José
Luiz de Sá Cavalcanti
Diretor do Instituto de Neurologia Deolindo Couto
"Existe a eutanásia, que consiste em contribuir para
que a pessoa morra de alguma maneira por um procedimento, que antecipe
a morte. Já a ortotanásia seria aplicada a um paciente em
fase terminal, em que as medidas terapêuticas só prolongariam
a vida, mas numa condição extremamente ruim para ele e conseqüentemente
para a sociedade, sem qualidade de vida. É uma eutanásia
em que o médico não contribui para que o indivíduo
morra, não assume riscos e nem procedimentos extraordinários
para prolongar algo que seria só o batimento cardíaco, por
exemplo.
Antecipar
o processo da morte é algo absolutamente ilegal, e nenhum serviço,
médico ou professor deve contribuir para isso.
Esta questão levanta a discussão de quem pode julgar a qualidade
de vida. O nível dessa qualidade é algo extremamente subjetivo,
porque pode haver um velhinho em cadeira de rodas, que consiga obter grandes
prazeres e achar que tem uma boa qualidade de vida. Outro exemplo são
os pacientes dementes, que criam um mundo à parte e são
felizes nele.
O grande problema
da ortotanásia ou eutanásia passiva seria exatamente nas
unidades de terapia intensiva que lidam com pacientes limítrofes.
Onde a mobilização de qualquer recurso é de alto
custo financeiro, social e familiar.
Se o paciente
estiver clinicamente classificado como lúcido, capaz de gerir a
própria pessoa, ele pode escolher não se tratar de um câncer
de pulmão, por exemplo. Diante desta recusa, o médico pode
também se negar a continuar o acompanhamento do doente.
Eu acredito
que não deve ter projeto de lei ou leis que estabeleçam
esta prática. Dentro do que se entende que seja o exercício
de uma profissão de saúde, especialmente a medicina, não
se pode estabelecer nenhuma lei que pretenda administrar coisas que são
pontuais em cada caso de relacionamento interpessoal, intrafamiliar ou
dentro do grupo.
O que deve ser
aplicado é o cerceamento do bom censo, da experiência e do
exercício profissional. Eu sou responsável pelas minhas
atitudes como médico, então para que existir lei?
Outro ponto chave, é que todo sistema que é cerceador, também
é corruptor. Porque irá gerar uma dúvida sobre quais
médicos decidirão a aplicação da ortotanásia?
Do mesmo serviço, o chefe de equipe e o plantonista? Se um subordinado
decidir o contrário o chefe pode despedí-lo. Gera um corporativismo
da morte, ou da decisão da vida do outro. Eu acho que ter mais
de uma opinião para tomar uma decisão médica, isso
é prudência, não uma lei. Se existe um caso onde há
dúvida, pode solicitar opinião ou mais de uma opinião
e isto já é uma prática comum."
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Roberto
Blanco
Coordenador de Medicina Legal
"Diversos
autores ora entendem que ortotanásia e eutanásia têm
o mesmo significado, ora afirmam que representam condutas diferentes.
Todos concordam, porém, que a situação reflete
a maneira como o médico se comporta diante do paciente que está
morrendo e que solicita ao médico assistente, ou plantonista,
que o deixe morrer, sem a utilização de meios heróicos,
invasivos, estressantes, dolorosos etc.
Ou então,
nos casos em que o paciente estando sem condições de exercer
a sua própria vontade, estando em condições consideradas
terminais, os familiares solicitem o mesmo procedimento do médico
assistente ou plantonista.
Como proceder
considerando os diversos Princípios, Direitos e Garantias Fundamentais
propostos pela Constituição da República Federativa
do Brasil, as proposições da Bioética , as determinações
do Código de Ética Médica, o sofrimento do paciente
e dos familiares e, finalmente, as exigências da legislação
penal vigente: entendendo que a eutanásia é uma forma
de homicídio privilegiado, eis que, em tese, o autor mata um
ser humano por motivo de relevante valor moral: piedade!
Este relevante valor moral é aceito pela doutrina penal quando
o autor, responsabilizado pela morte da vítima agiu com o objetivo
primordial de terminar com o sofrimento de alguém que, apesar
dos cuidados médicos disponíveis, não tinha qualquer
probabilidade de cura ou de receber algum tipo de procedimento terapêutico
que lhe reduzisse o sofrimento e/ou lhe proporcionasse razoável
qualidade de vida.
Embora este
tipo de procedimento seja motivado pela piedade diante do sofrimento
incontrolável da vítima, a eutanásia, no Brasil,
é tipificada como crime de homicídio.
