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Edição 212
15 de abril de 2010

Faces e Interfaces

Como os avanços da pesquisa neurológica podem intervir na sociedade


Michelly Rosa e Marina Lins

Questionamentos sociais, políticos e humanos se associam historicamente a pesquisas tecnológicas e científicas. Desta vez a neurociência está em questão: pesquisas que tornam possível o funcionamento de máquinas através do pensamento e a produção de fármacos capazes de apagar memórias criaram medo dos malefícios que o uso indiscriminado desses inventos pode causar.

Benefícios decorrentes dessas pesquisas já trazem melhorias à sociedade, como mãos mecânicas movidas pelo pensamento. Assim como uma droga capaz de fazer esquecer algum acontecimento pode amenizar ou até dissipar traumas graves.

Para esclarecer acerca dos impactos de avanços neurocientíficos na sociedade, o Olhar Vital consultou o neurocientista e professor da UFRJ Roberto Lent e José Alberto Zusman, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da UFRJ.

Roberto Lent

Professor titular de Neurociência do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, onde também chefia o Laboratório de Pesquisa em Neuroplasticidade

"O homem intervém no cérebro desde o início da cultura com as primeiras trepanações (perfuração do crânio) realizadas pelas civilizações antigas. A neurocirurgia e as drogas que têm ação sobre a mente são dois exemplos de intervenção que permitem corrigir alterações patológicas no funcionamento do cérebro, mas também aprimorar funções mentais ou comportamentais de pessoas normais.

Não acredito que seja sábio limitar a ciência, simplesmente porque não há como frear o avanço do conhecimento num mundo globalizado, mas a sociedade deve discutir como regular o uso das técnicas e produtos gerados pela ciência, com a aplicação sobre o sistema nervoso. É útil dispor de morfina para o tratamento da dor, por exemplo, mas sua comercialização deve ser controlada, pois provoca dependência.

A invenção de máquinas movidas pelo pensamento e de drogas capazes de apagar memórias são exemplos de neurotecnologias que poderão ter enorme impacto como terapias para doenças motoras muito severas, no caso da primeira, e para pessoas com estresse pós-traumático grave, no caso da segunda. Um possível uso não controlado socialmente, porém, poderá ter impactos imprevistos e negativos.

A Neuroética é  um campo de conhecimento e reflexão. As normas para a pesquisa são feitas pela sociedade, por meio do poder legislativo nas várias esferas de organização social. O conceito de ‘saudável’ depende do ponto de vista de cada um. Para elaboração de normas, é preciso chegar a definir esse conceito, caso a caso, de acordo com um consenso pactuado socialmente."

José Alberto Zusman

Psiquiatra do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ

 

“O maior limite no estudo neurológico é o respeito pela vida do ser humano. As investigações científicas não podem ferir a integridade física das pessoas. Antes de serem usados em pacientes, medicamentos são testados em animais. Esse processo é muito questionado, mas pode ser considerado ético, já que é o único caminho que conhecemos.   

A questão da pesquisa com células-tronco é a mesma coisa. Tem que ser feita, mas suscita todo um debate médico e religioso. Esses debates caminham pelo terreno delicado entre ciência e bom senso.  

Tais pesquisas são feitas para identificar substâncias e suas propriedades, possibilitando o desenvolvimento de medicamentos. Porém, na verdade, a maior parte dessas descobertas acontece ao acaso. Por exemplo, fazem um antidepressivo que não funciona como tal e acaba se tornando ótimo inibidor de tabagismo.  

Além disso, hoje as pesquisas são feitas por imagem, que não causam danos ao ser humano. O nome é tomografia por emissão de positrons. 

Na psiquiatria, pelo menos, estamos longe de sonhar com a manipulação do cérebro para apagar lembranças ou mudar algum fato do passado. Não acho ético destruir o cérebro para distinguir pensamentos. Contudo, essa é uma discussão que está muito distante, então, fica difícil se posicionar.” 

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