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Edição 222
1º de julho de 2010

Ciência e Vida

Pesquisador do Instituto de Bioquímica busca decifrar os mecanismos da memória


Compreensão do comportamento do cérebro ajudaria no tratamento de traumas e da perda de memória


Thiago Etchatz

Em fase de estruturação da equipe e do ambiente de trabalho, Olavo Bohrer Amaral, professor adjunto do Instituto de Bioquímica Médica (IBqM/UFRJ), trabalha no desenvolvimento de protocolos experimentais para estudar a extinção e reconsolidação da memória. Com o entendimento de tais processos, se abre caminho para a modulação da memória e, consequentemente, do tratamento de doenças relacionadas à sua perda, como o Mal de Alzheimer, e transtornos psíquicos, como o estresse pós-traumático.   

O pesquisador reconhece que o Centro de Ciências da Saúde (CCS/UFRJ) possui uma base sólida de estudos de neurociência molecular, contudo carece de trabalhos in vivo na área da neurobiologia, para a análise de funções cognitivas mais complexas como a memória. Desse modo, Olavo - que assumiu como professor do IBqM apenas no último mês de outubro – trabalha no desenvolvimento da sua estrutura de trabalho.  

 “Estamos trabalhando na montagem de um biotério e uma área para estudos comportamentais no Centro Nacional de Biomagem (inaugurado em maio no CCS), que contará com equipamentos de ponta para a análise por imagens de animais vivos, como um aparelho de ressonância magnética para roedores. Assim, conseguiremos aliar estudos de imagem com análises comportamentais em animais”, revela o pesquisador. 

Como funciona a memória  

Hoje, os neurocientistas sabem como se forma inicialmente uma memória a partir do envolvimento de vias bioquímicas, receptores e neurotransmissores. “Conseguimos estudar uma memória simples que é aprendida num momento único. Se consegue estudar como a partir desse momento temos o aprendizado, mas para a maioria das nossas memórias esse não é o caso. A gente está reprocessando, refazendo, reintegrando, desintegrando memórias o tempo todo. Aprendemos as coisas e vamos somando. A memória é constantemente atualizada”, explica Olavo.  

De acordo com o professor, um dos processos mais básicos que ocorrem com a memória a longo prazo é a extinção. “Em ratos, a memória aversiva é aos poucos deixada de lado, quando o estímulo aversivo não está mais presente num determinado contexto. A ideia é que não ocorra um apagamento da memória, mas um aprendizado novo em relação ao mesmo contexto. Há evidências de que não é um apagamento”, diz.  

Já o processo de reconsolidação é mais complexo. “Cada vez que reativamos uma memória precisamos colocar em marcha alguns mecanismos de plasticidade sináptica envolvidos na memória inicial para ela se manter depois que é atualizada. Quando lembramos de algo, precisamos reformar aquela memória de alguma forma”. Desse modo, “queremos saber como o cérebro reage ao lidar com informações contraditórias. Como se modifica aquela memória original? Como o cérebro processa as informações? Será que está guardada em grupos de neurônios diferentes? Será que são os mesmos neurônios, mas muda algo nas conexões? Essas são questões bem vigentes nos estudos da memória, particularmente, nos últimos dez anos e que impulsionam o nosso trabalho”, afirma Olavo.

O projeto do IBqM 

Visando a formulação de um protocolo de extinção e reconsolidação da memória, nessa fase inicial, Olavo Amaral vem utilizando também a neurociência computacional. “A partir da modelagem de redes neurais, tentamos simular uma rede de neurônios simplificada no computador. Podemos colocar nossas regras e fazer testes. É um exercício de pensamento a respeito de como nosso sistema está arquitetado para armazenar memórias. Trabalhar com neurônios específicos de um rato vivo é difícil”, analisa.  

Com esse modelo, o neurocientista espera produzir hipóteses sobre os mecanismos do cérebro para abrigar informações contraditórias. “Será que conseguimos manipular apenas uma de diferentes memórias em relação a um mesmo contexto? A modulação da reconsolidação e da extinção vem sendo proposta como uma maneira de modular uma memória estabelecida, o que faz com que essas perguntas tenham relevância clínica.”  

De acordo com Olavo, alguns estudos clínicos propõem modular a memória para tratar algumas condições psiquiátricas aparentemente envolvidas com memórias funcionais como o estresse pós-traumático. “Nosso intuito é também trabalhar com pessoas que possuem problemas de memória, como no caso do Mal de Alzheimer, através da modulação. Não almejamos trabalhar com pessoas saudáveis tendo em vista a melhora da memória e não queremos apagar qualquer memória, o que é muito difícil”, diz o professor.  

Atualmente, o neurocientista está trabalhando com os primeiros resultados para o desenvolvimento de um protocolo efetivo. “Ainda não chegamos às nossas perguntas, estamos replicando os resultados que já existem, construindo os tijolinhos para respondê-las. Vamos ver se conseguimos analisar ao mesmo tempo duas memórias sobre um mesmo contexto, uma aversiva e outra não, ou duas memórias de localizações espaciais diferentes. Será que conseguimos modular seletivamente só uma das respostas ao mesmo estímulo? Por exemplo, será que podemos modular só a parte traumática de uma memória sem modificar a recordação do evento em si? Se tudo der certo, até o final do ano devemos responder algumas dessas perguntas”, conclui.

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