• Edição 232
  • 09 de setembro de 2010

Ciência e Vida

Muito além da AIDS

Laboratório da UFRJ revela mudanças nas causas de óbito em soropositivos

Michelly Rosa

As chamadas “doenças oportunistas” não mais se classificam como principais causadoras de morte em portadores de HIV. Um estudo do Laboratório de Pesquisas em Aids, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), concluiu que, nos últimos anos, doenças normalmente não associadas à Aids causaram mais mortes em soropositivos do que as doenças tipicamente ligadas à doença no Brasil.

A pesquisa revela também que taxas de óbito por doenças cardiovasculares aumentaram muito mais rápido entre soropositivos do que no restante da população. De acordo com Mauro Schechter, professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e chefe do laboratório, o que os resultados revelam é uma mudança nas causas de morte em pacientes com HIV, mas ressalta que “houve uma estabilização nas taxas de óbito em pacientes com HIV. Após essa estabilização houve mudanças. As pessoas morriam mais de doenças tradicionalmente relacionadas à Aids. A frequência dessas causas diminuiu e a incidência de outras causas aumentou”.

Os resultados do grupo são claros: de 1999 a 2004 a porcentagem de óbitos por doenças “atípicas” subiu de 16,3% para 24,1%, o que representa quase 15 mil mortes no período. Entre esses, mortes por doenças cardiovasculares somaram 3.746 casos.

Em comparação com não portadores da doença, os soropositivos brasileiros tiveram aumento quase dez vezes maior nos casos de morte por doenças cardiovasculares. Para Mauro, isso pode representar problema no processo de tratamento de soropositivos no sistema de saúde brasileiro. “Contrariamente ao que se imagina, essas doenças são relacionadas ao HIV de alguma forma. Além disso, os resultados podem indicar que alguns medicamentos utilizados para o tratamento do HIV podem aumentar o risco de problemas cardiovasculares”, revela o médico.

Além disso, problemas com o acesso a remédios, com disponibilidade na execução de exames, somados à dificuldade de interação entre departamentos médicos, dificultam a análise de outras doenças, como problemas decorrentes do tabagismo. “A população portadora de HIV é um grupo que se destaca no consumo de cigarro. Um tratamento multidisciplinar, como uma forma de integração entre as áreas da medicina com pessoas responsáveis por atentar a questões além do HIV pode ser uma alternativa para a melhoria nesses casos”.

Outra questão levantada pelo professor é a falta de diálogo entre médicos e pacientes. “A Aids é uma doença que chama muito a atenção pela divulgação na mídia, com isso, os médicos acabam negligenciando outros problemas. É necessário que o médico converse com o paciente soropositivo também sobre alimentação, sedentarismo, tabagismo, para evitar doenças comuns do ser humano que também atingem soropositivos”, analisa o médico. “Você consegue que o paciente não morra de HIV, mas a pessoa acaba morrendo por outras doenças”, conclui Schechter.