História Viva
21.07.2005
Habemus Padre
por Taisa Gamboa


Que a Universidade Federal do Rio de Janeiro possui em seu corpo acadêmico ótimos professores, isso todo mundo sabe. Mas que temos também padre, muitos desconhecem. Aníbal Gil Lopes, mais conhecido como Padre Aníbal, é professor e coordenador do Programa Curricular Interdepartamental Urinário do 3° período da Faculdade de Medicina da UFRJ. Se formou em medicina pela USP, e foi ainda nesta universidade que participou, a convite de sua professora de pediatria, de um ambulatório de pediatria beneficente que ela mantinha na periferia da cidade. O atendimento era realizado no porão de uma igreja e foi lá que conheceu o padre da paróquia, um homem extremamente envolvido com as questões sociais de sua comunidade e a quem ajudou a organizar um supletivo em sua igreja.

A interação com a arquidiocese ficou cada vez mais forte, até que Aníbal percebeu que ser padre era uma parte integrante de si próprio. Sua formação filosófica e teológica não foi a usual. Estudou com a orientação de alguns professores, paralelamente ao curso de medicina. E como não havia cumprido as exigências mínimas necessárias para o ingresso oficial na Igreja, D. Paulo Evaristo apresentou seu caso ao Papa Paulo VI, que autorizou sua ordenação sacerdotal.

De uma família de cientistas, a escolha pela pesquisa e pelo laboratório foi natural. "Aos 14 anos, já freqüentava laboratórios e era fascinado por microscópios. Creio que deva haver algum fator genético, tal qual nas famílias de músicos". Mas sua posição como teólogo lhe trouxe alguns problemas. O início de sua carreira como pesquisador da USP foi muito complicado, pois vários profissionais o criticaram dizendo que, como padre, dificilmente ele poderia ser cientista.

Foi enfrentando algumas barreiras como essas que ele conseguiu dar prosseguimento à sua carreira acadêmica. E, 1992, através de um concurso para professor titular da UFRJ, Aníbal transferiu-se para esta Universidade, onde diz nunca ter enfrentado nenhum problema ético. "Tenho a consciência de trilhar um caminho pouco usual, e o faço com alegria e dedicação".

Padre há 33 anos, sua experiência como religioso o faz crer que o conhecimento teológico e o científico se completam. Padre Aníbal afirma que a ciência ocidental sempre esteve intimamente ligada à Igreja, até o século XIX. Segundo o teólogo, não existe nenhum argumento que ponha a razão contra a fé. "Todas as nossas posturas religiosas são baseadas no conhecimento científico, nunca de forma antagônica".

Professor Aníbal comenta que nem sempre um novo conhecimento fica devidamente estabelecido, e em função disso, pode não ser incorporado à fé. "As provas cabais, que muitas vezes nos são apresentadas com a evolução da ciência, se transformam em dogmas, nos quais as pessoas passam a acreditar". Segundo ele o problema está na forma como enxergamos a ciência. "A maneira como o conhecimento nos é apresentado, faz com que seja acreditado, é uma relação de fé com a ciência". Para ele, a evolução da ciência não conseguiu acompanhar os questionamentos da religião. "Aquela idéia de que a ciência explicaria tudo é equivocada".

Membro da Pontifícia Academia Pró-Vita, da comissão de pesquisa em seres humanos do ICB-USP, e assessor de bioética da CNBB, Padre Aníbal assume uma postura crítica em relação a Lei de Biossegurança. Ele acredita que a liberdade do pesquisador científico não está sujeita unicamente à sua consciência, e seu trabalho deve se desenvolver sob o controle social. Para o professor, como foi aprovada, a lei não representa o consentimento livre e esclarecido da população brasileira. "O incentivo maior para a elaboração dessa lei não foi a necessidade do respaldo legal para decisões éticas nem a regulamentação da atividade científica, mas o interesse econômico relativo aos plantios de grãos".

Multiprofissional, o professor-padre ainda relembra com saudades dos tempos em que desenvolveu um trabalho pioneiro de acolhimento de doentes terminais do HIV, com os quais morou durante os anos que antecederam a sua vinda para o Rio de Janeiro. Alem disso, em 1973, o teólogo trabalhou na implantação de creches para filhos de mães carentes. "Marcado por um pensamento de Gandhi, o fiz na certeza de que se Deus nos envia crianças, é porque Ele ainda não perdeu a esperança na Humanidade".