A biopirataria caracterizada
pelo contrabando de recursos biológicos tradicionais de uma região,
é hoje, segundo o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis), a terceira atividade ilegal
mais rentável do mundo. E o Brasil, possuidor de grande parte da
Amazônia, conhecida por sua diversidade natural, perde a cada ano
não só milhões de dólares, mas também
um pouco da sua identidade.
O contrabando biológico, ou biopirataria - termo lançado
em 1993 pela ONG Rafi (Fundação Internacional para o Progresso
Rural), mais tarde ETC-Group - e segundo Anaize Borges Henriques, professora
de Fisiologia Vegetal do Instituto de Biologia da UFRJ, designa a retirada
de recursos genéticos de seu habitat natural, normalmente, para
exploração comercial. "O sujeito vai até o ambiente
e retira uma planta ou um animal, este pode ser um mamífero, uma
ave, uma aranha, uma cobra, dentre outros", disse ela. O interesse
de exploração dessa atividade, nos últimos anos,
teve um aumento significativo devido ao avanço da biotecnologia
- o uso de microorganismos ou substâncias biológicas na execução
de determinados processos industriais ou de fabricação -
e a facilidade de registro de patentes e marcas em âmbito internacional,
oneroso para muitos pesquisadores brasileiros, devido ao baixo investimento
no país.
O Brasil é alvo da biopirataria desde o seu descobrimento quando
se contrabandeava pau-brasil, na época com grande valor comercial
na Europa, e hoje com maior intensidade, principalmente na Amazônia,
o contrabando de espécies de animais e vegetais. Geralmente, os
contrabandistas vendem estas espécies para colecionadores, cientistas
e, até mesmo, para instituições do exterior. Muitas
empresas químicas e farmacêuticas estrangeiras possuem grande
interesse no potencial farmacológico das espécies para a
criação de produtos comercializáveis e utilizam a
biopirataria como meio de obtenção deste material biológico,
atividade que, segundo o IBAMA, movimenta US$ 60 bilhões no mundo.
Algumas empresas farmacêuticas se interessam por espécies
de plantas, ou animais, que sejam usados para tratar doenças em
determinada região, geralmente aonde remédios químicos
não chegam com muita facilidade. Muitas vezes, são medicamentos
naturais usados por comunidades indígenas. Estas empresas indicam
aos biopiratas as espécies a serem contrabandeadas, e, em seguida,
fazem um intenso investimento em pesquisas para comprovar o potencial
farmacológico. Se comprovado, o fármaco, substância
química utilizada como medicamento, é patenteado e comercializado.
Porém é importante ressaltar que não são todas
as indústrias farmacêuticas que trabalham desse modo. "Seria
uma leviandade afirmar isso, grande parte dessas empresas trabalham dentro
do que é esperado. Há um grande interesse econômico
não só de algumas indústrias farmacêuticas,
mas também de indústrias de cosméticos, de alimentos,
de borracha ", afirma Anaize Borges.
A grande biodiversidade da Amazônia, portanto, é vista por
grande parte das indústrias com um enorme interesse econômico
e comercial, tornando-se as grandes financiadoras do contrabando biológico
brasileiro. Exemplo recente dessa atividade foi a biopirataria do cupuaçu
realizada por uma empresa multinacional japonesa, que registrou o nome
da fruta como marca nos EUA, Europa e Japão e patenteou o processo
de extração do óleo da semente para fabricação
de chocolate de cupuaçu. A EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária) contestou a patente, que já havia sido registrada
no Brasil, no entanto esta só é válida em território
nacional. Outro exemplo é o caso do captopril, "medicamento
utilizado para combater a pressão-alta, foi feito a partir do veneno
da jararaca, material levado para pesquisa fora do país e patenteado
por uma indústria gigantesca, que usa o medicamento como "carro-chefe"
e o Brasil, origem do material biológico, não ganha nada",
revelou Anaize.
Apesar de grande parte dos biopiratas ser contratada com o objetivo de
gerar lucros para terceiros, a biopirataria também é utilizada
para estudos científicos. Charles Darwin, por exemplo, publicou
seu livro A Origem das espécies baseado na coleta de material biológico
de varias regiões do planeta, inclusive do Brasil. Estas atividades
são ligadas à ciência, ao estudo e a produção
de informação da fauna e da flora de determinada região,
e devem ser respeitadas e incentivadas, principalmente em universidades
e instituições nacionais.
Para controlar o crescimento desse mercado financiador do contrabando
biológico e impedir esta atividade, que põe em risco a riqueza
natural do país, exterminando espécies de animais e plantas,
danificando os solos e destruindo a diversidade natural que caracteriza
a identidade brasileira, é necessário uma fiscalização
eficiente. "A lei de Biossegurança possui importantes normas,
no entanto é preciso que elas funcionem e para funcionar só
investindo na fiscalização de áreas ambientais ameaçadas
pela biopirataria. Além do instrumento legal, que é imprescindível,
tem que haver um instrumento de controle e fiscalização.
As áreas ambientais brasileiras são extensas e para que
haja uma fiscalização eficiente é necessário
mão-de-obra qualificada e um maior número de fiscais",
concluiu Anaize Borges.
|
|