Argumento
08.12.2005
Sexo frágil
por Beatriz Padrão
 
A questão da violência na perspectiva das mulheres, em especial dos impactos nas suas condições de saúde implica em considerar primeiro as diferenças de gênero que permeiam as relações sociais travadas entre homens e mulheres. O que torna as mulheres vulneráveis é o fato de ainda ocuparem uma posição de subordinação na hierarquia de gênero que preside as relações na sociedade brasileira.

Grande parte das ocorrências violentas é causada por uma pessoa próxima, companheiro, namorado, ex-parceiro, enfim, alguém com vínculo afetivo anterior. Qualquer motivo, por mais banal que seja, pode desencadear uma agressão. Por exemplo, o não cumprimento de uma tarefa doméstica a contento, um breve atraso no horário previsto para voltar para casa, o choro intenso de uma criança recém nascida ou uma recusa à relação sexual.

A professora do Núcleo de Ensino e Saúde Coletiva da UFRJ, Elaine Brandão, afirmou que a maioria das vítimas leva um tempo considerável para denunciar o parceiro à polícia, recorrendo a uma Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM). Para as mulheres, torna-se muito difícil romper com essa ordem social que confere sentido à existência delas, ou seja, o mundo da casa, da família, do casamento.

"É nesse universo social e simbólico que ela construiu sua trajetória de vida e quando isso se rompe, torna-se muito difícil para elas se desvencilharem desse parceiro e dessa história. O enfrentamento público deste problema é uma etapa ainda mais dura, que envolve idas aos serviços de saúde, delegacias de polícia, IML ou serviços de apoio jurídico, com avanços e recuos que os profissionais que as atendem às vezes custam a compreender ou as interpretam mal", explicou Elaine.

As situações mais comuns envolvem ameaças, lesões corporais provocadas por utensílios domésticos (faca, tesoura, panela, garrafas, etc.) ou socos, pontapés, queimaduras, etc. Também são freqüentes nos relatos femininos as relações sexuais forçadas, a proibição de livre circulação, a destruição de bens domésticos e de documentos da vítima. Os episódios de violência podem estar associados a uso de álcool e/ou outras drogas.

Os efeitos sociais e psicológicos da violência são graves e extensivos a toda família da vítima. Há uma tendência ao isolamento social em razão das dificuldades de enfrentamento público de tal situação (vergonha e medo). Para as mulheres que exercem atividade remunerada fora do lar, há prejuízos imensos em sua dedicação ao trabalho, frequentemente elas podem sofrer agressões nesse espaço, quando não acabam por abandonar tais empregos, devido às ameaças. No plano familiar, os conflitos podem repercutir em dificuldades de aprendizado escolar dos filhos, em adoecimento físico e psíquico das vítimas, com quadros de depressão, insônia e perda de apetite.

Segundo a professora Elaine, na última década, muitos estudos têm apontado a necessidade de envolvimento dos serviços de saúde na incorporação da violência de gênero como uma questão de saúde pública A sensibilização dos profissionais de saúde nos cursos de graduação para a relevância desta problemática, que acomete boa parte da população feminina atendida nos serviços públicos de saúde, é uma meta importante a ser conquistada.

O código penal nem sempre oferece alternativas satisfatórias de enquadramento penal para os conflitos domésticos. Exceto nos casos de lesões corporais graves (que provocam danos irreversíveis à saúde, incapacidade permanente), a maioria das denúncias não termina em punição severa do agressor. Nos JECRIMS as penas para os acusados são o pagamento de cestas básicas ou a prestação de serviços comunitários.

"A construção de um olhar mais sensível e crítico a tal situação, a sensibilização para as questões de gênero e suas interfaces com os fenômenos da saúde, da família, da violência precisa ocorrer desde a formação na graduação dos profissionais de saúde, para que a indiferença social predominante na atualidade possa ser minorada. A organização do atendimento nos serviços de saúde às mulheres vítimas de violência é uma premissa para que possamos ter um registro e, consequentemente, informações sistematizadas sobre tal agravo à saúde", concluiu Elaine.

Para realizar uma denúncia, deve-se procurar uma DEAM para fazer o registro da violência sofrida. O Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDIM) também mantém um Centro Integral de Atendimento à Mulher (CIAM) que oferece orientação jurídica, apoio social e psicológico às vítimas e recentemente a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal inaugurou uma central telefônica de orientação à população sobre o tema. O número do telefone é 180.


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