• Edição 265
  • 30 de junho de 2011

Notícias da Semana

III Jornada de Controle do Tabagismo e Promoção da Saúde no CCS

Rafael Gonzaga

A III Jornada de Controle do Tabagismo e Promoção da Saúde no Centro de Saúde da Ciência (CCS/UFRJ) ocorreu nessa quinta-feira, 30 de junho. O evento cujo slogan era “CCS sem cigarros, uma lição de cidadania”, foi realizado no Auditório Hélio Fraga, bloco K do CCS.

A professora Sônia Soares Costa, presidente da Comissão de Biossegurança do Centro de Ciências da Saúde, abriu os trabalhos enfatizando a renovação anual do compromisso da realização da jornada, que chegou a sua terceira edição. De acordo com a professora, desde junho de 2009, o evento ocorre voltado para a emissão da mensagem de que é necessário manter o ambiente do CCS livre do tabaco.

Convocando os palestrantes convidados a comporem a mesa de debates, a professora Maria Fernanda Santos Quintela da Costa Nunes, decana do CCS, fez uma introdução ao que seria tratado na Jornada, destacando o importante papel que a professora Sônia Soares tem na busca com perseverança e dedicação por um ambiente saudável no Centro. Nessa introdução, exemplificou a temática inclusive com exemplos pessoais, tratando da própria experiência como fumante passiva, quando na década de 1980 trabalhava no subsolo do CCS e dividia sua sala com mais dois fumantes, em um ambiente onde não havia possibilidade de circulação de ar. “Todo mundo é livre sim, mas a minha liberdade acaba onde começa a do outro, assim como também o respeito é fundamental.”

Na sequência, os palestrantes convidados deram início às suas palestras. Graduado e doutorado na UFRJ, com pós-graduação na PUC na área do tabagismo, Carlos Leonardo Pessoa (SOPTERJ-RJ) discorreu sobre o contexto do início e a dificuldade de sair do tabagismo em sua palestra “Tabagismo: a dependência e suas formas de tratamento”. Passando por uma abordagem histórica e sobre os diferentes mecanismos de utilização do tabaco, como cigarros, charutos, narguilés, foi categórico: “Não há forma segura de utilização do tabaco”. Atentou também para o fato de que os números de tabagistas no Brasil melhoraram no decorrer dos anos, apesar de ainda hoje haver uma grande quantidade de usuários do tabaco. Para se ter uma ideia, em 1989 32% da população era tabagista, e até 2008 esse número despencou para 17%, com queda mais expressiva entre os fumantes homens.

A atitude de fumar é hoje a primeira causa evitável de morte no mundo, e fumar está associado com 55 doenças diferentes: o tabagismo é uma doença que precisa ser prevenida e tratada. O doutor Carlos Leonardo abordou os motivos que levam à atitude de fumar, entre eles o genético (maioria dos fumantes tem um dos genitores também fumante), os exemplos paternos, a questão da adolescência, a ideia de que fumar é charmoso, a depressão e a ansiedade. Interagindo com os presentes, o palestrante ratificou sua tese ao questionar com quantos anos os fumantes presentes teriam desenvolvido o hábito de fumar, e as respostas variaram entre idades de 17 até mesmo 12 anos. Falou também sobre o aspecto comercial do fumo.

Segundo o doutor Carlos Leonardo, a indústria empurra as pessoas pro tabagismo: apesar da proibição das propagandas, a indústria sempre busca novas formas de divulgação, seja através da promoção de seus produtos em festas, seja através da demonstração deles na mídia do entretenimento, através de artistas famosos em filmes, por exemplo. “O tabagismo é uma doença que envolve os âmbitos físico, psicológico e de condicionamento”, acrescentou.


No prosseguimento da Jornada, a advogada Cristiane Vianna (Inca-RJ) apresentou a palestra “Avanços e desafios na implementação da convenção-quadro para o controle do tabaco no Brasil”, e Claudia Jurberg, do Programa de Oncobiologia da UFRJ desenvolveu a palestra “Entre dois mundos: o conhecimento dos jovens de diferentes nichos sobre o tabagismo”. A Jornada contou também com a exibição do vídeo documentário “Fumando Espero”, de Adriana Lessa, que um fumante decidido a largar esse hábito faz um estudo sobre a temática, expondo as particularidades da letal indústria do tabaco.

 



Um novo olhar sobre a questão das cobaias humanas

Luana Severiano

Pagar ou não pagar pessoas para desempenhar o papel de cobaia. Eis a questão? Para o médico, antropólogo e professor da University of New York, doutor Roberto Abadie, esse parece ser apenas um dos questionamentos a ser feito e, não, o principal. Interessado mais na subjetividade das pessoas envolvidas nesse processo, tema de seu livro The Professional Guinea Pig (A cobaia profissional), o especialista falou o sobre o assunto em palestra na última quarta-feira (29/06), no auditório do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – Iesc/UFRJ.

