos, a situação pode ser resolvida apenas com o uso de remédios ou outro tipo de tratamento. Nunca um médico recomendará à mulher que retire seu útero para prevenir a gravidez. Isto não é correto.

Toda cirurgia compreende alguns riscos, e, para que uma pessoa se submeta a eles, precisa ter razões fortes. Como todo pós-operatório, existem algumas possibilidades de complicações, mas isto não se restringe apenas a este tipo de cirurgia. Cabe ao médico decidir se a necessidade do paciente compensa ou não o enfrentamento destes riscos. No entanto, esta cirurgia, por si só, não traz nenhum malefício à mulher. Ela não altera o prazer nem o desejo sexual, e também não aumenta a chance de desenvolver outras doenças.

A mulher que não deseja mais engravidar, ou que não quer ter filhos, deve tomar anticoncepcionais ou fazer cirurgia de ligadura de trompas. Não há como recomendar à mulher, a retirada do útero por qualquer motivo que não de uma doença grave.”

Marley Romero

Psicóloga do serviço de Psicologia Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“As mulheres tiram o útero por diversos problemas, geralmente quando têm alguma doença agravada, como câncer, mioma, hemorragia, problema nos ovários, cisto, entre outros. Pode acontecer também de a cirurgia ser recomendada para a prevenção de problemas maiores à saúde da mulher. Nem sempre esta mulher tem tempo de trabalhar psicologicamente a retirada deste útero. Nós temos uma crença, histórica e social, de que a mulher sem útero deixa de ser feminina.

A classe médica sabe que o útero serve apenas para acolher o feto. A retirada deste órgão não se compara à retirada de um rim ou um pulmão, por exemplo, que prejudica muito a saúde e causa deficiências fisiológicas. Às vezes uma mulher jovem, que não está ainda na menopausa, pode se submeter a esta cirurgia, o que fará com que ela entre numa menopausa precoce. Na verdade, este vazio não existe. Os órgãos que temos no nosso corpo se acomodam para ocupar o lugar do útero. Este, portanto, é um vazio psicológico. Parte de seu corpo, que lhe dava a condição de mulher, foi retirada. Elas se sentem mutiladas, às vezes inconscientemente. Quando estão conscientes, muitas vezes têm receio de se exporem aos médicos.

O marido, também, não irá mais vê-la como uma mulher completa. Isso acontece muitas vezes. Daí a importância da preparação para esta cirurgia. Ela pode se retrair, sentir-se mais receosa na relação sexual e fugir do marido. Estes fatos podem gerar conflitos enormes num casamento. Se o homem está insatisfeito, por outro lado, ele acaba descontando na mulher. O acúmulo de pequenos e grandes problemas pode desencadear doenças como depressão, insônia e pressão alta. O que nós da psicologia fazemos? Nós conversamos com as mulheres e a ensinamos que a condição feminina não é só física. Ela é, acima de tudo, social e psíquica. Continua ocupando o mesmo lugar importante na sociedade. Isto acaba trazendo outros questionamentos, como a sexualidade, a questão do por quê do vazio. A mulher, então, se sente mais segura e passa a exercer seu papel na sociedade com plenitude.

Acima de tudo, é importante deixar claro que ela está recuperando sua saúde, porque a cirurgia a livrou do possível desenvolvimento de problemas graves. Ela deve ter plena consciência disso, para sua própria felicidade.”

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