Microscópio
20.04.2006
Coisas do coração
Apesar da permanência dos fatores de risco,
a mortalidade por doenças cardíacas vem sendo reduzida progressivamente

Por Taísa Gamboa


Durante muitos anos, achou-se que o aumento das doenças cardíacas em mulheres era decorrente do estilo de vida moderno que fez com que elas absorvessem mais funções sociais e econômicas. Sem tempo para cuidar da sua própria saúde, sofreriam os efeitos da alteração no ritmo de vida, e passariam a ter mais doenças do coração e a morrer mais em função delas. Mas de acordo com o XXVII Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, que será realizado entre os dias 25 e 27 de maio, em Campos do Jordão, essas doenças nem aumentaram tanto assim entre as mulheres, o que mudou foi o seu diagnóstico.

De acordo com o professor Nelson Souza e Silva, chefe do setor de cardiologia do Hospital Universitário (HUCFF) da UFRJ, a questão a ser levantada não gira muito em torno do diagnóstico e sim sobre o possível efeito danoso que as cardiopatias exercem sobre a mulher. A pílula e a reposição hormonal são fatores determinantes nessa situação. O estrogênio presente na pílula e utilizado na reposição aumenta os fenômenos trombóticos.

Antes da menopausa a mulher tem menor chance que o homem de desenvolver problemas cardíacos, em função da própria idade. Porém, ao alcançar esta fase seus patamares se igualam aos dos homens, o que levava todos os pesquisadores a crer que a reposição hormonal afetaria positivamente este processo, reduzindo as chances de doenças cardíacas. Verificou-se através de estudo posterior, que o estrogênio, na verdade, favorece a ocorrência dos problemas do coração.

Segundo o chefe da cardiologia do HU, a ocorrência ou não das doenças coronarianas está relacionada a várias razões. “Ao contrário do que muitos pensam, o controle dos fatores de risco não está necessariamente ligada à redução da mortalidade relativa às doenças do coração. As novas tecnologias, introduzidas a pouco tempo, também não foram responsáveis diretas pela queda da mortalidade. Além disso, apenas algumas pessoas têm acesso a essas tecnologias”, comentou o professor Nelson Silva.

De acordo com estudos recentes, a relação direta entre os fatores de risco e a morte por doenças coronarianas realmente existe, mas não é o seu controle que justifica a redução da mortalidade. De acordo com o professor, devemos tentar controlar esses fatores de risco, mas isso não causará um grande impacto na mortalidade, porque não há como tratar todos os doentes.

- O ideal é que não tivéssemos hipertensos, nem diabéticos. E, ao contrário do que muitos pesquisadores pensam, isso é perfeitamente alcançável, a exemplo dos índios Ianomâmis. Entre eles não há nenhum hipertenso, nenhum diabético, nem obeso. Eles não tomam medicamentos de controle e nem tem acesso à tecnologia. O segredo de tanta vitalidade talvez esteja no modo de vida, pois eles vivem de forma totalmente diferente de nós – completou o professor Nelson Silva.

A partir desta análise podemos estabelecer um paralelo que nos leva a perceber que a alteração drástica no modo de vida pelo qual a população mundial passou, no início do século, culminou com o progressivo decréscimo das mortes por doenças cardíacas. O Brasil passou por um processo de desenvolvimento econômico, no período compreendido entre 1930 e 1980, que alcançou o patamar de 10%. Este fator pode explicar perfeitamente a queda de mortalidade que ocorreu algumas décadas depois.

O fato de se ter melhores condições de vida na infância e até intra-útero favoreceram esta redução atual na mortalidade dos adultos. Além disso, é importante comentar que os benefícios do desenvolvimento econômico para a saúde. A camada menos favorecida da população é claramente mais afetada pelas doenças. Os indicadores sociais estão fortemente relacionados às doenças cardiovasculares.

Outro fator mencionado pelo cardiologista da UFRJ foi a importância da interação pessoal com o meio ambiente. E é por isso que não há possibilidade de se estabelecer um tratamento único para todo mundo. Uma intervenção global, na qualidade de vida, é muito mais eficaz do que a atuação sob um só fator e promove uma quase automática redução de todos os fatores que provocam as doenças coronarianas.

 

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