Por uma boa causa
25.05.2006

Crianças estressadas, doenças à vista
por Mariana Granja

Bonecas e carrinhos não bastam. A última reportagem da série sobre o estresse aborda como esse mal se desenvolve nas crianças. Achar que essas pequenas pessoas não se estressam, que apenas brincam e cumprem os trabalhos escolares, sua “grande responsabilidade”, é um erro. O estresse infantil ocorre e precisa de atenção para que não piore as condições físicas e psicológicas da criança, trazendo conseqüências para seu futuro.

Segundo Edson Saggese, professor do Serviço Infanto-juvenil do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, a origem médica do estresse infantil deriva principalmente do estudo de dois pesquisadores no século XX, Selye e Cannon, que identificaram mudanças e perturbações no organismo como resultantes de eventos externos. “Essas respostas fisiológicas do organismo tanto podem prepará-lo para enfrentar situações difíceis (situações de luta ou fuga) e são, portanto, úteis, quanto levá-lo a disfunções ou doenças. Esse segundo caso ocorreria quando os estímulos fossem muito intensos ou constantes”, explica o docente.

Não há como estabelecer um padrão de estresse, em se tratando de crianças. “Qualquer evento, persistente ou não, que perturbe a criança, terá uma resposta individual. Uma criança pode ser muito estimulada para determinada atividade esportiva e não apresentar nenhuma grande perturbação porque, por exemplo, essa atividade lhe produz intenso prazer. Portanto, as suas respostas dependem de fatores externos e internos. Se ela passou por um evento traumático como um acidente, mas suas condições emocionais anteriores eram muito boas, e a família esteve sempre presente junto a ela durante o período que precisou de hospitalização, nesse caso, provavelmente o evento estressante não lhe trará grande prejuízo”, esclarece Saggese.

O que ocorre com o corpo numa situação de estresse, explica o médico, é que certas glândulas produzem, como respostas a estímulos ditos estressantes, substâncias (hormônios) que, uma vez lançadas no sangue, provocam várias alterações no organismo: “a hipófise, glândula situada no crânio, que está em íntimo contato com o Sistema Nervoso, pode responder a certas situações de tensão estimulando outras glândulas, as supra-renais que, por sua vez, aumentam a produção do cortisol, um dos corticóides mais abundantes no organismo”.

É possível observar em crianças estressadas um aumento nos níveis de cortisol, sugerindo que têm maiores dificuldades adaptativas e, conseqüentemente, maiores solicitações orgânicas diante do problema enfrentado. Nos primeiros dias de aula, por exemplo, uma criança provavelmente tem maior nível de cortisol no sangue do que depois das primeiras semanas, tempo em que houve sua adaptação. “Esses hormônios são componentes normais do organismo e sua ação é importante para a vida. A hipersecreção constante deles pode, no entanto, trazer perturbações orgânicas. Um importante distúrbio é a Síndrome de Cushing, resultado da hiperfunção do córtex da supra-renal que pode estar sendo super-estimulada pela hipófise, e que traz como conseqüência um hipercortisionismo”, explica o médico. Causada, entre outros motivos, pelo estresse, e presente mais comumente em mulheres adultas, ela pode ocorrer em crianças e provocar depressão, transtorno ansioso com ou sem ataques de pânico ou até mesmo transtornos de personalidade. Para Saggese, “os sintomas de quem tem a síndrome são variados, como alteração na aparência do rosto (cara de lua), estrias abdominais e humor deprimido, sendo necessários exames laboratoriais para confirmar o diagnóstico”. Caso seja confirmada a doença, é recomendável procurar um especialista que avaliará a melhor forma de tratamento para a criança.

Ao tratar do estresse infantil, os pais devem observar alterações no comportamento da criança e atentar para sintomas como irritação, isolamento, mudanças nos hábitos de sono, ansiedade e mudanças genéricas de comportamento, tentando, caso sejam comprovados os sintomas, participar mais do dia a dia da criança e eliminar os fatores estressantes da vida dela, procurando ajuda médica se julgar necessário. “Uma boa opção preventiva é respeitar as características de cada criança, sua idade e necessidades específicas. As crianças necessitam de cuidados prestados por adultos para quem ocupem um lugar especial, mas não podem ser reduzidas a veículos para a realização de todos os desejos e sonhos dos pais”, finaliza o médico.

 

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