Saúde em Foco
11.08.2005
Páginas Verdes: "A infertilidade cresce"
JB Ecológico - 04/08/2005
Luciano Lopes


A poluição que atinge nossos rios, matas e o próprio ar que respiramos tem sido uma das questões mais discutidas neste início de século. O curioso é que muito se fala do impacto que o homem tem causado no meio ambiente, mas pouco se sabe sobre de que forma a natureza vem afetando a espécie humana, sobretudo no que diz respeito à sua reprodução. Sabe-se que o número de pessoas inférteis vem crescendo em todo o mundo, inclusive no Brasil. O problema preocupa tanto os especialistas, que acabou surgindo, nos anos 80, a Ecologia Humana Reprodutiva.

"Hoje a fertilidade humana está caindo e pesquisadores do mundo inteiro estão procurando as respostas no meio ambiente", diz a ginecologista da UFRJ e presidente da Sociedade Brasileira de Saúde Reprodutiva, Maria do Carmo Borges de Souza, que há três anos vem coordenando um estudo para determinar como o meio ambiente afeta a fertilidade dos cariocas.

Os primeiros resultados desse estudo foram apresentados no 8º Simpósio Internacional G & O Barra, realizado recentemente no Rio de Janeiro, do qual também participou a dra. Anne Greenlee, toxicologista e professora da Oregon Health Sciences University, nos Estados Unidos, uma das pioneiras em estudos sobre a interferência do meio ambiente na saúde reprodutiva. "A água é fator importante na nossa pesquisa. Estamos realmente centralizando o nosso trabalho nela", afirma a dra. Maria do Carmo, acrescentando: "Temos que pesquisar a água que as pessoas consomem, que sai da torneira da cozinha das casas delas."

A previsão é de que o estudo, que nessa primeira etapa está pesquisando 100 casais entre 26 e 35 anos, seja concluído e publicado em 2008, após a identificação da população infértil, dos possíveis riscos ocupacionais e ambientais para a reprodução humana e do levantamento das medidas de prevenção que devem ser adotadas.

Nesta entrevista à JB Ecológico, a ginecologista deu mais detalhes do estudo.

JB Ecológico - Por que a senhora decidiu fazer este estudo no Rio de Janeiro?
Maria do Carmo - Este estudo é multidisciplinar e envolve pesquisadores de diversas áreas, como toxicologia, biologia, química orgânica e inorgânica, reprodução e psicologia. Deste ponto de vista ele é pioneiro.Estamos procurando dimensionar geograficamente a pesquisa para a população do Rio. Buscamos conhecer, epidemiologicamente, como é a população infértil carioca. Todos nós temos, em comum, o fato de que nossa água vem do mesmo lugar. O Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) realizou pesquisas com os peixes do Paraíba do Sul e descobriu que eles sofreram alterações consideráveis em seu organismo, tudo relacionado à contaminação da água. A água é o bem mais precioso que temos, e por isso nossa pesquisa está voltada para ela.

JB - Qual é o impacto do meio ambiente sobre a espécie humana, sobretudo na sua capacidade reprodutiva?
MC - O que acontece hoje é que há uma preocupação mundial com a água, já que nós, seres vivos, somos constituídos e dependemos dela para viver. Ela está sendo modificada pela ação de dejetos industriais que são despejados nos rios e provocam contaminações bacteriológicas graves. O impacto do homem no meio ambiente afeta o próprio homem. Isto é um problema global. Tanto em uma Europa super desenvolvida, quanto em países em desenvolvimento ou não desenvolvidos, como os da África. Enquanto na Europa o crescimento populacional é baixo, na África é desenfreado, com altas taxas de mortalidade. Hoje a fertilidade humana está caindo e pesquisadores do mundo inteiro estão procurando as respostas no meio ambiente.

JB - Qual é o perfil da população pesquisada?
MC - São pessoas jovens, homens e mulheres com idade entre 26 e 35 anos. De março a dezembro de 2004, aplicamos um questionário a 100 casais inférteis do município do Rio de Janeiro. Em um segundo momento, levantamos um perfil de casais que não tiveram dificuldades em engravidar e correlacionamos estes dados. Na terceira etapa, que está prestes a se iniciar, vamos compará-los com uma população que não consegue engravidar naturalmente e tem que recorrer à fertilização in vitro. A pesquisa não foi realizada com casais com idade maior porque nestes a produção de óvulos e espermatozóides é reduzida.

