Ciência e Vida
21.07.2005
Tomaram de assalto a Amazônia
por Lílis Soares


A biopirataria caracterizada pelo contrabando de recursos biológicos tradicionais de uma região, é hoje, segundo o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), a terceira atividade ilegal mais rentável do mundo. E o Brasil, possuidor de grande parte da Amazônia, conhecida por sua diversidade natural, perde a cada ano não só milhões de dólares, mas também um pouco da sua identidade.

O contrabando biológico, ou biopirataria - termo lançado em 1993 pela ONG Rafi (Fundação Internacional para o Progresso Rural), mais tarde ETC-Group - e segundo Anaize Borges Henriques, professora de Fisiologia Vegetal do Instituto de Biologia da UFRJ, designa a retirada de recursos genéticos de seu habitat natural, normalmente, para exploração comercial. "O sujeito vai até o ambiente e retira uma planta ou um animal, este pode ser um mamífero, uma ave, uma aranha, uma cobra, dentre outros", disse ela. O interesse de exploração dessa atividade, nos últimos anos, teve um aumento significativo devido ao avanço da biotecnologia - o uso de microorganismos ou substâncias biológicas na execução de determinados processos industriais ou de fabricação - e a facilidade de registro de patentes e marcas em âmbito internacional, oneroso para muitos pesquisadores brasileiros, devido ao baixo investimento no país.

O Brasil é alvo da biopirataria desde o seu descobrimento quando se contrabandeava pau-brasil, na época com grande valor comercial na Europa, e hoje com maior intensidade, principalmente na Amazônia, o contrabando de espécies de animais e vegetais. Geralmente, os contrabandistas vendem estas espécies para colecionadores, cientistas e, até mesmo, para instituições do exterior. Muitas empresas químicas e farmacêuticas estrangeiras possuem grande interesse no potencial farmacológico das espécies para a criação de produtos comercializáveis e utilizam a biopirataria como meio de obtenção deste material biológico, atividade que, segundo o IBAMA, movimenta US$ 60 bilhões no mundo.

Algumas empresas farmacêuticas se interessam por espécies de plantas, ou animais, que sejam usados para tratar doenças em determinada região, geralmente aonde remédios químicos não chegam com muita facilidade. Muitas vezes, são medicamentos naturais usados por comunidades indígenas. Estas empresas indicam aos biopiratas as espécies a serem contrabandeadas, e, em seguida, fazem um intenso investimento em pesquisas para comprovar o potencial farmacológico. Se comprovado, o fármaco, substância química utilizada como medicamento, é patenteado e comercializado. Porém é importante ressaltar que não são todas as indústrias farmacêuticas que trabalham desse modo. "Seria uma leviandade afirmar isso, grande parte dessas empresas trabalham dentro do que é esperado. Há um grande interesse econômico não só de algumas indústrias farmacêuticas, mas também de indústrias de cosméticos, de alimentos, de borracha ", afirma Anaize Borges.

A grande biodiversidade da Amazônia, portanto, é vista por grande parte das indústrias com um enorme interesse econômico e comercial, tornando-se as grandes financiadoras do contrabando biológico brasileiro. Exemplo recente dessa atividade foi a biopirataria do cupuaçu realizada por uma empresa multinacional japonesa, que registrou o nome da fruta como marca nos EUA, Europa e Japão e patenteou o processo de extração do óleo da semente para fabricação de chocolate de cupuaçu. A EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) contestou a patente, que já havia sido registrada no Brasil, no entanto esta só é válida em território nacional. Outro exemplo é o caso do captopril, "medicamento utilizado para combater a pressão-alta, foi feito a partir do veneno da jararaca, material levado para pesquisa fora do país e patenteado por uma indústria gigantesca, que usa o medicamento como "carro-chefe" e o Brasil, origem do material biológico, não ganha nada", revelou Anaize.

Apesar de grande parte dos biopiratas ser contratada com o objetivo de gerar lucros para terceiros, a biopirataria também é utilizada para estudos científicos. Charles Darwin, por exemplo, publicou seu livro A Origem das espécies baseado na coleta de material biológico de varias regiões do planeta, inclusive do Brasil. Estas atividades são ligadas à ciência, ao estudo e a produção de informação da fauna e da flora de determinada região, e devem ser respeitadas e incentivadas, principalmente em universidades e instituições nacionais.

Para controlar o crescimento desse mercado financiador do contrabando biológico e impedir esta atividade, que põe em risco a riqueza natural do país, exterminando espécies de animais e plantas, danificando os solos e destruindo a diversidade natural que caracteriza a identidade brasileira, é necessário uma fiscalização eficiente. "A lei de Biossegurança possui importantes normas, no entanto é preciso que elas funcionem e para funcionar só investindo na fiscalização de áreas ambientais ameaçadas pela biopirataria. Além do instrumento legal, que é imprescindível, tem que haver um instrumento de controle e fiscalização. As áreas ambientais brasileiras são extensas e para que haja uma fiscalização eficiente é necessário mão-de-obra qualificada e um maior número de fiscais", concluiu Anaize Borges.