• Edição 254
  • 07 de abril de 2011

Faces e Interfaces

A pílula da polêmica

André Ribeiro e Renata lima

Emagrecer sempre foi algo almejado para todos os que estão acima do peso. Há tempos procuramos formas fáceis para emagrecer, já que para isso normalmente temos que fazer muitos esforços. Nessa busca pelo caminho mais fácil, tropeçamos no próprio pé. Os remédios desenvolvidos como milagres do emagrecimento, aliados à costumeira automedicação existente no nosso país, vêm causando muitos efeitos colaterais.

Segundo pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde em 2009, o percentual de adultos obesos no Brasil já chega a 13,6%, número alto se for levado em conta que milhões de brasileiros convivem com este dilema. Longe deste problema ser solucionado, nosso país enfrenta hoje uma discussão delicada: proibir ou não o uso de medicamentos à base de sibutramina e derivados da anfetamina, principais compostos utilizados no combate à obesidade?

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alega que os riscos oferecidos por esses compostos superam os benefícios no tratamento. A possível proibição desses medicamentos pela Anvisa está gerando um debate que envolve médicos endocrinologistas e a Indústria Farmacêutica. Para esclarecer as vantagens e desvantagens da sibutramina e dos derivados da anfetamina, o Olhar Vital entrevistou dois especialistas da UFRJ na área de saúde.

Ronaldo Franklin de Miranda

Médico do Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Esses remédios, no aparelho circulatório, podem levar à arritmia, aumento de pressão arterial e, em alguns casos, podem levar até ao infarto. Então são remédios que têm efeitos colaterais. Existe uma epidemia de obesidade no momento, e existe um furor para tentar facilitar o emagrecimento. Isso não existe, pois emagrecimento só acontece com dieta e exercícios físicos, a maioria dos trabalhos mostram isso. Em alguns casos, como os dos obesos mórbidos, vem a indicação de cirurgia.

Na verdade o uso dos remédios inibidores de apetite tem um efeito temporário e se o indivíduo não fizer, junto com o remédio, uma mudança de hábito com atividade física e reeducação alimentar, ele ganha o peso perdido, muitas vezes em dobro. Essa falácia da forma fácil de emagrecer não existe.

Hoje o remédio para emagrecer que tem menos efeitos colaterais é o Xenical. Ele se gruda à gordura e ele diminui a absorção da mesma pelo organismo, ou seja, o paciente tem que fazer uma dieta. Ele não consegue, porque as gorduras são os alimentos mais saborosos, então, ele ingere um medicamento que bloqueia a absorção de gordura, logo esse bloqueio leva à diarreia. Esse método é considerado menos danoso; hoje, nos países europeus é o remédio liberado para o tratamento da obesidade. Outros efeitos colaterais, como a diminuição de absorção de vitaminas lipossolúveis podem ser compensados com a reposição dos nutrientes por meio de suplementos.

Na minha opinião, o indivíduo que tenha esse remédio e faça um controle médico rigoroso, ele pode até usar esse remédio. O problema é que no nosso país existe a automedicação, pois as farmácias não têm essa restrição e as coisas nem sempre são da forma que deveriam. A atitude radical de proibir certamente vai fazer com que algumas pessoas que poderiam utilizar o remédio, sob supervisão médica, não o usem, então eu acho que dar ao médico a chance de prescrever a medicação com uma restrição maior deveria ser a melhor opção.

O problema é que hoje há uma proliferação de clínicas de estética, e elas primam por um emagrecimento sem sacrifício e esses remédios são vendidos como uma panaceia para o emagrecimento. Então como existe esse viés e, infelizmente, alguns médicos às vezes estão dentro deste esquema, eles não supervisionam adequadamente os pacientes.

Eu acho que a Anvisa deveria ser rigorosa no controle e obrigar o médico que fez o exame a fazer relatórios trimestrais da evolução do paciente. Isso seria uma forma de fiscalizar o profissional que prescreveu o remédio, fazendo-o ter o trabalho de supervisionar os pacientes. Eu acho que o órgão regulador poderia fazer medidas que obrigassem o médico a supervisionar os pacientes periodicamente, para evitar os efeitos colaterais. Eu acho que essa seria uma forma de dar a uma parte da população, que é o grande obeso, a chance de usar essa medicação com supervisão médica. Pois o grande obeso é aquele que vai morrer de infarto e que provavelmente vai se beneficiar desse remédio antes de uma cirurgia bariátrica.

O que é preciso é acabar com a liberalidade do uso desses remédios sem controle. Infelizmente eu acho que essa atitude foi muito radical, mas, às vezes, para poder ter o controle são precisas atitudes radicais. O meu medo é que se crie um mercado negro dos remédios para emagrecer, que se elevem muito o preço desses remédios. Então, eu acho que isso é uma outra coisa, pode-se estar criando uma outra droga para ser controlada, então talvez o melhor seja liberar o remédio sob uma supervisão. Eu acho inclusive, fazendo uma analogia às drogas como a maconha, a cocaína, que se o Estado liberasse o uso desses remédios sob uma supervisão, acabaria com o crime organizado e com uma série de coisas.


