• Edição 224
  • 15 de julho de 2010

Argumento

Cinema para as donas de casa da Maré


Projeto da EEFD amplia a oferta cultural para mulheres que carecem de lazer

Thiago Etchatz

O novo projeto do grupo de estudos Esquina – Cidade Lazer e Animação Cultural, da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD/UFRJ), é o Cinema para donas de casa da Maré: a produção de sentidos e prazer. O grupo que já promove os projetos Ciclo de Cinema e Infância, o qual recentemente ocorreu a terceira edição, e o Digestivo Cinematográfico, com a exibição de filmes na EEFD durante o horário do almoço, desta vez enxerga na linguagem do cinema uma possibilidade de trabalhar a subjetividade e ampliar a oferta cultural de um público específico, que carece de momentos de lazer. 

Em junho, o projeto foi selecionado em edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). A verba ainda não foi liberada, mas o Esquina conta com apoio da Pró-reitoria de Extensão (PR-5) a direção da EEFD e já trabalha na montagem do grupo que atuará na Maré, assim como na seleção de filmes, do local e estrutura para definir o calendário de exibição. Quinzenalmente, o grupo estará na Maré para exibir filmes, sucedidos por debates, e realizar oficinas de cinema e fotografia com as donas de casa. As obras trarão mulheres como eixo central para a discussão de variados temas referentes à contemporaneidade.  

A professora doutora Angela Brêtas, coordenadora do Esquina – Cidade, Lazer e Animação Cultural, conta que a ideia do projeto com as donas de casa surgiu a partir do que foi realizado ano passado com adolescentes do Ciep César Pernetta, na Maré.

“Exibíamos filmes, fazíamos oficinas, passeios e esporadicamente algumas mães apareciam. Até que uma delas veio falar conosco como era bom passar uma tarde vendo um filme, o que nos despertou a possibilidade de trabalhar com um grupo diferente. Na Maré há muitos projetos, principalmente para crianças e adolescentes e alguns poucos para idosos. Mas para dona de casa, um público bem específico, não há muita coisa. Enxergamos ali uma possibilidade de trabalho e resolvemos investir nisso”, diz a coordenadora.  

Extensão e Pesquisa 

O Cinema para donas de casa da Maré é um projeto de Extensão, mas também de Pesquisa. “Temos o objetivo de ampliar o capital cultural, o acesso a uma determinada linguagem que consideramos importante que é a cinematográfica. Outro é garantir o direito ao lazer ampliando a oferta. No caso das donas de casa, o direito ao lazer tem que ser duramente conquistado. A mulher se envolve com a casa, com toda uma organização e o tempo de lazer precisa ser conquistado na luta”, avalia Brêtas.  

As oficinas cumpririam a função de esclarecer alguns aspectos básicos da construção cinematográfica, “que ampliam a fruição de sentidos, de emoção e informação. Queremos perceber como elas são afetadas por esses filmes que vamos porpor”, afirma a professora. 

De acordo com a experiência do Esquina quanto a exibição cinematográfica, Angela Brêtas avalia que a recepção do público é muitas vezes inesperada. “As abordagens e recepções para a construção de sentidos são múltiplas e isso se dá pela bagagem cultural que o receptor possui, o seu cotidiano. Então estamos pesquisando as teorias de recepção. Tudo isso desemboca nos estudos culturais”.  

O grupo trabalha em cima de cinco questões: como se instalam as preferências e os gostos?; Como se instala a preferência por este ou aquele tipo de filme?; Quais são os aspectos que se destacam nos filmes que escolhemos assistir (a história contada, a música, os atores ou outros) ?; Quais são os fatos da narrativa que prendem a atenção?; E quais são as convenções de mais fácil compreensão e as que dificultam a compreensão? Elas serão investigadas nos debates, entrevistas e questionários respondidos pelas donas de casa.  

“Tentaremos perceber como elas receberão os filmes. Acreditamos que cinema ensina cinema. Quando você assiste a um filme tem um olhar, no seguinte já tem outro olhar e assim sucessivamente. O conjunto de filmes vai aprimorando o olhar numa construção de subjetividade. Acreditamos que essa mudança poderá ser percebida nas conversas que teremos após as exibições”, afirma Angela.  

Seleção de filmes 

A ideia inicial do projeto é trazer para o público filmes com mulheres como personagens centrais e em diferentes situações. Eles ainda não foram definidos, mas sugestões são: Pão e tulipas (2000), de Silvio Soldini; As pontes de Madisson (1995), de Clint Eastwood; Tia Danielle – Perversa e Perigosa (1990), de Étienne Chatiliez; Garotas do Calendário (2003), de Nigel Cole e Irina Palm (2007), de Sam Garbarski. No entanto, após o contato com as donas de casa, elas poderão sugerir filmes.  

“Nossa ideia é que elas passem de consumidoras de cultura à produtoras, desconstruindo a noção de que a cultura necessariamente está relacionada à erudição, a um padrão estético. Entender o que as emociona também é um dos nossos alvos. Queremos ampliar ao máximo a cinematografia, exibindo não apenas o cinema hollywodiano, mas o europeu o asiático e com várias temáticas. Possivelmente, elas apresentarão algum incômodo no início, o que é natural quando estamos acostumados a ver um determinado padrão. A mudança traz estranhamento porque se sai da zona de conforto. Mas isso faz parte desse processo de produção de sentidos”, conclui Brêtas.