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Edição 208
11 de março de 2010

Faces e Interfaces

Quem nasceu primeiro: a internet ou a depressão?

Marina Lins – AgN/PV

Pessoas viciadas em internet são cinco vezes mais deprimidas do que outros internautas. Essa ligação entre a rede e a doença foi descoberta em uma pesquisa realizada na Universidade de Leeds, na Inglaterra, que examinou 1319 pessoas com idades entre 16 e 61 anos.  

Contudo, os cientistas ainda não sabem dizer o que vem primeiro: se o uso excessivo de internet gera depressão ou pessoas deprimidas procuram mais a rede? “Agora precisamos investigar a natureza desta relação e avaliar a questão da causa”, afirmou Catriona Morrison, uma das autoras da pesquisa. 

Para debater o assunto, o Olhar Vital convidou o psiquiatra Flávio Alheiras e Paulo Vaz, professor de psicologia aplicada à comunicação da UFRJ.  

Flávio Alheiras

Psiquiatra do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ

“A depressão é um transtorno que se caracteriza pela presença de humor deprimido, diminuição da energia, desesperança, pessimismo, sentimentos de culpa e menos valia, pensamentos negativos. Pode apresentar alterações do sono e do apetite e, em casos graves, ideação suicida. A depressão pode ser dividida em leve, moderada ou grave, e pode estar presente todos ou somente alguns dos sintomas citados e sua gravidade varia muito entre os pacientes. 

Ainda não sabemos o que realmente provoca a depressão. Existem vários estudos que buscam uma resposta, mas ainda são inconclusivos. Parece que é necessária a conjugação de diversos fatores para que haja o desencadeamento de uma depressão: genéticos, bioquímicos, ambientais, psicológicos etc. Não é possível atribuir aos computadores a responsabilidade por produzir depressão. Se fosse tão simples assim, a maioria das pessoas que passa o dia inteiro diante de computadores estaria deprimida, o que não ocorre. 

É possível que pessoas com uma maior tendência ao isolamento social encontrem na internet uma espécie de refúgio. E talvez algumas delas tenham um maior risco de se tornarem deprimidas. 

A internet, tão disseminada hoje, ainda é um instrumento muito recente, não sendo possível avaliar com precisão os seus efeitos. Tudo vai depender da relação do indivíduo com a rede: uns podem se tornar dependentes, se isolarem socialmente e sofrerem prejuízos funcionais. Outros podem se relacionar de maneira saudável e não apresentarem prejuízos. 

Para que uma pessoa chegue a confundir o real com o virtual, ela deve apresentar algum transtorno psiquiátrico. Distorções da realidade ocorrem em diversos transtornos mentais independente de a pessoa usar ou não a internet.” 

Paulo Vaz

Mestre em filosofia e professor de Comunicação, Psicologia e Cognição na Escola de Comunicação da UFRJ

“Os estudos de comunicação norte-americanos utilizam o termo ‘medos respeitáveis’, os respectable fears, que associa um novo meio de comunicação a uma série de problemas sociais. Como se você pensasse assim: o surgimento desse meio de comunicação vai fazer com que as pessoas não se comportem direito, ajam anormalmente, sofram etc. Eu acho que essa notícia de que a internet causa depressão faz parte desses ‘medos respeitáveis’. 

E é uma história antiga. No início do século XVII, tentavam proibir as mulheres de ir ao teatro. Achavam que, se elas vissem alguém beijando na boca, sairiam beijando na boca. Ou seja, o surgimento do teatro e sua popularização era temida e criticada pela possibilidade de levar as pessoas a serem imorais. Do mesmo modo, Dom Quixote surge exatamente quando a imprensa está se desenvolvendo e o tema é essa confusão entre o real e o imaginário. Algumas pessoas liam muitos romances de cavalaria, de heróis medievais e guerreiros, e o próprio Dom Quixote, de tanto ler, pensou que a vida dele era também a de um herói medieval. O mesmo acontece em Madame Bovary. Flaubert está criticando não mais a imprensa e os livros baratos, como no caso de Dom Quixote, mas os romances que saíam semanalmente nos jornais: os romances de folhetins. E a ideia era que a Madame Bovary lia tantos romances assim, que diziam que a mulher devia casar com o amor da sua vida, que acabou traindo o marido etc.  

Desde que a internet surgiu, há esse medo de confundir o real com a ficção e tinha-se a ideia de que internet viciaria. Foi a primeira hipótese; na verdade, como se fosse uma droga. O efeito seria o mesmo: por não suportarem a realidade da vida, as pessoas vão para um mundo imaginário, que é o mundo da internet e preferem esse comportamento de fuga a enfrentar seus problemas. Isso é tudo moralidade idiota, eu não acredito nisso. Do mesmo modo agora, a ideia é a internet causa depressão ou o contrário: uma pessoa deprimida foge para a internet. Isso é só uma pesquisa que surge porque a internet é um novo meio de comunicação e a depressão é uma nova doença. Você está tentando associar duas coisas que têm um estatuto complicado.  

A própria caracterização da depressão como doença mental é muito difícil, você  tem vários psiquiatras e psicanalistas que questionam o conceito de depressão, o que eles chamam a perda da tristeza. Antigamente, ficar triste fazia parte da vida e não era doença. Hoje, qualquer tristeza mínima já é interpretada como doença mental. Então, a própria categoria de depressão é complicada. Por sua vez, a internet é um meio novo, onde as pessoas vão colocar uma série de medos. Por exemplo, uma questão que já vinha com a TV e é a mesma história da moça no teatro: crianças que veem muito desenho animado violento se tornam violentas; garotos que jogam videogame violento vão se tornar violentos. Eu brinquei de forte Apache, vi desenhos animados violentos e não sou violento. Não é uma relação causal, é apenas um esforço social para associar dois fenômenos que chamam atenção. 

Primeiro, duvido do próprio conceito de depressão, que isso seja uma doença. Estou propondo uma visão onde se relativize a própria pesquisa. Essa pesquisa talvez derive desses “medos respeitáveis”, uma tentativa de dizer: meios de comunicação fazem as pessoas misturarem o real com o imaginário, fazem com que elas se percam nesse imaginário e, por isso mesmo, fazem-nas ficar doentes. Nesse caso, acho que os cientistas pensaram que as pessoas deprimidas não têm capacidade de lidar com seus problemas e passam a viver nesse mundo imaginário, que é o mundo da internet, com amigos virtuais. Como se você fosse preferir o imaginário ao real, confundir o imaginário com o real. Enquanto, na verdade, eu adoro literatura, ler foi decisivo na minha vida. Viver um mundo imaginário, através do qual nós sejamos capazes de abrir nossas experiências, quem nós somos, isso é maravilhoso. O que eu acho curioso é que não exista uma pesquisa desse gênero que não fale exatamente o oposto, que a internet possibilita fazer amigos e enriquecer a experiência dos indivíduos.” 

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