• Edição 262
  • 02 de junho de 2011

Faces e Interfaces

Publicidade Infantil: proibir é solução?

Pedro Couto e Mariana Finelli

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados recebeu, no último dia 17, 20 entidades para discutirem o Projeto de Lei 5921/01, que proíbe a publicidade direcionada ao público infantil. Os defensores da medida acreditam que crianças não conseguem distinguir o conteúdo publicitário da programação normal, e a publicidade indiscriminada em todos os horários influencia nas brincadeiras infantis, gera violência e erotização precoce, além de incentivar o consumismo e a obesidade.

Por outro lado, as organizações contrárias ao projeto, a maioria ligada ao mercado de anúncios e de mídia, defendem que o conjunto de normas existentes hoje é suficiente para regular a propaganda dirigida ao público infanto-juvenil, e que a proibição poderia configurar no cerceamento de liberdades como a de expressão e de pensamento.

O projeto aguarda o parecer da CCTCI para ser votado em plenária. Tramitam na Câmara outros projetos de lei que buscam instituir novas regras para as propagandas dirigidas às crianças, como a suspensão dos anúncios publicitários em rádio e televisão das 8h às 18h.

Para analisar a questão da regulação da publicidade e dos seus efeitos nas crianças, o Olhar Vital convidou a professora Claudete Lima, da Escola de Comunicação da UFRJ, e o professor Edson Saggese, do Instituto de Psiquiatria (Ipub/UFRJ).

Claudete Lima

Professora da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ)

“Não sei se sempre, mas do que tenho observado, da década de 80 para cá, todos os segmentos da sociedade têm recebido grande atenção das empresas de comunicação. Ninguém desconhece que, mesmo não comprando, desde muito cedo a criança influencia a decisão de compra.

Não conheço o projeto (PL 5921/01) em detalhes, mas sou contra. Proibir pode ser o caminho mais fácil, mas não é o melhor, seja na publicidade ou em qualquer situação de vida. Mais que ferir a liberdade de expressão (no caso a do emissor), fere o direito à informação (por parte do receptor). Educar não é sinônimo de proibir.

É importante considerar que comprar é também um comportamento apreendido, ou seja, ninguém nasce sabendo comprar. Portanto, a publicidade de boa qualidade, que informa, que expõe os atributos do produto, da marca, que exibe o lado atraente do que está sendo anunciado funciona como um auxílio ao processo de escolha, de tomada de decisão.

Também estipular horário hoje não é a solução. Com o advento da internet, esse controle não existe mais. A solução está na autorregulamentação. O caminho poderia ser o da criação, dentro do próprio Conselho de autorregulamentação publicitária (Conar), de um conselho exclusivo para avaliação da publicidade dirigida ao público infantil.

Penso que estamos vivendo um momento complicado, uma verdadeira onda de proibições, como se as pessoas, inclusive as crianças, não fossem capazes de um mínimo de discernimento. Penso que esse projeto vai na esteira dessa onda negativa. Onda que, pretensamente, combate a intolerância e protege as pessoas, mas que na verdade subtrai-lhes a liberdade, sua naturalidade. O ser humano já perdeu muito de suas defesas físicas, espero que não estejamos caminhando para perder nossas defesas intelectuais.”

 

 

Edson Saggese

Professor do Instituto de Psiquiatria (Ipub-UFRJ)

“A propaganda é tão onipresente e tão importante em nosso modo de produção capitalista atual e atinge amplamente a sociedade, que eu precisava entender um pouco qual seria a especificidade dos efeitos nocivos da propaganda sobre as crianças. O efeito da publicidade é tão generalizado que eu queria entender por que as crianças?

A propaganda pode influenciar negativamente certos eventos, mas sua ação é parcial. Um exemplo disso é a obesidade infantil. Claro que o estímulo ao consumo de alimentos muito calóricos, em geral, doces, pode ser favorecido pela propaganda, no entanto, a obesidade não corresponde só ao efeito da publicidade sobre as crianças. Temos diversos fatores dentro dessa questão. Há uma super-oferta desses produtos, eles são baratos, fáceis de consumir, houve uma diminuição da carga de exercícios infantis.  Tudo isso também se relaciona à obesidade.

O problema: localizar uma causa única e achar que mexendo com essa causa vai haver uma modificação radical de um problema. Se o controle da propaganda visa, por exemplo, à obesidade infantil, ela deve ser implementada junto com outras estratégias para diminuir essa doença.

Quanto ao incentivo à violência, isso é muito mais amplo do que a propaganda pode influenciar. Nós vivemos numa sociedade violenta. Para além da questão da propaganda, temos todo um noticiário diário sobre assuntos de violência. Pensaríamos em censurar isso? Acho que seria algo um pouco mais complicado.

A idolatria é algo que acompanha várias sociedades e a maneira de apresentar seus ídolos podem mudar, mas é parte da estrutura humana criar ídolos. Perante a idolatria, não no sentido religioso, todos nós somos um pouco infantis. Achar que só a criança é infantil é fugir parcialmente da questão. Eu duvido que o controle da propaganda possa evitar o surgimento de ídolos, que podem vir de outras maneiras. Se esses personagens fornecem exemplos positivos ou negativos, isso está em função de todo o conjunto da sociedade e seus valores.

Até quando nós somos infantis? A infância está na criança ou existe uma certa infantilidade do ser humano que explorada pela propaganda que transcende esse período? Então, de certo ponto, todos nós somos infantis. A criança não é inocente. Os sentimentos eróticos fazem parte da vida infantil, mas isso não quer dizer que a criança esteja apta a participar de jogos sexuais com e como os adultos. Muitas das coisas que nós julgamos que as crianças não compreendem em relação à sexualidade humana é uma certa infantilidade dos adultos. Elas têm muito mais percepção do que os pais querem acreditar.


Agora, quanto ao consumo, eu acho que há uma relativa igualdade entre a infantilidade adulta e da criança. Por exemplo, nós temos a questão dos cartões de créditos. Dá-se um pedaço de plástico a uma pessoa que durante um certo tempo tem dinheiro. A pessoa fantasia que tem dinheiro. Isso é fruto apenas da propaganda ou do funcionamento da nossa estrutura social? Se for para controlar a propaganda, talvez tivéssemos que pensar em medidas que estejam além do controle puramente voltado para infância.”