Faces e Interfaces
21.07.2005
Transgênicos X Lei de Biossegurança
por Taisa Gamboa


Há tempos a humanidade altera plantas e animais através de métodos rústicos e lentos como o cruzamento e a polinização. A engenharia genética permitiu alterações muito mais precisas e velozes, sem contar a possibilidade de criar uma nova espécie. O uso desregulamentado e desenfreado dessas descobertas poderia por em risco a saúde da sociedade.

Em virtude desses fatores, e à semelhança de outros países do mundo, o Brasil conta, desde 1995, com a Lei de Biossegurança que regulamenta, certifica e monitoriza as pesquisas e utilizações de organismos transgênicos. Da forma como foi escrita, a lei desagradou determinados setores da sociedade, e alguns de seus principais pontos passaram por reformulação em 2005.

Para debater sobre esse tema de importância mundial, o Olhar Vital convidou duas professoras da UFRJ. Fernanda Reinert é Professora Adjunta do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia e Vice-coordenadora da pós-graduação em biotecnologia vegetal e Rosane Silva, Professora Adjunta do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho.



Fernanda Reinert

Rosane Silva

"As pesquisas com transgênicos sempre existiram, o que não havia era a legislação. A partir de 1995, com a primeira versão da lei de biossegurança, os pesquisadores e as empresas passaram a registrar suas pesquisas. O consumo de transgênicos não é liberado, eles são comercializados em função de medidas provisórias concedidas pelo governo. O detalhe nessa questão é que organismos geneticamente modificados (OGMs) são consumidos há muito tempo, pois não existe fiscalização. Não podemos fazer uma lei proibitiva, se não temos como fiscalizar. Desta forma, as pessoas fingem que não produzem OGMs e assim não temos como acompanhar a evolução biológica.

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), criada com a Lei de Biossegurança, detem a última palavra sobre a segurança dos transgênicos. Mas houve um aumento da representatividade dentro deste órgão. Instituições como o IBAMA, ANVISA, Ministérios, empresas e cientistas passaram a ter mais voz. Se o produto for atestado como seguro, sua comercialização independe da CTNBio. Se o país só vai aproveitar a tecnologia, pois talvez não seja interessante comercializar determinado produto em determinado momento, são questões que fogem de sua alçada.

Há uma questão que deve ser levada a tona. Nem todo mundo sabe a diferença existente entre organismos geneticamente modificados e transgênicos. Os primeiros podem ou não ser transgênicos. São organismos que sofreram alterações em seus genótipos. Não é necessariamente uma transgênese. Mas todos os transgênicos são OGMs. São os organismos de uma determinada espécie que tiveram um gene de uma outra espécie inseridos em seu DNA.

À medida que as pesquisas avançam, descobrem-se novos genes. Um único gene transformado promove uma alteração mais segura que a decorrente da técnica do cruzamento. Ao meu ver, a questão do suposto perigo decorrente dos transgênicos foi muito teatralizada. A agricultura é uma das atividades que mais impactam a humanidade. Sempre foi assim. O desmatamento, os agrotóxicos, o excesso de nutrientes no solo, o grande consumo de água potável (cerca de 70% da água potável do planeta vai pra agricultura) e a grande infra-estrutura necessária são fatores que alteram todo o sistema global. A diferença é que essa alteração agora é mais pontual. Mas comemos plantas modificadas há muito tempo.


Não há nada de novo. Esperamos apenas que as novas tecnologias tenham um impacto ambiental menor, porque impacto mesmo sempre haverá. Por exemplo, algumas pessoas são alérgicas ao amendoim. Se eu inserir em um vegetal um gene que, entre outras características, provoca alergia, as pessoas que ingerirem este vegetal alterado desenvolverão a mesma alergia produzida pelo amendoim. Por isso é importante a rotulagem dos transgênicos para que se saibam quais os genes foram introduzidos nos novos produtos.

Muitos vegetais não possuem, em sua origem, na sua forma selvagem, as características que conhecemos hoje. Toda planta é originária de algum lugar, e estes centros de origem devem ser protegidos, pois são bancos genéticos. Devemos assim, evitar que plantas alteradas entrem em contato com as suas versões originais.

Comumente ouvimos pessoas afirmando que preferiam comer apenas produtos orgânicos. Mas a certificação destes produtos é muito custosa e sua produção não compensa financeiramente. Além disso, como dito anteriormente, estes alimentos orgânicos foram, de alguma forma, alterados geneticamente da sua origem até os dias de hoje.

Os testes atuais são para garantir segurança, mas a comercialização de sementes sempre ocorreu. A Embrapa possui variedades adaptadas a determinados solos do Brasil e continua modificando-as; não devemos temer a Monsanto. A Embrapa nos fornece sementes, só que para isso ela precisa de pesquisas. Em tese, não há nenhum risco. Não necessariamente vai ser algo ruim. Não há como quantificar essa transferência horizontal de genes e avaliar os impactos dela.

O que falta é informação. Com apenas algumas informações básicas, as pessoas percebem o quanto a agricultura é impactante e que precisamos de técnicas mais eficientes para reduzir este impacto, tais como os transgênicos."


"Em 1995, em minha opinião, o Brasil acertou criando uma lei para normatizar, certificar e monitorar os OGMs e AnGMs. Criou um órgão, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, que tinha esta missão. Discordâncias e interesses mudaram alguns rumos no lançamento de transgênicos no mercado. Os ministérios, através de vários órgãos, passaram a contestar certificação, de modo que os plantadores acharam por bem fazer a coisa pelo método não oficial, importando semente transgência (soja) da Argentina e plantando; chegando ao ponto do Presidente Lula oficializar a plantação por decreto lei. Tendo em vista esta situação, eu vejo a nova lei de Biossegurança como uma medida que tenta atender aos Ministérios, enquanto aguardamos até hoje a formação da nova CTNBio.

Todo plantio de agricultura em massa pressupõe algum tipo de melhoramento vegetal, e nunca o vegetal natural que é encontrado na natureza, que geralmente é pequeno e produz pouco fruto. Os modificados por transgênese são testados por protocolos de segurança conhecidos, em animais e na natureza. No entanto, assim como alguns remédios que são testados segundo protocolos elaborados para a segurança e eficácia, são liberados.

Não há como prever o imprevisível. Muitos dos genes adicionados às plantas necessitam de indutores para funcionar, e na ausência destes as plantas não utilizam o benefício da transgênese. De qualquer modo, a avaliação de uma planta transgênica deve ser feita caso a caso, pois as modificações são diferentes, e portanto, os estudos devem ser conduzidos e analizados de forma própria.

O melhoramento genético pode potencializar as vantagens e superar as limitações de plantas e animais, ampliando a resistência contra pragas, doenças e produtos
químicos. Pode também aumentar a competitividade do agro-negócio nacional, e garantir a segurança alimentar de comunidades carentes; desenvolver a produção de remédios em plantas, reduzindo os custos dos mesmos; e criar novos produtos que beneficiarão a indústria nacional. Acredito que tudo isso pode ser verdade, pois existem projetos em desenvolvimento nas Universidades do país e na Embrapa e existem pessoas capazes de conduzirem estes projetos com seriedade. Precisamos de vontade política.

Nossos cientistas tem grande capacidade, a Embrapa tem recursos. Penso que nosso maior obstáculo seja a inexperiência do país em pesquisa com patentes e seu exercício em torná-las lucrativas. Existe muita burocracia para os pesquisadores nacionais devido, em parte, a falta de tradição. Aqui na UFRJ, desenvolvemos pesquisas na área de transgênicos tanto vegetais, como animais. Tanto visando um produto, como meio para entender processos biológicos."