• Edição 229
  • 19 de agosto de 2010

Faces e Interfaces

Parto em casa: saúde ou risco?

Michelly Rosa e Vivian Langer

A volta à opção por parto caseiro em grande parte das grávidas atuais traz novamente a discussão polêmica sobre o assunto. O método foi adotado também por celebridades como Gisele Bündchen e Fernanda Lima e causa discussão entre médicos e profissionais da área de obstetrícia.

O parto caseiro geralmente é realizado por parteiras que utilizam as mesmas ferramentas dos médicos para extrair a placenta e contrair o útero. Porém, apesar de grandes campanhas para incentivo a esta alternativa, muitos médicos ainda acreditam que a melhor maneira de se executar um parto é em um hospital.

Diante disso, o Olhar Vital convidou dois médicos obstetras da Maternidade Escola para falar sobre o assunto.

Ivo Basílio da Costa Júnior

Mestre em Obstetrícia, coordenador da Residência em Obstetrícia da UFRJ e coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Maternidade Escola da UFRJ

“Antes de mais nada, é importante destacar que esse é um assunto ainda muito polêmico, tanto no âmbito da medicina pública, como privada.

O último levantamento do Ministério da Saúde, realizado em 2007, indica que, naquele ano, foram realizados 35,7 mil partos domiciliares no país – uma queda de 20% em relação a 2003. Podemos apontar maior acesso à rede hospitalar como principal fator da queda. Desses 35,7 mil partos realizados em casa em 2007, 18,5 mil foram no Norte e 12,9 mil no Nordeste, regiões sabidamente deficientes em termos de saúde pública, já que os números são bem menores no Sudeste (2.500), Centro-Oeste (916) e Sul (830).

Entre as vantagens do procedimento, já difundidas na literatura, estariam a participação da família, em um ambiente acolhedor da residência da mulher, onde haveria segurança contra infecções hospitalares, além do respeito a crenças e valores, contribuindo desta forma para uma experiência significativa.

Mas nenhuma dessas supostas vantagens supera as desvantagens de um parto domiciliar no que tange aos riscos, que tanto a mulher como o recém nascido correm. Muitas vezes sou questionado sobre o que é o parto normal. E a resposta é simples: parto normal é aquele em que tanto a mãe como seu bebê ficam bem e com saúde após o mesmo, independente se o bebê nasceu pela via transvaginal ou pela cesariana.

Parto normal não é para quem quer e, sim, para quem pode. Ou seja, muito embora a mulher esteja motivada, orientada e assistida corretamente na hora do parto, muitas vezes surgem complicações, hemorragias, paradas de progressão, ou sofrimento fetal agudo durante o trabalho de parto, que, na maioria das vezes, exigem conduta imediata e cirúrgica, impossível de ser oferecida no ambiente domiciliar. Seria deixar à própria sorte um parto que pode começar bem, mas que pode terminar muito mal sem a assistência adequada.

Mesmo com um médico obstetra e um pediatra no domicílio da gestante, sem os recursos adequados e que só estão disponíveis no ambiente hospitalar, os riscos para a mãe e o bebê seriam enormes. Nada, mas nada mesmo compensa a perda de um feto ou mesmo da mãe. Querer defender o parto domiciliar é um retrocesso, pois os riscos são infinitamente maiores do que os benefícios. Dizer o contrário é uma temeridade.

Dessa forma, sou contra e não recomendo o parto domiciliar, quando se tem a opção do parto hospitalar, porque os riscos superam em muito os benefícios. Um ambiente hospitalar, com equipe multidisciplinar atenciosa e carinhosa, eficiente e que permita à gestante e seu acompanhante a tranquilidade necessária nesse momento tão importante torna o parto muito mais humanizado e seguro. E é pela segurança ou pela falta dela no ambiente domiciliar, que não recomendo esse tipo de parto. Mas se não tiver jeito e a gestante estiver decidida, saiba que terá que escolher uma equipe profissional competente, devidamente aparelhada e disposta a correr com ela os riscos dessa aventura.” 

Evelise Pochmann

Professora associada, chefe do departamento de ginecologia e obstetrícia da Maternidade Escola.

“As mulheres atualmente não têm o mesmo estilo de vida antigo. A vida é muito mais atribulada, tem diversas jornadas ao dia e, com isso, todo o sistema endócrino tem uma transformação de acordo com o estilo de vida. A tensão do dia a dia modifica os padrões.

Hoje, a gestante não fica grávida até 40 semanas, 41, que era o tempo normal de gestação, ela fica mais tempo, pois seu sistema não permite que ela entre em trabalho de parto.

Com isso, há  atualmente maior quantidade de gestações prolongadas, pois a mulher não tem calma e paz para entrar em trabalho de parto naturalmente. Além disso, a mulher trabalha até a última hora, com funções a cumprir dentro da sociedade.

Além disso, existem hoje mais patologias nas gestações, como gravidez com diabetes ou pressão alta; poucas são as mulheres  que mantêm a gravidez sem nenhuma doença associada.

Com essas doenças, a mulher não tem infraestrutura domiciliar para intervir em qualquer transtorno que possa haver durante o trabalho de parto. Se tiver uma convulsão ou algum problema não há como salvar a criança ou mãe.

Antigamente, crianças morriam durante e após o parto, porque era em casa. Os partos dentro do hospital diminuíram a mortalidade infantil, por isso, o estímulo ao parto domiciliar pode trazer de volta as estatísticas de mortalidade antigas.

Parto normal é aquele em que a criança e a mãe saem bem do parto, aquele que a mãe sai dizendo que quer outro filho.

Outro fator é  que as anestesias peridurais proporcionam à mulher um  parto quase indolor. As mulheres de hoje em dia são menos predispostas a sentir dor. Isso não pode ocorrer num parto dentro de casa.

O lugar de parto ideal é um local humanizado, com parto adequado, com profissionais adequados, com mãe e bebê sem riscos à saúde. Portanto, parto normal sim, parto em casa não.”