Ortotanásia
não é eutanásia . Como se depreende, de pronto,
a partir da etimologia da palavra, alguns autores compreendem que Ortotanásia
não corresponderia à mesma conduta que a Eutanásia,
onde o radical "orto" significa correto, direito, certo, pode-se
admitir que ortotanásia seria a "maneira correta, certa,
natural, adequada de morrer.
É neste momento que as controvérsias começam a
proliferar. Muitos outros autores entendem que a eutanásia passiva
e ortotanásia são termos sinônimos.
A simples observação de que a eutanásia, no Brasil,
como vimos anteriormente, é punida como homicídio, embora
privilegiado, permite concluir não que é uma conduta legal
em nosso País. Assim, fere, mortalmente, a idéia de que
os termos sejam sinônimos, se nos filiarmos à corrente
doutrinária que insiste que ortotanásia é uma forma
correta de morrer.
Assim, entendendo que eutanásia e ortotanásia são
conceitos diferentes. A ortotanásia é um tipo de morte
em que os médicos utilizam todos os recursos disponíveis
para manter o paciente vivo, sem, entretanto, utilizar procedimentos
invasivos desnecessários, dolorosos, estressantes para a manutenção
ou prolongamento da vida do paciente.
Ortotanásia, com o significado de algum procedimento diferente
da eutanásia passiva, só seria possível na ausência
do médico assistente ou plantonista, e em ambientes onde os presentes,
sem os recursos da moderna tecnologia médica, oferecessem o máximo
de atenção disponível ao paciente que se considera
sem possibilidades terapêuticas (terminal), sem que lhe tenha
sido negada qualquer oportunidade de viver, de acordo com as circunstâncias
existentes no momento.
Quanto à probabilidade de legitimação desta conduta
em nosso País, consideradas as repetitivas crises político-ideológicas
que envolvem o nosso sistema de Saúde e o permanente problema
de escassez de leitos nas UTIs de Hospitais Públicos corre o
risco de encontrar um novo tipo de solução: deixar que
os pacientes que estão internados há muito tempo, sem
grandes perspectivas de melhorar, morram, naturalmente, sem sofrimento,
sem a introdução de recursos invasivos e heróicos
que possam eventualmente prolongar-lhes a vida. Assim, correríamos
o risco de utilizar este procedimento como uma oportunidade perversa
de renovar, com maior freqüência, as escassas vagas nas Unidades
de Terapia Intensiva. Estes médicos entenderão que estão
praticando ortotanásia, e não o crime de eutanásia
passiva.
Enquanto isso, em Hospitais particulares, onde cada dia de hospitalização
na UTI pode representa lucro para a Empresa de Assistência Médica,
aqueles mesmos médicos, os que não tinham qualquer dúvida
quanto ao procedimento a seguir naqueles pacientes hospitalizados, agora,
tornam-se médicos extremamente dedicados que tudo farão
para justificar os procedimentos médicos que utilizarão
no paciente que sabem que vai morrer em pouco tempo...
Assim, embora esta
conclusão esteja baseada em minha experiência pessoal,
ainda não concordo com a prática da eutanásia,
passiva ou ativa.
Mais tarde aprendi, a duras penas, que, não raro, aquele tipo
de sofrimento atinge mais ao espectador, principalmente o médico,
que se vê impotente diante da marcha da doença, do que
ao próprio paciente, muitas vezes entorpecido ou inconsciente.
Por todas essas razões, não compreendendo como seria possível
praticar a ortotanásia, sem confundir-me com a prática
da eutanásia passiva, não posso ser favorável a
este tipo de ortotanásia.
Por ora, com as controvérsias existentes, não estaria
dizendo qualquer absurdo se admitíssemos que esta decisão
deve ficar por conta dos médicos que trabalham nas UTIs, da mesma
forma que, sem dúvidas, no sigilo dos atendimentos médicos
mais reservados, esta decisão já está sendo tomada
há séculos. Por isso, quando essas condutas são
eventualmente praticadas, nem sempre o verdadeiro procedimento chega
ao prontuário.
Entregar esta delicada missão a outros profissionais, estranhos
à área da Medicina seria como entregar ao cego de nascença
o julgamento a respeito da rosa mais bonita em uma exposição.
Há séculos o ser humano discute os mistérios da
vida e da morte. Enfim, por que imaginar que o projeto de Lei a respeito
da ortotanásia, com a fantasia de que não se trata de
eutanásia, não deverá ser aprovado pelo nosso Congresso
Nacional? Quem viver, verá!"
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