A
poluição que atinge nossos rios, matas e o próprio
ar que respiramos tem sido uma das questões mais discutidas neste
início de século. O curioso é que muito se fala do
impacto que o homem tem causado no meio ambiente, mas pouco se sabe sobre
de que forma a natureza vem afetando a espécie humana, sobretudo
no que diz respeito à sua reprodução. Sabe-se que
o número de pessoas inférteis vem crescendo em todo o mundo,
inclusive no Brasil. O problema preocupa tanto os especialistas, que acabou
surgindo, nos anos 80, a Ecologia Humana Reprodutiva.
"Hoje a fertilidade humana está caindo e pesquisadores do
mundo inteiro estão procurando as respostas no meio ambiente",
diz a ginecologista da UFRJ e presidente da Sociedade Brasileira de Saúde
Reprodutiva, Maria do Carmo Borges de Souza, que há três
anos vem coordenando um estudo para determinar como o meio ambiente afeta
a fertilidade dos cariocas.
Os primeiros resultados desse estudo foram apresentados no 8º Simpósio
Internacional G & O Barra, realizado recentemente no Rio de Janeiro,
do qual também participou a dra. Anne Greenlee, toxicologista e
professora da Oregon Health Sciences University, nos Estados Unidos, uma
das pioneiras em estudos sobre a interferência do meio ambiente
na saúde reprodutiva. "A água é fator importante
na nossa pesquisa. Estamos realmente centralizando o nosso trabalho nela",
afirma a dra. Maria do Carmo, acrescentando: "Temos que pesquisar
a água que as pessoas consomem, que sai da torneira da cozinha
das casas delas."
A previsão é de que o estudo, que nessa primeira etapa está
pesquisando 100 casais entre 26 e 35 anos, seja concluído e publicado
em 2008, após a identificação da população
infértil, dos possíveis riscos ocupacionais e ambientais
para a reprodução humana e do levantamento das medidas de
prevenção que devem ser adotadas.
Nesta entrevista à JB Ecológico, a ginecologista deu mais
detalhes do estudo.
JB
Ecológico - Por que a senhora decidiu fazer este estudo no Rio
de Janeiro?
Maria do Carmo - Este estudo é multidisciplinar e envolve pesquisadores
de diversas áreas, como toxicologia, biologia, química orgânica
e inorgânica, reprodução e psicologia. Deste ponto
de vista ele é pioneiro.Estamos procurando dimensionar geograficamente
a pesquisa para a população do Rio. Buscamos conhecer, epidemiologicamente,
como é a população infértil carioca. Todos
nós temos, em comum, o fato de que nossa água vem do mesmo
lugar. O Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) realizou pesquisas com os peixes do Paraíba do
Sul e descobriu que eles sofreram alterações consideráveis
em seu organismo, tudo relacionado à contaminação
da água. A água é o bem mais precioso que temos,
e por isso nossa pesquisa está voltada para ela.
JB - Qual é o impacto do meio ambiente sobre a espécie
humana, sobretudo na sua capacidade reprodutiva?
MC - O que acontece hoje é que há uma preocupação
mundial com a água, já que nós, seres vivos, somos
constituídos e dependemos dela para viver. Ela está sendo
modificada pela ação de dejetos industriais que são
despejados nos rios e provocam contaminações bacteriológicas
graves. O impacto do homem no meio ambiente afeta o próprio homem.
Isto é um problema global. Tanto em uma Europa super desenvolvida,
quanto em países em desenvolvimento ou não desenvolvidos,
como os da África. Enquanto na Europa o crescimento populacional
é baixo, na África é desenfreado, com altas taxas
de mortalidade. Hoje a fertilidade humana está caindo e pesquisadores
do mundo inteiro estão procurando as respostas no meio ambiente.
JB - Qual é o perfil da população pesquisada?
MC - São pessoas jovens, homens e mulheres com idade entre 26 e
35 anos. De março a dezembro de 2004, aplicamos um questionário
a 100 casais inférteis do município do Rio de Janeiro. Em
um segundo momento, levantamos um perfil de casais que não tiveram
dificuldades em engravidar e correlacionamos estes dados. Na terceira
etapa, que está prestes a se iniciar, vamos compará-los
com uma população que não consegue engravidar naturalmente
e tem que recorrer à fertilização in vitro. A pesquisa
não foi realizada com casais com idade maior porque nestes a produção
de óvulos e espermatozóides é reduzida.
JB - E quais são os dados preliminares já levantados?
