Microscópio
21.07.2005
"Genética: uma nova forma de estratificação social?"
por Eric Macedo


No início, planos de saúde com tabelas de custos baseadas na probabilidade genética de cada paciente de desenvolver doenças de tratamento caro. Depois, uma sociedade dividida a partir das características físicas e comportamentais determinadas pelos genes de cada indivíduo. Acredite, hoje, isso não é mais só ficção científica. A partir do Projeto Genoma Humano, iniciado em 1990, com a participação de pesquisadores de vários países e o objetivo de mapear geneticamente o ser humano, as portas se abriram para uma série de mudanças em nossa sociedade, que se vê diante de um elemento novo, ainda que determinante, na sua existência. Ao mesmo tempo, as pesquisas e os conhecimentos gerados fazem aflorar questões éticas para a ciência em sua relação com a sociedade, que se vê diante da necessidade de escolher que caminhos devem ser tomados e quais devem ser deixados de lado.

Em estudo divulgado recentemente, pesquisadores diziam ter localizado um gen que determinaria o comportamento homossexual nos homens. Apelidaram-no de "gay gene". Não é a primeira vez que se tenta ligar comportamentos humanos a determinantes genéticos. Já se anunciou, por exemplo, o gen da esquizofrenia e já se correlacionou agressividade a pessoas com uma anomalia nos cromossomos. Mas até que ponto é possível ver a genética como um fator tão determinante do comportamento humano? Quão importante não é, também, o ambiente em que o indivíduo se desenvolve? Para o professor Franklin Rumjanek, do Departamento de Bioquímica Médica da UFRJ, os dois elementos se complementam na determinação do comportamento de cada um. "É preciso dosar aquilo que a genética diz com a influência do ambiente em que a pessoa é criada e vive. Além do mais, pesquisas como essa [do gay gene] normalmente se baseiam em apenas um gen, quando é provável que um comportamento tão complexo quanto a opção sexual seja resultado de uma combinação de vários genes, e da relação entre eles e o ambiente", diz o professor.

Franklin Rumjanek, é responsável pelo laboratório Sonda UFRJ (que faz exames de DNA para verificação de paternidade), e acredita na possibilidade da sociedade ser estratificada pela genética. "Saber de antemão quais são as doenças a que um paciente tem predisposição é de grande interesse para as seguradoras, por exemplo", argumenta. Nesse caso, algumas pessoas pagariam apólices mais caras, se estivessem no grupo de risco. Ele lembra que, no caso de algumas doenças degenerativas, já é possível saber quem pode ou não desenvolve-las. "Da mesma forma, algumas empresas podem contratar somente pessoas saudáveis, que não sejam predispostas a desenvolver nenhuma doença grave", diz ele. Assim, é possível imaginar, em algum tempo, exames de DNA fazendo parte do processo seletivo de grandes companhias.

Para o professor Rumjanek, em breve o mapeamento genético para detecção de aptidões atléticas, artísticas ou intelectuais irá aquecer as discussões sobre a democratização do acesso a essas áreas.

Quanto a definição de raças, professor Franklin diz que os geneticistas ainda não conseguem definir a etnia de alguém pelo seu genoma. "É possível ter alguns indícios, mas não dizer com certeza. Mas isso pode vir a acontecer", diz.

Franklin diz que as discussões éticas a respeito do uso do conhecimento sobre o genoma humano não levarão a uma limitação das pesquisas por algum elemento controlador. Para ele, existem elementos que são condenáveis e vão continuar sendo, como a pesquisa envolvendo humanos. Outros pontos merecem ser discutidos, é o caso do uso de embriões nas pesquisas. "Quem dá a direção que a ciência deve tomar é a própria sociedade, a opinião pública. As leis aparecem depois, como uma forma de normatizar o consenso comum", diz o professor.