• Edição 268
  • 1 de setembro de 2011

Faces e Interfaces

O padrão é correr riscos

Rafael Gonzaga e Nathália Machado

O padrão de beleza é definido por uma série de fatores que, em conjunto, articulam o modelo de estética tido como ideal em determinada sociedade. Dentre tais elementos, é possível citar a cultura como agente fundamental, além do período histórico vivenciado. O que, na antiguidade, era considerado belo, hoje em dia é tido como estranho ou fora de contexto. Discute-se a problemática originada através da valorização excessiva da imagem no convívio social atual, resultado da busca desmedida pela perfeição idealizada marcada por tais estereótipos de beleza que, muitas vezes, colocam em risco a saúde do indivíduo.

Para falar sobre o assunto o Olhar Vital ouviu a opinião das professoras Mirian Goldenberg e Isabel Fortes.

Mirian Goldenberg

Professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ifcs/UFRJ), doutora em Antropologia Social e autora de O corpo como capital.


“Determinado modelo de corpo, na cultura brasileira contemporânea, é uma riqueza, talvez a mais desejada pelos indivíduos das camadas médias urbanas e também das camadas mais pobres, que percebem seu corpo como um importante veículo de ascensão social e, também, um importante capital no mercado de trabalho, no mercado de casamento e no mercado sexual. Nesse sentido, além de um capital físico, o corpo é, também, capital simbólico, econômico e social. No entanto, é preciso ressaltar que esse corpo capital não é um corpo qualquer. É um corpo que deve ser sempre sexy, jovem, magro e em boa forma. Um corpo conquistado por meio de um enorme investimento financeiro, muito trabalho e uma boa dose de sacrifício.

No Brasil, e mais particularmente no Rio de Janeiro, o corpo trabalhado, cuidado, sem marcas indesejáveis (rugas, estrias, celulites, manchas) e sem excessos (gordura, flacidez) é o único que, mesmo sem roupas, está decentemente vestido.

Pode-se pensar, neste sentido, que, além do corpo ser muito mais importante do que a roupa, ele é a verdadeira roupa. É o corpo que deve ser exibido, moldado, manipulado, trabalhado, costurado, enfeitado, escolhido, construído, produzido e imitado. É o corpo que entra e sai da moda. A roupa, neste caso, é apenas um acessório para a valorização e exposição do corpo capital. Pode-se dizer que ter ‘o corpo’, com tudo o que ele simboliza, promove nos brasileiros uma conformidade a um estilo de vida e a um conjunto de normas de conduta, recompensada pela gratificação de pertencer a um grupo de valor superior.

Com a ideia de que o corpo, no Brasil, é um verdadeiro capital é possível compreender por que as mulheres brasileiras — logo após as norte-americanas — são as maiores consumidoras de cirurgia plástica estética em todo o mundo. São preenchimentos faciais, botox, tintura para cabelo e outros inúmeros procedimentos para se conquistar ‘o corpo’.

Pode-se entender também por que pré-adolescentes atrasam a menstruação com hormônios para ficarem mais altas, ou tomam pílula anticoncepcional para se verem livre de espinhas e aplicam ácido na pele a fim de torná-la mais clara, lisa, perfeita.”

Isabel Fortes

Professora visitante do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia (IP/UFRJ) e membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos

A busca da beleza pode ser uma busca do belo como algo importante para alimentar a vida, ou pode ser uma busca como enquadramento em modelos do corpo belo como padrão, sendo este estritamente o corpo jovem e magro. A beleza e a saúde se tornaram, hoje, infelizmente, ideais normativos de moralidade. Uma pessoa pode cometer excessos ao buscar a beleza por não aceitar a perda do corpo jovem ou as transições rumo ao envelhecimento e por não suportar que as imperfeições façam parte de nosso ser. Ela necessita encaixar-se no modelo daquilo que a cultura e o outro ditam como norma. O resultado é a transformação do belo como alimento e potência da vida em fixação doentia.

A vaidade precoce também é um dos sinais da grande importância que o corpo apresenta no contexto atual. Notícias recentes apontam uma nova prática a favor da estética: pré-adolescentes interferem em seu metabolismo natural, ingerindo hormônios que adiam a menstruação com o objetivo de ganhar alguns centímetros a mais.

Na sociedade atual, o corpo ocupa lugar central, seja pela cultura do fitness, seja pela obsessão com a saúde e com a vida saudável, seja também na psicopatologia, onde cada vez mais  a dor e o sofrimento são externalizados através do corpo. Observa-se, hoje, na clínica psicanalítica que o corpo é palco da produção de novos sintomas.

A insatisfação exagerada com seu próprio corpo e o desejo de aceitação são componentes que podem indicar prévios transtornos psicológicos. Precisamos antes entender o que há por trás da vaidade excessiva. Estaria ela indicando uma dificuldade com a construção da imagem do corpo, com a assunção da própria imagem corporal? Os sintomas que se expressam no corpo podem estar ligados a transtornos alimentares, doenças psicossomáticas, drogadição e outros.”