Eu acho que o estado, paralelo a isso, deveria criar formas de atividades físicas nas praças, orientação dietética nas escolas, fazer uma regulamentação do uso de frituras nos lanches das crianças, ou seja, ter uma política de prevenção à obesidade maior. Porque todos sabem que a obesidade do adulto reflete na criança obesa, então a partir do momento em que o Estado se preocupar em tratar desde a escola a possibilidade de obesidade, ele faz com que nós tenhamos um adulto mais saudável. A criança tem que ter uma boa educação alimentar, e este é um trabalho que o Estado poderia fazer não só no sentido de proibir que lá no futuro o indivíduo tome o remédio.”

João Regis Carneiro

Médico do Programa de Obesidade Mórbida do Serviço de Nutrologia do HUCFF-UFRJ

“Primeiramente, para discutir a proibição de medicamentos emagrecedores à base de derivados da anfetamina e de sibutramina, devemos separar esses dois grupos, uma vez que são bem distintos.
  
O primeiro grupo, representado por derivados anfetamínicos (anfepramona/dietilpropiona, femproporex e mazindol), não foi inicialmente desenvolvido para uso médico. Seu uso foi bastante difundido na II Guerra Mundial, com o intuito de deixar os soldados alertas e com menos apetite, para assim torná-los mais aptos às condições exigidas pela guerra.

Posteriormente, esses compostos, que atuam em regiões específicas do Hipotálamo, tendo efeito anorexígeno, ou seja, inibem o apetite, foram incorporados ao tratamento da obesidade sem que fossem desenvolvidos muitos estudos específicos na área que pudessem atestar o custo x benefício da sua utilização.

Apesar de promoverem a perda de peso, esses medicamentos podem acarretar muitos efeitos colaterais, como distúrbios cardiovasculares, aumento da frequência cardíaca, além de problemas relacionados ao Sistema Nervoso Central, como euforia, dependência da droga e depressão após a cessação do seu uso.

O que acontece com a anfetamina hoje é que, além de seus efeitos colaterais que trazem altos riscos à saúde, muitas vezes ela é receitada e prescrita indiscriminadamente. Há uma banalização do uso desse medicamento até mesmo por parte da classe médica. Além disso, sua utilização ultrapassa os limites da medicina. A anfetamina, por ser estimulante e alucinatória, pode ser consumida para fins recreativos.

Para se ter noção do quão difundida esta droga é no mercado farmacêutico e em seu uso livre, pesquisas mostram que mais de 85% de pacientes que usam medicamentos à base de anfetamina, não são obesos. A anfetamina é um medicamento potencialmente prejudicial à saúde e seu uso deve ser no mínimo bastante restrito.
 
Já no caso da Sibutramina, desenvolvida para fins médicos, diferentemente dos derivados anfetamínicos, sua forma de atuação não consiste em inibir o apetite. Atua como estimuladora da saciedade, ou seja, a sensação de satisfação é adquirida com uma menor quantidade de comida. É uma droga que tem eficácia e segurança mais bem testadas e apresenta bons resultados em seu uso para determinados grupos de pacientes, especialmente se associadas a estratégias que visem à otimização dos hábitos alimentares e o estímulo à prática de atividades físicas.

A utilização deve ser feita sempre sob prescrição de médico capacitado que também acompanhe a evolução do tratamento. Seus efeitos colaterais parecem ser mais previsíveis e menos danosos que os associados ao uso dos derivados da anfetamina. Minha opinião particular é de que pode ser útil no tratamento do excesso de peso, desde que utilizado de maneira muito criteriosa.

Medicamentos à base de outros compostos, como o Orlistate (único composto que a Anvisa pretende aceitar no tratamento da obesidade) tem uso restrito e limitado. Sua ação é restrita ao tubo digestivo. Entre outros fatores, seu alto custo e as características dos seus efeitos colaterais restringem sua utilização a um grupo seleto de pacientes.


O excesso de peso já se tornou uma questão endêmica, sem muitas alternativas para seu tratamento. No Brasil, a obesidade já supera há muitos anos a desnutrição. Este é um assunto para ser tratado com cautela. Acho inclusive que ao discutir mais profundamente esta questão ao invés de simplesmente proibir a venda desses medicamentos, o Brasil assume uma atitude sensata e, porque não dizer acertada, uma vez que várias entidades e sociedades médicas ligadas ao estudo deste tema já se posicionaram favoráveis à ideia, de refletir melhor sobre estas questões”.