Faces e Interfaces
30.06.2005
AIDS: caminhos de hoje e perspectivas para o futuro
Taisa Gamboa e Eric Macedo

Entre os anos de 1980 e 2004, foram registrados, segundo o Ministério da Saúde, um total de 362.364 casos de AIDS no Brasil. O número é grande, mas há uma tendência de estabilização, devido ao sucesso no seu tratamento e às fortes campanhas de prevenção. Mesmo assim, novos casos surgem a cada dia, e isso é motivo de preocupação. O que se têm hoje para o tratamento da doença e o que apontam as pesquisas são os assuntos aqui comentados por Luiz Antônio Alves de Lima e Paulo Feijó, professores de medicina do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.


"O advento da Terapia Antiretroviral Altamente Potente (HAART) mudou completamente a história natural da AIDS. Antes eram assinados, aqui no ambulatório, cinco atestados de óbito por semana de pacientes que morriam em decorrência do vírus. E, nos últimos sete anos, nós perdemos apenas sete pessoas. Elas chegavam já doentes, tinham um tempo de vida aproximado de nove meses. Hoje, eu tenho pacientes há 17 anos em tratamento comigo no ambulatório, pacientes que certamente não estariam vivos se não houvesse esses novos medicamentos. A história da doença foi completamente mudada.

No momento, há mais de 160 mil pessoas fazendo tratamento antiretroviral no país. O programa de AIDS brasileiro rendeu frutos indiscutíveis, a partir do momento em que se vislumbrou que seria mais barato comprar os medicamentos antiretrovirais do que tratar as infecções oportunistas que são conseqüência da doença. E de fato o dinheiro economizado com internações hospitalares e medicamentos para infecções oportunistas pagou o programa de combate à AIDS.

Mas esse projeto só pôde ter sucesso devido a ações que superaram a simples distribuição de medicamentos. Além das campanhas de esclarecimento, principalmente a do uso da camisinha, um consenso foi lançado para esclarecer os médicos a respeito do uso dos remédios que integram o tratamento. Houve treinamento dos profissionais de saúde da rede pública de atendimento hospitalar, o que contribuiu para diminuir muito o número de prescrições erradas ou não sustentadas pela literatura médica.

Os países do primeiro mundo acreditam que o uso dos remédios antiretrovirais no terceiro mundo - em especial, na África - poderia gerar um vírus sobre o qual as drogas atuais não surtiriam mais efeito. O mundo, então, estaria ameaçado por um vírus extremamente resistente. O programa brasileiro prova que essa teoria não é cabível. O percentual de resistência primária (na qual o indivíduo já chega no hospital com o vírus resistente) é muito pequena aqui, comparando-se à Europa e aos Estados Unidos, que usam os antiretrovirais há mais tempo. O Brasil deu uma lição de que é possível, sim, levar a frente o tratamento de pacientes de AIDS em países subdesenvolvidos. Se o modelo brasileiro for seguido, não há porque achar que o uso desses medicamentos não daria certo na África."

"A UFRJ tem uma unidade de pesquisa que, entre outras atividades, se dedica ao estudo de medicamentos para tratamento da AIDS. Nós participamos de estudos internacionais, fazendo a avaliação de vacinas preventivas contra o HIV - ou seja, elas seriam feitas para a prevenção, funcionando da mesma forma que uma vacina comum. Depois de vacinada, a pessoa poderia entrar em contato com o vírus, que não desenvolveria a doença.

O HESFA abriga um projeto chamado Projeto Praça Onze, que testa algumas vacinas desenvolvidas numa rede mundial patrocinada pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Os testes são realizados com produtos intramusculares, em pessoas saudáveis, que não têm HIV, e que se candidatam a participar. Uma de nossas vacinas é feita à base de um adenovírus - causador de problemas no sistema respiratório - modificado. Dentro dele colocamos uma cópia de fragmento do HIV, e com isso a pessoa desenvolve anticorpos e células de defesa contra o causador da AIDS. Existem dezenas de outros produtos sendo testados nessa rede e em outras redes, inclusive formadas por ONGs. Mas o adenovírus é, no momento, a principal linha de pesquisa.

Os testes estão todos em sua fase inicial, a chamada fase 1, que verifica a segurança do produto, sem testar, ainda, a sua eficácia. Se for seguro num número limitado de pessoas, elas passarão para uma nova fase - a 2B -, que deve se iniciar ainda no fim desse ano, e que, de forma ampliada, deverá incluir entre 2000 e 2500 voluntários no mundo inteiro. Só então os pesquisadores vão poder saber se essa vacina tem alguma eficácia na prevenção da doença.

Sendo realista, em alguns anos é possível que nós tenhamos algumas respostas. Mas tudo no HIV é complicado. Quando surgiu o AZT, em 1987, todo mundo ficou animado. Dois anos depois, vimos que ele não funcionava sozinho. Hoje, aqui na farmácia, nós temos em torno de 19 tipos de remédios diferentes para o combate do vírus. Então, com a vacina, mesmo que tenhamos alguns problemas no início, sabemos que caminho seguir, ela é a única forma verdadeira de se controlar essa epidemia."