Faces e Interfaces
07.07.2005
Fármacogenética - a ciência individual
por Taisa Gamboa

Pitágoras já tinha percebido que cada pessoa tem uma resposta diferente a um mesmo remédio. De lá pra cá, surgiram muitas inovações que contribuíram para o desenvolvimento da chamada farmacogenética, ramo da ciência que trata da influência dos fatores genéticos na resposta aos medicamentos.

O empirismo nas prescrições médicas, que provoca e ao mesmo tempo é provocado pela individualidade na resposta aos fármacos, pode estar com seus dias contados. A partir das características genéticas do paciente será possível saber qual a melhor droga para cada situação específica.

No início deste ano, foi lançado nos EUA, um remédio que associava Hidralazina com Isordil, para o tratamento da insuficiência cardíaca crônica em negros. Verificou-se que essa combinação produzia ótimos resultados nas pessoas desse grupo, enquanto em brancos, os benefícios do remédio atingiam níveis bem inferiores. Segundo o professor da Faculdade de Farmácia da UFRJ, Jorge Fernando, o que nos diferencia quanto às reações aos medicamentos é a característica metabólica individual. De acordo com a carga genética, cada um vai digerir e absorver o fármaco em uma determinada velocidade e quantidade, contribuindo decisivamente para a porcentagem de eficácia do remédio.

Marcio Alves Ferreira e Alessandra Splendore Gordonos, professores do departamento de Genética da Faculdade de Biologia da UFRJ, comentam essas e outras questões a convite do Olhar Vital.



Marcio Alves Ferreira

Alessandra Splendore Gordonos

"A questão racial é uma etapa anterior à atual. Cada raça tem componentes genéticos específicos que determinam algumas de suas características particulares em relação ao restante da população mundial. A anemia falciforme, por exemplo, é mais comum nos negros da África Oriental, onde a doença se faz mais presente. Isso também acontece a outras doenças relacionadas a grupos europeus e judeus.

O ser humano se distribuiu pelo mundo, se isolou e teve que se adaptar aos diferentes fatores ambientais. Isso provocou o que chamamos de deriva gênica, genes que se fixam em determinadas gerações, e nos levou a repensar no conceito de raça.

Hoje, já é possível determinar a maior eficiência de alguns medicamentos num determinado grupo populacional. Mas até onde você determina esses limites? Onde começa uma e termina outra raça? Se conseguirmos determinar esses limites, eu sou favorável à divisão medicamentosa por diferentes populações.

No Brasil isso é mais difícil, pois somos um país muito miscigenado. Não há como determinar quem é negro ou não. A nossa solução talvez seja desenvolver medicamentos que tenham maior eficácia entre a raça brasileira como um todo. Até porque, os negros dos Estados Unidos, não são os mesmo negros do Brasil, possuem origens e cargas genéticas diferentes. E em função disso, um medicamento eficaz por lá, pode não ter o mesmo efeito aqui. Apenas algumas populações radicadas na Europa e Ásia podem ser consideradas relativamente homogêneas.

O objetivo não é a segregação, mas tratar pessoas da melhor forma. A genética interage com a farmácia e a medicina, em virtude das freqüentes alterações de genes. O mapeamento dos possíveis genes problemáticos em determinados grupos pode permitir o diagnóstico individual, assim como ocorre com a Nutrição, e tratar a pessoa de acordo com a sua constituição genética. E uma tentativa de individualizar para se ter um tratamento mais eficaz."

"O que significa raça? Grupos de populações humanas que têm características comuns. Um gene existe em várias formas e sua freqüência varia entre as populações, isso é o que chamamos de polimorfismo genético.

Os remédios agem em cima de uma proteína específica, que varia de pessoa pra pessoa conforme os seus polimorfismos. É uma questão de probabilidade.
Em geral, membros de uma mesma população têm freqüências mais ou menos comuns, mas que também existem em outras populações. Os geneticistas chamam de população um grupo de pessoas geneticamente relacionadas. Raça não é um conceito genético.

Cada indivíduo possui vários polimorfismos, mas o que distingue uma população da outra é uma quantidade mínima dessas variações. As vezes, essa pequena variabilidade pode ser importante do ponto de vista médico. Mas a variação de polimorfismos é igual em todo o mundo.

Sobre o novo medicamento que está sendo tratado como exclusivo para negros nos Estados Unidos, é voltado para uma população específica deste país. Talvez não apresente o mesmo efeito em negros de outros lugares do mundo. Essa idéia de estratificação social a partir da genética é uma reação de quem não entende o que a genética está dizendo.

A farmacogenética é uma coisa individual. Por enquanto, como é muito caro testar em todos, fazemos remédios com maior chance de funcionar em todos os integrantes de um grupo. Começamos individualizando grupos, mas vamos terminar com o tratamento personalizado mesmo."