• Edição 242
  • 18 de novembro de 2010

Faces e Interfaces

Qual a eficácia dos anúncios de advertência em maços de cigarro?

Daniele Belmiro

O tabagismo é  considerado a principal causa de morte evitável e fator de risco para as doenças que mais matam no mundo, como o infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e tuberculose. Em 2005, a Organização Mundial de Saúde (OMS) teve a iniciativa de formular o primeiro tratado mundial no âmbito da saúde, que prevê, dentre outras medidas, a adoção de advertências sanitárias acompanhadas de imagens em embalagens de produtos derivados do tabaco, como meio de alertar os usuários sobre os riscos do produto, reduzir o número de fumantes e inibir a proliferação do vício. No entanto, a adoção de medidas acontece em ritmos diferentes em cada país.

Uma lei aprovada em junho de 2009 nos Estados Unidos, onde 20,6% da população consome cigarros, autoriza a agência de vigilância sanitária Food and Drug Administração (FDA) a regular o fumo, incluindo comercialização, rotulagem com orientações, proibição de determinados produtos e limitação de nicotina. Na última quarta-feira (10/11), o governo propôs uma série de novos anúncios com desenhos coloridos nos maços de cigarro, que incluem imagens de corpos, vítimas de câncer e pulmões de fumantes, entre outras, para ajudar a reduzir o vício no país. Segundo a FDA, a meta é divulgar, até o fim de 2012, fotos e desenhos gráficos acompanhados de textos de advertência maiores e mais notáveis (assim como a cor das imagens) que representam as consequências negativas para a saúde do hábito de fumar.

O Brasil detém  posição de liderança nas políticas de controle do tabaco: desde 1989, o Ministério da Saúde (MS) instituiu a obrigatoriedade dos anúncios de advertência e, a partir de 2001, estas ganharam evidência, com imagens que exemplificam os riscos do produto e pretendem funcionar como apelo emocional ao consumidor. Além disso, o governo adotou o aumento dos impostos sobre os produtos derivados do tabaco e a proibição da propaganda de cigarro na mídia. Em 2008, uma pesquisa realizada pelo Inca em parceria com o Internacional Tobacco Control (ITC) revelou que 48% dos fumantes brasileiros afirmam que as advertências fazem com que fiquem mais propensos em deixar o vício. No entanto, a ausência de resultados expressivos coloca em questão a suposta eficácia dos anúncios de advertência.

Para esclarecer o assunto, o Olhar Vital buscou a opinião dos especialistas Gilvan Muzy, pneumologista e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ e do professor Amaury Fernandes, designer e professor da Escola de Comunicação da UFRJ. 

Gilvan Renato Muzy de Souza

Professor Associado de Pneumologia da Faculdade de Medicina da UFRJ e Diretor do Insitituto de Doenças (IDT) do Tórax da UFRJ

“Não acredito que os anúncios de advertência contribuam de modo eficiente para a diminuição do número de fumantes. Para prevenir e tratar o vício do cigarro é necessário que haja campanhas permanentes nas escolas. Cerca de 90% dos fumantes iniciam o vício antes dos 20 anos.  

O tabagismo deve ser combatido com as mesmas armas da propaganda da indústria, através da mídia. Não adianta assustar com doenças de conceitos que são difíceis de serem assimilados pela  população em geral. Os professores devem ser os maiores incentivadores no combate ao tabagismo, mostrando o que é a saúde sem o tabaco. 

Eu diria que o Brasil é um país avançado no sentido da promoção de medidas para combater o tabagismo. Graças aos esforços do Ministério da Saúde (MS) e do Instituto Nacional do Câncer (Inca), a prevalência  de fumantes acima dos 15 anos de idade, que era de 32% em 1989, caiu para 19% em 2003.  

Creio que o aumento de impostos  na produção do tabaco e na revenda  poderia trazer recursos para fortalecer as campanhas de esclarecimento dos riscos, tanto para os fumantes como para os que convivem passivamente com  a fumaça do tabaco.” 

Amaury Fernandes da Silva Junior

Professor Adjunto do Departamento de Expressão e Linguagem da Escola de Comunicação da UFRJ

“Não considero que os resultados relativos à restrição da publicidade e aos anúncios de advertência sejam pouco expressivos, porque na verdade se começou a ter diminuição e parou de ter aumento do número de fumantes. A indústria do tabaco era uma indústria que crescia ao ano significativamente, e ter uma redução, ainda que pequena, é uma grande vitória, porque se reverte uma tendência de crescimento de consumo pesada.

Hoje só é permitida a publicidade no ponto de venda, e tanto este como o maço devem ter uma faixa onde é feita a publicidade governamental negativa, que já foi mais estúpida e hoje é mais inteligente. Antes, tentava-se dramatizar, e agora botam o malefício onde ele mais toca no fumante, como na perda da libido, da capacidade sexual e na má formação de bebês.

Para conseguir novos adeptos, a indústria do tabaco passou a investir muito em patrocínio de música, de roupa e de evento jovem. Hoje a faixa mais atingida são as mulheres, e não mais os homens, na faixa dos 16 aos 21 anos, apesar da proibição da venda de tabaco para menores de 18 anos. O que a empresa de tabaco faz é achar brechas na proibição legal, através do patrocínio de festas, feito através da colocação de pontos de venda específicos nas festas, que é onde pode ter publicidade, e é o ambiente onde está o jovem.

A restrição da publicidade de certo modo inibe a liberdade de escolha do indivíduo, porque ele deixa de ter acesso àquela informação e não pode, então, escolher ou não consumir. A questão é até que ponto essa inibição é benéfica ou maléfica, porque o consumo do tabaco tem benefícios, e as pessoas se esquecem disso. Se não tivesse, não se consumiria. O cigarro reduz o cansaço e o apetite, e aumenta a velocidade do raciocínio. A nicotina agindo no cérebro tem uma série de ações benéficas pro indivíduo, em termos de cognição, que as pessoas não percebem, e que a indústria tabagista trabalha, obviamente.

Quando se analisa o peso dos benefícios com o peso dos malefícios, a restrição à  liberdade de escolha se torna positiva, porque na verdade se está  restringindo o acesso à informação publicitária, que só avalia os benefícios. Quando a propaganda do cigarro associava sua imagem a um glamour onde só se via o aspecto positivo, havia liberdade de escolha sem restrição, ou da mesma forma se restringia a liberdade de escolha, por informar apenas um lado da questão? Acredito que perder liberdade de escolha por perder liberdade de escolha, prefiro perder pelo aspecto positivo, que é não se ter acesso ao estímulo e ter acesso massivo à informação negativa, porque o malefício do tabaco é muito grande.”