Nos Estados Unidos, essa prática de oferecer dinheiro para recrutar “voluntários” na fase 1 dos testes clínicos, na qual se verifica se a droga é segura ou não, é comum. Exigindo apenas que as pessoas sejam saudáveis, sem nenhum tipo de problema psicológico ou crônico, certas pessoas sentem-se atraídas pela oportunidade de ganhar dinheiro, sem a necessidade de ter uma boa qualificação. Contudo, elas acabam por tornar o que seria apenas uma “ajuda remunerada à ciência” em trabalho, muitas vezes, participando de mais de um estudo por vez. Os testes viram o “ganha pão” dessas pessoas.

“Essa minha veia aqui valeu 5 mil dólares”, diz um dos personagens do documentário produzido pelo doutor Roberto Abadie, na Philadelphia, em uma comunidade anarquista, onde desenvolveu o estudo. Mantendo o anonimato de suas fontes, para protegê-las, o antropólogo passou a sua pesquisa focando apenas nos personagens. Quem são essas pessoas? Como escolhem os testes que vão fazer? O quanto o dinheiro permeia a sua decisão de tornar-se uma cobaia? Essas pessoas têm a percepção dos riscos envolvidos?

O que Abadie pode verificar é que a decisão de participar de um teste clínico vem antes do conhecimento dos riscos envolvidos. Vislumbrando nos testes o seu trabalho, as consequências passam a não importar tanto. O que há, segundo palavras do antropólogo, é um desprendimento do corpo e uma profissionalização das cobaias. “É como se eu fosse um segurança de prédio”, diz um dos entrevistados. “Não faço nada. Fico ali parado. Eu deixo as pessoas me pagarem pelo controle que exercem sobre mim”.

Tédio e desconforto. São esses os sentimentos relatados pelas cobaias profissionais entrevistadas. “Solicitam que você suporte algo que lhe aconteça”, completa um outro personagem do estudo. Para Abadie, a indústria farmacêutica é cínica. Atribui a essas pessoas o nome de voluntários, mas na verdade são profissionais. Assinar o termo de consentimento de riscos, mais da uma proteção ao sujeito da pesquisa, é uma forma de eximir a universidade, o Estado e a indústria de qualquer tipo de culpa ou dever maior sobre um possível acidente que venha a acontecer. “Na maioria das vezes, as pessoas não têm conhecimento real dos riscos. Isso vai ocorrendo, de fato, depois que a pessoa já está no teste”, afirma o antropólogo.

A grande questão para Abadie sobre o pagamento dessa atividade é o fato de que o regulamento ético americano reprime o uso de recursos coativos para recrutar voluntário e, nesse caso, nada é feito ou falado. Para o antropólogo, o que fazem com essas pessoas é um tipo de coação. Oferecem dinheiro, altas quantias, a pessoas que necessitam dele, que vem nessa oferta de dinheiro “fácil” seu ganha pão. Perdem sua identidade, ferem suas ideologias, prostituem seu corpo à Ciência. “Qualquer pensamento quanto ao risco é suprimido, pois fazer isso culminaria no não aceitamento da posposta e, logo, não teriam como sobreviver”.

“Não dá para ter uma sociedade desigual e ética ao mesmo tempo”, desabafa Abadie. E isso, continua ele, já ultrapassou o nível da ética. É uma questão de saúde pública, que envolve tanto a proteção desses profissionais, quanto a população que entrará em contato com o remédio. “As cobaias profissionais se submetem a mais de um teste por vez, e a validade dos resultados desses testes acaba tornar-se questionável. O que atinge os consumidores finais”, explica ele.

Assim, Abadie diz que a solução para os Estados Unidos seria o que já existe na União Européia, um registro que mapeasse as participações das pessoas nesses testes. Sobre o Brasil, apesar de elogiar a nossa regulação sobre o assunto, ele duvida da capacidade de controle e de fiscalização dessas práticas. Não por incompetência, mas pelos métodos utilizados por essas empresas para atrair pessoas vulneráveis. “Em tese, não há diferença entre teoria e prática. Mas na prática, tem”.

A fase 1 dos testes clínicos ainda não é realizada no Brasil, mas a 2 e a 3, sim. Contudo, há uma grande probabilidade de que se comece a realizá-la aqui, e as indústrias americanas já vislumbram o Brasil, a China e a Índia como alvo, pois nesses países as pessoas não têm contato com esse tipo de prática ainda e isso para os resultados das pesquisas é bom. Nos EUA, das pessoas que se propõe a participar dos testes, todas já participaram de mais de um. O público alvo já está ficando desgastado. “Há que se ter cuidado”, alerta doutor Roberto Abadie.