MC - Dos casais pesquisados, 75% das mulheres e 57% dos homens dentro
da faixa etária pesquisada são inférteis. 43% do
total possuem ensino médio fundamental e têm renda familiar
mensal entre dois e cinco salários mínimos. Cerca de 27%
das mulheres e 32% dos homens foram expostos a produtos químicos
no trabalho ou em casa. Em relação à água
consumida, 34% dos homens e 27% as mulheres bebem água da torneira,
enquanto 10% consome água de nascentes ou poços, sem filtragem.
Outro dado importante é que 30% dos homens foram pais jovens e
61% das mulheres têm infertilidade primária.
JB - O que é infertilidade primária?
MC - É quando a mulher nunca engravidou. A infertilidade passa
a ser secundária quando ela teve uma primeira gestação
e tem problemas para engravidar depois.
JB- O estudo diz que a exposição a agentes físicos
e químicos provoca efeitos que podem prejudicar a saúde.
Que agentes são estes?
MC - Neste primeiro momento pesquisamos agentes inorgânicos, químicos,
principalmente os metais pesados, como o chumbo, cádmio e o mercúrio.
A questão dos orgânicos também é importantíssima.
As substâncias tóxicas não são usadas apenas
na agricultura, mas em casa também. No caso de mercúrio,
ele é muito discutido por causa da Amazônia, onde é
usado, sobretudo, na mineração. Lâmpadas fosforescentes,
por exemplo, possuem mercúrio. E nós as usamos em casa.
Quando elas queimam, jogamos no lixo e muitas vezes a chuva leva os detritos
para o rio. Temos uma possibilidade de contaminação tão
grande que a gente nem tem noção. Como o nosso grupo tem
pesquisadores de diversas áreas, a intenção do estudo
é ter um caráter educativo também. A idéia
final é que ele possa proporcionar bem estar e qualidade de vida
para a população.
JB -
E quanto aos agentes físicos?
MC - O calor é um deles. Como exemplo, imagine um motorista que
trabalhe perto do motor do ônibus e que fica ali por horas seguidas.
A temperatura quente do motor pode afetar a espermatogênese, e ao
longo do tempo há uma diminuição da produção
de espermatozóides. O mesmo vale para um operário que trabalha
em uma caldeira. A conseqüência é a infertilidade.
JB - Qual agente teve maior percentual na pesquisa realizada no Rio?
MC - Estamos na fase de mapeamento epidemiológico, de definição
das pessoas envolvidas. Ainda não temos este percentual. As respostas
a questões como se eles têm riscos ocupacionais ou ambientais
e de que lugar vem a água que eles consomem serão apresentadas
no final do estudo.
JB- A fertilidade humana caiu muito desde a Revolução
Industrial, no século 18?
MC - Sim. Ela caiu com a industrialização e mais recentemente
com o advento de contraceptivos. Na Europa, por exemplo, é muito
comum as mulheres adiarem a gravidez. As pessoas devem saber que isto
é um problema, porque, no caso da mulher, a produção
de óvulos é finita.
JB - É possível afirmar se a infertilidade atinge mais
os homens ou as mulheres?
MC - Ela atinge os dois igualmente. Atualmente, se considera que, quando
há dificuldade de engravidar, em metade dos casos a causa estaria
ligada ao homem e a outra metade à mulher. Normalmente se diz que
quando existe esta dificuldade, a infertilidade é relativa ao casal.
Mas, quando se estuda a causa com maior profundidade, é possível
estabelecer este equilíbrio. No caso da gravidez, vale lembrar
que qualquer dano ambiental que prejudica a saúde humana pode acarretar
em uma perda espontânea precoce do bebê.
JB- Como se faz a prevenção contra a infertilidade?
MC - É a este ponto que queremos chegar com o estudo. Provavelmente,
será algo relacionado ao fumo, álcool, consumo de alimentos,
fatores de influência do ambiente e, principalmente, a qualidade
da água. Temos que melhorar a política de qualidade de nossa
água. E pesquisar para saber onde deve estar a nossa prevenção.
JB
- Está aumentando muito o número de pessoas que fazem tratamentos
contra a infertilidade?
MC - Está, porque a não gravidez é um problema de
saúde pública. No Brasil, ela não é assistida
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Existem pouquíssimas
exceções. A pesquisa também tenta chamar a atenção
para isto. Se é um problema de saúde pública, temos
que achar uma forma de saná-lo. Os tratamentos tornam-se caros
quando se chega à fase de reprodução assistida, que
exige acompanhamento. Precisamos conhecer os dados e evitar esta necessidade.
|
|