História Viva
04.08.2005
Samba na medicina
por Eric Macedo


Foi à mesa de jantar que o jovem Roberto Medronho, fã de Bach e Villa-Lobos, disse ao pai que estudaria Orquestração e Regência na Escola de Música da UFRJ, no fim da década de 70. Ouviu a seguinte frase: "Não estou aqui para sustentar vagabundo". A resposta brusca conseguiu demovê-lo apenas em parte da idéia de se tornar músico. Continuou praticando o violão clássico, para o qual, na época, já havia inclusive composto algumas peças, mas ingressou na Universidade para estudar medicina.

"Movido por uma preocupação humanística que eu tinha desde pequeno, eu quis estudar psicologia, para entender a mente humana. Mais uma vez, por conselho do meu pai, entrei na medicina para depois me tornar psiquiatra", diz. Uma vez dentro da faculdade, se apaixonou pela medicina e mudou de rumo novamente, se formando em pediatria. Mais tarde, especializou-se em infectologia e depois em epidemiologia. Sempre dentro da UFRJ. "Eu tenho três paixões", declara, "A minha família, o meu Flamengo e a minha UFRJ. A relação com a do meio é que não vai muito bem. Já com os outros dois, está tudo ótimo".

Estudar medicina e continuar com o violão clássico se revelou, no entanto, uma tarefa difícil demais. Medronho largou o estudo do instrumento, mas não a música. Passou a compor samba de raiz, seu estilo musical favorito, com o qual convivia desde criança ao mesmo tempo em que cultivava verdadeira fascinação pelo carnaval. "Essa é uma manifestação legítima da cultura popular", diz, demonstrando grande amor pelo assunto.

Medronho se considera realizado em ambos os campos nos quais se propôs atuar. Ao mesmo tempo em que tem sambas gravados por grandes bambas, como João Nogueira, Nelson Sargento e Luiz Carlos da Vila e mantém uma parceria de mais de vinte anos com Noca da Portela, o professor já foi coordenador do NESC (Núcleo Estudos de Saúde Coletiva) e escreveu um livro de referência no campo da Epidemiologia, que é utilizado pelos cursos de graduação na maioria das faculdades de medicina. "Eu costumo aconselhar os meus alunos a nunca abandonarem seus dotes artísticos, o que acontece com muita freqüência em cursos que exigem muito dos estudantes, como é o caso da medicina. Continuar cultivando seus dons, mais ainda nesses casos, é fundamental tanto para que se tenha uma boa qualidade de vida quanto para a sua boa atuação profissional", diz.

Para Roberto Medronho, a medicina e a música têm muito em comum. "O que eu sempre quis era ser artista. Quando entrei na faculdade, me encantei pela arte que existe dentro da medicina", explica. Para ele, o médico depende de grandes doses de inspiração quando, por exemplo, precisa dar um diagnóstico difícil. "A medicina é baseada na ciência, mas envolve arte, e não só isso, envolve artesanato. O médico precisa ter um bom toque e grande sensibilidade no exercício da profissão", diz.

Em 2003, Medronho gravou um CD chamado "Samba, Saúde e Simpatia", que contou com a participação de intérpretes famosos como Noca da Portela, Dudu Nobre e Nélson Sargento. O próximo grande projeto está no seu outro lado: vai fazer pós-doutorado na Harvard Medical School, no ano que vem.

No fim das contas, Medronho acredita que seu pai estava certo quando o "aconselhou" a fazer outra coisa além da música. "Apesar de ter ficado revoltado com a imposição dele, hoje vejo que ele estava correto. Infelizmente, são muito poucos os que conseguem viver somente de música no Brasil". Bom para a sociedade, que ganha de uma vez só um médico, pesquisador e professor e um compositor de mão cheia.

 




Capa do CD de Medronho
Capa do CD de Medronho



Riko Dorileo, Luiz Carlos da Vila, Nélson Sargento , Medronho, Noca da Portela
Riko Dorileo, Luiz Carlos da Vila,
Nélson Sargento , Medronho,
Noca da Portela