JB - E quais são os dados preliminares já levantados?
MC - Dos casais pesquisados, 75% das mulheres e 57% dos homens dentro da faixa etária pesquisada são inférteis. 43% do total possuem ensino médio fundamental e têm renda familiar mensal entre dois e cinco salários mínimos. Cerca de 27% das mulheres e 32% dos homens foram expostos a produtos químicos no trabalho ou em casa. Em relação à água consumida, 34% dos homens e 27% as mulheres bebem água da torneira, enquanto 10% consome água de nascentes ou poços, sem filtragem. Outro dado importante é que 30% dos homens foram pais jovens e 61% das mulheres têm infertilidade primária.

JB - O que é infertilidade primária?
MC - É quando a mulher nunca engravidou. A infertilidade passa a ser secundária quando ela teve uma primeira gestação e tem problemas para engravidar depois.

JB- O estudo diz que a exposição a agentes físicos e químicos provoca efeitos que podem prejudicar a saúde. Que agentes são estes?
MC - Neste primeiro momento pesquisamos agentes inorgânicos, químicos, principalmente os metais pesados, como o chumbo, cádmio e o mercúrio. A questão dos orgânicos também é importantíssima. As substâncias tóxicas não são usadas apenas na agricultura, mas em casa também. No caso de mercúrio, ele é muito discutido por causa da Amazônia, onde é usado, sobretudo, na mineração. Lâmpadas fosforescentes, por exemplo, possuem mercúrio. E nós as usamos em casa. Quando elas queimam, jogamos no lixo e muitas vezes a chuva leva os detritos para o rio. Temos uma possibilidade de contaminação tão grande que a gente nem tem noção. Como o nosso grupo tem pesquisadores de diversas áreas, a intenção do estudo é ter um caráter educativo também. A idéia final é que ele possa proporcionar bem estar e qualidade de vida para a população.

JB - E quanto aos agentes físicos?
MC - O calor é um deles. Como exemplo, imagine um motorista que trabalhe perto do motor do ônibus e que fica ali por horas seguidas. A temperatura quente do motor pode afetar a espermatogênese, e ao longo do tempo há uma diminuição da produção de espermatozóides. O mesmo vale para um operário que trabalha em uma caldeira. A conseqüência é a infertilidade.

JB - Qual agente teve maior percentual na pesquisa realizada no Rio?
MC - Estamos na fase de mapeamento epidemiológico, de definição das pessoas envolvidas. Ainda não temos este percentual. As respostas a questões como se eles têm riscos ocupacionais ou ambientais e de que lugar vem a água que eles consomem serão apresentadas no final do estudo.

JB- A fertilidade humana caiu muito desde a Revolução Industrial, no século 18?
MC - Sim. Ela caiu com a industrialização e mais recentemente com o advento de contraceptivos. Na Europa, por exemplo, é muito comum as mulheres adiarem a gravidez. As pessoas devem saber que isto é um problema, porque, no caso da mulher, a produção de óvulos é finita.

JB - É possível afirmar se a infertilidade atinge mais os homens ou as mulheres?
MC - Ela atinge os dois igualmente. Atualmente, se considera que, quando há dificuldade de engravidar, em metade dos casos a causa estaria ligada ao homem e a outra metade à mulher. Normalmente se diz que quando existe esta dificuldade, a infertilidade é relativa ao casal. Mas, quando se estuda a causa com maior profundidade, é possível estabelecer este equilíbrio. No caso da gravidez, vale lembrar que qualquer dano ambiental que prejudica a saúde humana pode acarretar em uma perda espontânea precoce do bebê.

JB- Como se faz a prevenção contra a infertilidade?
MC - É a este ponto que queremos chegar com o estudo. Provavelmente, será algo relacionado ao fumo, álcool, consumo de alimentos, fatores de influência do ambiente e, principalmente, a qualidade da água. Temos que melhorar a política de qualidade de nossa água. E pesquisar para saber onde deve estar a nossa prevenção.

JB - Está aumentando muito o número de pessoas que fazem tratamentos contra a infertilidade?
MC - Está, porque a não gravidez é um problema de saúde pública. No Brasil, ela não é assistida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Existem pouquíssimas exceções. A pesquisa também tenta chamar a atenção para isto. Se é um problema de saúde pública, temos que achar uma forma de saná-lo. Os tratamentos tornam-se caros quando se chega à fase de reprodução assistida, que exige acompanhamento. Precisamos conhecer os dados e evitar esta necessidade.