Ciência e Vida
06.04.2006

Paladar é apurado na primeira infância
Por Mariana Elia

Ao nascer, o bebê distingue apenas os quatro tipos básicos de gosto: doce, salgado, amargo e azedo, sem detecção de misturas ou em pequenas quantidades. Com o desenvolvimento, a criança passa a apurar seu paladar, experimentando diferentes alimentos. A fase oral do bebê é muito importante nesse processo, pois ao pegar os objetos e levá-los à boca, ele começa a distinguir nuances dos sabores, além de auxiliar no desenvolvimento cognitivo. A infância, porém, é o momento em que a pessoa cria seus hábitos alimentares, determinantes para a proliferação de cáries, além de questões atreladas ao peso e saúde.

A odontopediatra do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Bárbara Guimarães, alerta para essa fase, que começa ainda muito cedo e pode ser bastante prejudicial para criança. “Nossa preocupação está muito voltada para preferência que dão ao doce, intimamente relacionada ao número de cáries. Durante, aproximadamente, o terceiro mês de gestação, o sistema gustativo é formado. O que a gente percebe em nossos estudos, é que se a mãe tem o hábito de ingerir doces, o bebê também apresentará esta preferência.” Bárbara acredita que o hábito da mãe e dos familiares está mais relacionado à sensibilidade palatal do que propriamente a idade da criança. Segundo ela, não adianta a mãe incentivar a ingerir nutrientes se ela própria só come doce ou carboidrato, “a criança é mais o que ela vê do que vivencia”.

Dessa maneira, mesmo que a sensibilidade da papila gustativa vá aumentando com a ingestão de alimentos diferenciados e que haja o aspecto orgânico natural, o que vai influenciar principalmente é aquilo que é oferecido a criança. E basicamente até os três anos, pois a partir daí, normalmente, começam outras experiências, como a creche. “Diferencia com outros tipos de alimentos, não se fixando em um hábito alimentar”, comenta a doutora. Por isso também se percebe que crianças de cidades do interior mostram mais sensibilidade ao gosto amargo, já que nesses lugares há o costume de comer alimentos com tal característica, como o jiló ou tamarindo.

Aos 10 anos, no entanto, a criança não mostra mais variação de gosto, as papilas estão totalmente sensibilizadas. Se há preferência geral pelo gosto doce e isso é o maior motivo de preocupação da odontopediatria, parece que as crianças querem mesmo é dar trabalho. Azedo, amargo e salgado não costumam causar problemas ao dente ou gengiva. A doutora Bárbara diz apenas que “o azedo pode ser mais preocupante por acidificar o pH da região bucal, o que ajuda na destruição do dente pela cárie. Mas depende sempre do tempo”. A questão do tempo é sempre lembrada pela doutora, uma vez que a permanência do açúcar ou da substância na boca é fundamental na proliferação de bactérias. Por conta disso é que os casos mais freqüentes de placas e cáries são com crianças.

A solução assim é controlar a ingestão de açúcar e a higiene bucal. Evitar adoçar alimentos, a fim de mascarar gosto amargo ou para ser mais aceito pelas crianças é o primeiro passo, mas não deve ser o único. Pesquisas relatam que as crianças mais novas apresentam mais sensibilidade ao gosto amargo, o que resulta na recusa aos medicamentos tradicionais e aceitam mais os acrescidos de sacarina.

Ainda de acordo com pesquisas desenvolvidas na área, crianças obesas não apresentam variação de sensibilidade, de acordo com a idade, quanto aos gostos doce e salgado. Bárbara acredita que esse dado corresponde mais a compulsão do que à sensação do gosto propriamente, já que a criança obesa não mostra alterações orgânicas no que diz respeito aos aspectos determinantes do sistema gustativo. Tais aspectos não são somente nas regiões da língua, mas também no olfato, textura e a aparência, que contribuem para sensação global do alimento.

Assim, o paladar é apurado durante a infância, de acordo com a perpetuação de hábito familiar, principalmente da mãe, e do desenvolvimento natural de cada ser, que conta com diversas variáveis, como a creche, o contato com outras crianças e características orgânicas. O fundamental, contudo, é permitir que ela tenha experiências diferenciadas, já que permitirá a especialização e evitará o costume por apenas o doce ou salgado.


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