Que a Universidade Federal do Rio de Janeiro possui em seu corpo acadêmico
ótimos professores, isso todo mundo sabe. Mas que temos também
padre, muitos desconhecem. Aníbal Gil Lopes, mais conhecido como
Padre Aníbal, é professor e coordenador do Programa Curricular
Interdepartamental Urinário do 3° período da Faculdade
de Medicina da UFRJ. Se formou em medicina pela USP, e foi ainda nesta
universidade que participou, a convite de sua professora de pediatria,
de um ambulatório de pediatria beneficente que ela mantinha na
periferia da cidade. O atendimento era realizado no porão de uma
igreja e foi lá que conheceu o padre da paróquia, um homem
extremamente envolvido com as questões sociais de sua comunidade
e a quem ajudou a organizar um supletivo em sua igreja.
A interação
com a arquidiocese ficou cada vez mais forte, até que Aníbal
percebeu que ser padre era uma parte integrante de si próprio.
Sua formação filosófica e teológica não
foi a usual. Estudou com a orientação de alguns professores,
paralelamente ao curso de medicina. E como não havia cumprido as
exigências mínimas necessárias para o ingresso oficial
na Igreja, D. Paulo Evaristo apresentou seu caso ao Papa Paulo VI, que
autorizou sua ordenação sacerdotal.
De uma família
de cientistas, a escolha pela pesquisa e pelo laboratório foi natural.
"Aos 14 anos, já freqüentava laboratórios e era
fascinado por microscópios. Creio que deva haver algum fator genético,
tal qual nas famílias de músicos". Mas sua posição
como teólogo lhe trouxe alguns problemas. O início de sua
carreira como pesquisador da USP foi muito complicado, pois vários
profissionais o criticaram dizendo que, como padre, dificilmente ele poderia
ser cientista.
Foi enfrentando
algumas barreiras como essas que ele conseguiu dar prosseguimento à
sua carreira acadêmica. E, 1992, através de um concurso para
professor titular da UFRJ, Aníbal transferiu-se para esta Universidade,
onde diz nunca ter enfrentado nenhum problema ético. "Tenho
a consciência de trilhar um caminho pouco usual, e o faço
com alegria e dedicação".
Padre há
33 anos, sua experiência como religioso o faz crer que o conhecimento
teológico e o científico se completam. Padre Aníbal
afirma que a ciência ocidental sempre esteve intimamente ligada
à Igreja, até o século XIX. Segundo o teólogo,
não existe nenhum argumento que ponha a razão contra a fé.
"Todas as nossas posturas religiosas são baseadas no conhecimento
científico, nunca de forma antagônica".
Professor Aníbal
comenta que nem sempre um novo conhecimento fica devidamente estabelecido,
e em função disso, pode não ser incorporado à
fé. "As provas cabais, que muitas vezes nos são apresentadas
com a evolução da ciência, se transformam em dogmas,
nos quais as pessoas passam a acreditar". Segundo ele o problema
está na forma como enxergamos a ciência. "A maneira
como o conhecimento nos é apresentado, faz com que seja acreditado,
é uma relação de fé com a ciência".
Para ele, a evolução da ciência não conseguiu
acompanhar os questionamentos da religião. "Aquela idéia
de que a ciência explicaria tudo é equivocada".
Membro da Pontifícia
Academia Pró-Vita, da comissão de pesquisa em seres humanos
do ICB-USP, e assessor de bioética da CNBB, Padre Aníbal
assume uma postura crítica em relação a Lei de Biossegurança.
Ele acredita que a liberdade do pesquisador científico não
está sujeita unicamente à sua consciência, e seu trabalho
deve se desenvolver sob o controle social. Para o professor, como foi
aprovada, a lei não representa o consentimento livre e esclarecido
da população brasileira. "O incentivo maior para a
elaboração dessa lei não foi a necessidade do respaldo
legal para decisões éticas nem a regulamentação
da atividade científica, mas o interesse econômico relativo
aos plantios de grãos".
Multiprofissional,
o professor-padre ainda relembra com saudades dos tempos em que desenvolveu
um trabalho pioneiro de acolhimento de doentes terminais do HIV, com os
quais morou durante os anos que antecederam a sua vinda para o Rio de
Janeiro. Alem disso, em 1973, o teólogo trabalhou na implantação
de creches para filhos de mães carentes. "Marcado por um pensamento
de Gandhi, o fiz na certeza de que se Deus nos envia crianças,
é porque Ele ainda não perdeu a esperança na Humanidade".
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