História Viva
20.06.2005
Gente que cuida de gente  
Taísa Gamboa
             

Dia 12 de maio se comemora o Dia do Enfermeiro. Assim como outras datas é uma oportunidade para se analisar a profissão, pensar na situação atual, nas mudanças, no que se deseja para o futuro; e de reencontrar colegas de trabalho, amigos e antigos mestres.
Desentendimentos entre a equipe médica e o núcleo de enfermeiras; casos clínicos raros; partos; cirurgias; dores; mortes; recuperação e vida. São esses os elementos que permeiam o dia-a-dia de uma enfermeira de um grande hospital. Lúcia Maria Botto Polido Loureiro, de 51 anos, é Diretora Adjunta Acadêmica da Enfermagem do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, e diz que apesar das adversidades, nunca se arrependeu de ter escolhido a profissão.

Professora da Escola de Enfermagem Anna Nery há 26 anos, Polido trabalhou no Hospital Universitário de 1977 a 1980, quando foi convidada a lecionar na Escola de Enfermagem da UFRJ. Seguiu o magistério, e dessa forma conseguiu unir duas paixões: ensinar e cuidar das pessoas. Nas aulas, a enfermeira ensina aos alunos como lidar com as pessoas e seu sofrimento. Acompanha os alunos no Hospital Universitário, ensinando-lhes na prática a arte de "enfermar". Assim, ela mantém contato com as duas áreas, leciona e pratica a enfermagem.

Lúcia Maria sempre fala com emoção da profissão que escolheu ainda menina. Ao vivenciar um problema de saúde familiar, ela percebeu como é importante o cuidado com o paciente. Na época do vestibular, teve a oportunidade de conversar com uma enfermeira e ficou encantada com a atividade descrita pela profissional. Segundo ela, a enfermagem é uma atividade diferenciada da medicina, pois a primeira cuida da pessoa para que ela se recupere, e, o segundo, cuida da doença.

Mas nem tudo são flores. Os enfermeiros enfrentam problemas com a falta de reconhecimento, a falta de compromisso dos próprios profissionais e a carência de infra-estrutura para desenvolver um bom trabalho de enfermagem. Polido afirma que falta envolvimento em todos os níveis, dos alunos aos doutores. E isso às vezes a surpreende; ela acredita que a área da saúde exige muita dedicação e o compromisso de estar ali fazendo aquilo com carinho, respeito e atenção.

Outro problema enfrentado pela categoria é a comparação com os médicos. De modo geral, as pessoas ainda não conseguiram perceber a diferença entre as profissões. Historicamente, a medicina proporciona o status do conhecimento e do reconhecimento, até no que tange à remuneração e condições de trabalho. Os motivos que levam muitos profissionais à escolher a enfermagem são muitos, mas quase sempre não produzem orgulho. Ser mais fácil que medicina, exigir menos tempo de estudo e a possibilidade de se estabelecer uma ponte interna para a medicina são as justificativas de quem opta pela enfermagem na grande maioria. O enfermeiro cuida exclusivamente da pessoa, tem um relacionamento mais próximo com o paciente, e o auxilia a lidar com os problemas emocionais provocados pela doença. O médico, como já foi dito anteriormente, tem como foco a doença.

Além disso, os enfermeiros, assim como outros profissionais, enfrentam, vez por outra, problemas éticos. Polido lembra-se de certa vez que uma colega de profissão da equipe médica informou às enfermeiras que não seria necessário fazer qualquer tipo de procedimento de enfermagem com um determinado paciente, já em estado terminal. Ela alegava que ele não exigiria mais cuidados básicos, como higiene e conforto. Mesmo assim, algumas enfermeiras (inclusive Polido) insistiram em cuidar do tal paciente, que teve melhora significativa, saindo do quadro de terminalidade. Para Lúcia Maria, foi, sem dúvida nenhuma, um erro de percepção e ética médica grave.

Não raro surgem nos hospitais alguns casos curiosos e interessantes, que chamam a atenção de toda a equipe do hospital e exigem cuidados especiais dos enfermeiros. São doenças e sintomas até então pouco conhecidos, que necessitam maior dedicação e pesquisa. Invariavelmente, essas pessoas passam a sofrer, pelo menos inicialmente, o medo do desconhecido. A incerteza da existência de cura, ou da presença ou não de seqüelas, são os principais motivos para tal. Nesses casos, a presença e atuação diária do enfermeiro tornam-se indispensáveis para a recuperação saudável do paciente.

Polido comenta que hoje os enfermeiros sofrem grande concorrência. Quando se formou, o mercado era tão grande, que era possível escolher em qual clínica ou hospital se desejava trabalhar. Mas já não é mais assim. Hoje em dia, a própria redução das ofertas de trabalho, e o baixo piso salarial, fizeram com que as pessoas fossem obrigadas a ter dois empregos, e a buscarem melhores postos de trabalho; nem que isso signifique atrapalhar os outros profissionais. A enfermeira pensa que, essa busca leva a uma competição dentro da própria profissão, mas quem é bom, o será em qualquer lugar.

O lado emocional do paciente é outro fator de extrema importância. Antigamente, as pessoas eram tratadas em casa, com o médico da família. Com o avanço da ciência, ocorreu um deslocamento dessa assistência para os hospitais. E desde então, os doentes são alocados em ambientes estranhos, com hábitos e pessoas diferentes. Só que isso ocorre justamente num momento de debilidade, o que pode potencializar problemas psicológicos e por fim, o de saúde. Com o cotidiano alterado, cada pessoa reage de uma forma, algumas extravasam, seja falando ou chorando, e outras sentem dor. Assim percebemos a importância dos enfermeiros: cuidam dos pacientes de forma a amenizar-lhes os problemas causados pela doença com carinho, respeito e atenção. Ser enfermeiro é cuidar com técnica, mas sem jamais esquecer o lado humano: as dores de todas as formas, as preocupações, a solidão e os medos que todos temos, concluiu Polido.