• Edição 225
  • 22 de julho de 2010

Por uma boa causa

Qual o limite do corpo humano?

Evolução do treinamento desportivo pode ter chegado ao auge

Thiago Etchatz


Na virada para o século XXI, o esporte se consolidou como um grande negócio do mundo globalizado. O investimento dos patrocinadores, principalmente da televisão, veio acompanhado pela profissionalização dos atletas, antes tidos como amadores, e consequentemente da evolução do treinamento físico e mental, propiciada por avanços das ciências. A 3ª edição da série Por uma boa causa sobre os impactos da prática esportiva traz a tona os seguintes questionamentos: qual o limite do corpo humano? Ele está próximo diante da contínua evolução da preparação esportiva?

Tais perguntas ganham força frequentemente quando são quebrados recordes, sejam índices do atletismo, natação ou mesmo no caso da recente partida de tênis, pela primeira rodada do torneio de Wimbledom, em que o estadunidense Jonh Isner venceu o francês Nicolas Mahut por 70/68 no quinto set, após 11 horas e 6 minutos, partida dividida em três dias. Recorde de duração de um jogo, número de games e aces.

Nos esportes coletivos, a evolução do condicionamento dos atletas se reflete na dinâmica do jogo, na diminuição dos espaços, que leva à discussão entorno da mudança de regras, das dimensões de quadras e campos ou mesmo do número de atletas por equipe. Em 1998, a Federação Internacional de Voleibol (FIVB) criou a posição do líbero, um jogador que apenas defende, para manter a bola por mais tempo no ar em disputa, tendo em vista a evolução da força e agilidade dos ataques.

Um sinal dos tempos atuais é o deslocamento dos jogadores durante a partida de futebol. Hoje, a tecnologia possibilita esse cálculo e mesmo a intensidade do exercício através de um software que utiliza as imagens do jogo. Artifício já utilizado em transmissões televisivas, que costumam exibir o quanto cada jogador percorreu no momento da substituição. Em média, um jogador, exceto o goleiro, percorre cerca de 9 a 12 quilômetros em 90 minutos. Sem contar com o auxílio da tecnologia, profissionais do esporte apontam que, até a década de 1970, um atleta de futebol percorria em média a metade da marca atual.

Questionado sobre a proximidade do limite da capacidade física do corpo humano, o professor doutor José Fernandes Filho, da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD/UFRJ), afirma que “ainda falta muito tempo para o organismo humano chegar a seu limite. Desde 1912, quando as marcas dos atletas que completavam as provas de 100 metros (do atletismo) foram oficialmente registradas, o recorde da modalidade baixou pouco mais de um segundo. Há quase um século tais recordes vêm sendo quebrados centésimo a centésimo, possibilitando mais um longo tempo pela frente até que o limite seja alcançado.”

A determinação de um possível limite

O professor conta que o pesquisador Gideon Ariel, fundador do Centro Olímpico de Treinamento do Colorado, através de simulações feitas em computador, concluiu que o menor tempo possível para um atleta percorrer 100 metros são 9,6 segundos. De acordo com os cálculos de Ariel, abaixo desse tempo os tendões poderiam se romper e os ossos se quebrariam devido à força empregada para realização do feito.

Entretanto, muitos cientistas contestam essa hipótese, alegando que é impossível determinar um tempo fixo em razão de variáveis como condições ambientais no dia da prova, o perfil genético do atleta e sua preparação psicológica. Fernandes recorda que o jamaicano Usain Bolt alcançou a marca de 9,69 segundos na final olímpica dos 100 metros livres em Pequim 2008, mesmo tendo desacelerado a partir dos últimos 30 metros. Tempo que lhe rendeu a medalha de ouro e o recorde mundial. Jornalistas de todo o mundo comentaram que, caso não tivesse desacelerado, o corredor poderia ter atingido a marca de 9,5 segundos. No Mundial de Berlim 2009, o próprio Bolt baixou o recorde para 9,58 segundos.

Nos últimos anos, dezenas de recordes foram quebrados na natação e um número bem inferior no atletismo. José Fernandes avalia que isso se deve ao uso do material esportivo (as "roupas de tubarão", proibidas pela Federação Internacional de Natação no final de 2009) na natação. E diz que “as marcas obtidas na década de 1980 no atletismo, sem que houvesse uma fiscalização severa, podem ter sido facilitadas por algum tipo de doping até então desconhecido”, o que explicaria a longevidade de alguns recordes.

Filho não acredita na possibilidade de um dia se chegar à perfeição do treinamento e da performance, de modo que os recordes não poderiam ser superados. “Mesmo se chegarmos ao ponto de os atletas alcançarem o ápice de suas potencialidades, sempre existirão as variáveis que trarão barreiras para atrapalhar a performance desses ‘atletas perfeitos’. Diante da evolução tecnológica, do aprimoramento dos treinamentos físicos e acompanhamento psicológico, os quais estão diretamente relacionados, sempre haverá possibilidade de quebra de recordes. Vencerá aquele que conseguir transpor os mínimos detalhes específicos de cada competição.” Por enquanto, a ciência não tem certeza sobre os limites do ser humano.