• Edição 207
  • 04 de março de 2010

Faces e Interfaces

Homeopatia: verdade ou mito?

Ana Zahner e Thiago Etchatz

Recentemente, um relatório da Comissão de Ciência e Tecnologia do Parlamento Britânico criou polêmica ao afirmar que remédios homeopáticos são tão eficazes quanto placebo – substância sem efeito medicinal, mas que pode ser receitada para criar efeito psicológico nos pacientes.  

O tratamento homeopático possui vários princípios e peculiaridades, tratando a doença ao induzir, por meio de substâncias diluídas, efeitos semelhantes a ela. O tratamento homeopático não considera apenas a doença, mas sim o doente e o porquê da instalação do quadro patológico. Características como temperamento, estilo e fase de vida, sonhos e ansiedades são também valorizados pelo médico, na busca pelo medicamento ideal na terapêutica homeopática. 

A comissão britânica concluiu, no entanto, que as explicações científicas para a homeopatia não são suficientemente convincentes para manter a especialidade dentro do serviço público. Assim, recomendou que não seja mais oferecido esse tratamento, que custa por ano o equivalente a R$ 500 mil ao governo britânico. 

A discussão sobre a validade da homeopatia, que existe desde que o método foi criado, é abordada aqui pelos convidados do Olhar Vital, Carla Holandino, professora-adjunta da Faculdade de Farmácia da UFRJ, e Carlos Henrique Castelpoggi, chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ).

Carla Holandino

Professora de Homeopatia da Faculdade de Farmácia da UFRJ

“Quando eu vi pela primeira vez a reportagem no Jornal Nacional, em horário nobre, me perguntei: ‘Com que objetivo o parlamento britânico faz um relato como este?’ A Inglaterra é considerada um dos berços da homeopatia. Tive oportunidade de conhecer pessoalmente o Royal London Homeopathic Hospital em 2006, quando esse hospital foi sede de um importante congresso científico na área de homeopatia. O trabalho que é feito lá é fantástico e um número muito significativo de pacientes vem sendo beneficiado com a terapêutica homeopática de maneira absolutamente gratuita. 

O próprio parlamento britânico reconhece que a homeopatia custa aos cofres públicos o equivalente a R$ 500 mil por ano, quantia irrisória dentro do orçamento britânico, que destina R$ 300 bilhões à saúde, de maneira geral. Ou seja, o tratamento homeopático é muito mais econômico do que o alopático, não há como comparar. 

Além disso, os benefícios da terapêutica homepática vêm sendo cada vez mais divulgados em todo o mundo. A doutora Charlote Mendes da Costa, da Associação Britânica de Homeopatia, enviou ao parlamento o resultado de um estudo científico feito com 6,5 mil pessoas, com diversas patologias, o qual concluiu que mais de 60% dos pacientes tratados com a homeopatia ficaram curados. Por que esse estudo especificamente não foi levado em consideração pelo parlamento britânico? A resposta é simples: por motivos econômicos e políticos. 

A indústria farmacêutica é a mais poderosa do mundo atualmente. Seríamos ingênuos em pensar que a polêmica em torno da homeopatia diz respeito apenas à carência dos mecanismos de ação dos medicamentos homeopáticos. Quantos novos medicamentos são lançados no mercado por ano, sem que sua eficácia clínica ou que seus mecanismos de ação sejam completamente conhecidos? Desde que comprovados os benefícios de novas drogas para determinadas doenças que não podem ser tratadas pelos medicamentos existentes, elas passam a ser inseridas nos protocolos clínicos para que os pacientes possam ser beneficiados. Então, por que a homeopatia deve ser excluída do Serviço Público de Saúde Britânico? Apenas por não ter comprovação científica? 

A afirmação do deputado Phil Willis de que ‘os remédios homeopáticos não passam de pílulas de açúcar’ mostra um profundo desconhecimento acerca dos inúmeros trabalhos científicos que vêm sendo publicados mostrando os efeitos biológicos, bioquímicos, fisiológicos, curativos e terapêuticos dos medicamentos homeopáticos em humanos, animais, plantas, cultura de células, dentre outros. 

A agronomia e a veterinária brasileiras vêm mostrando muitos relatos científicos sobre os benefícios da homeopatia no solo, nas plantas, no gado. As hortaliças e as frutas orgânicas, o ‘gado verde’, estão em nosso mercado com força total, sendo valorizados cada vez mais, porque esses alimentos são isentos de agrotóxicos, hormônios, dentre outros aditivos, e, ao contrário, são apenas tratados com homeopatia. Será que aqui também vamos atribuir os benefícios da homeopatia ao efeito placebo? A resposta é não! 

A homeopatia é  uma terapêutica recomendada pela Organização Mundial de Saúde e reconhecida  no Brasil como especialidade médica desde 1980, farmacêutica desde 1991, tendo ainda o reconhecimento dos conselhos de Medicina Veterinária e Odontologia. A aceitação e a procura pela homeopatia pela população brasileira, pelos órgãos públicos e por profissionais da área de saúde vêm crescendo enormemente nos últimos anos. A implementação da Política de Práticas Integrativas e Complementares vem dando força à homeopatia, que já vinha sendo timidamente disponibilizada nos serviços do Sistema Único de Saúde.  

A terapêutica homeopática completa 214 anos em 2010. O Brasil vem se destacando no cenário internacional, com a publicação de trabalhos científicos de altíssimo nível, já há algum tempo. Desde 1970 experiências brasileiras são citadas em relatórios da OMS. O governo está começando a ‘colher’ os frutos de um investimento importante que cada vez mais será percebido pela sociedade, que precisa ter acesso a práticas integrativas e complementares de saúde dentro do SUS, dentre as quais destacamos a homeopatia. 

Os dados que são divulgados no Brasil e em outros países do mundo vão na ‘contramão’ do que o parlamento inglês propõe. Ou seja, privar a população britânica de ter acesso a esta terapêutica é, no mínimo, uma irresponsabilidade e falta de conhecimento total dos estudos que vêm sendo feitos em todo o mundo acerca da eficácia e dos benefícios do tratamento homeopático.” 

Carlos Henrique Castelpoggi

Chefe do Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ)

“A homeopatia é uma especialidade reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina e é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde.  Inclusive no Hospital Universitário existe um ambulatório onde médicos se valem do seu uso. Ela é um sistema de diluição de medicamentos, até diluições consideráveis, garantindo que o princípio básico do medicamento permaneça ativo. Existem trabalhos científicos que demonstram que para alguns tratamentos a homeopatia não é indicada, como uma infecção.  

Acredito que, para alguns tipos de patologia, o princípio da homeopatia possa ser eficiente. Mas isso deve ser acompanhado de trabalhos científicos, em que pacientes tomarão medicamentos homeopáticos e alopáticos para a comparação da evolução da doença ao tratamento clínico efetivo. Eu não conheço trabalhos importantes que demonstrem isso, mas acredito que a homeopatia tenha um espaço no tratamento médico atual.  

Existem textos que comparam a homeopatia ao placebo, mas também há outros que revelam a sua eficiência. O relatório da Comissão de Ciência e Tecnologia do Parlamento Britânico propõe que medicamentos homeopáticos não sejam distribuídos pelo serviço público. No Brasil, não existe distribuição desses medicamentos (pelo SUS), mas há o reconhecimento da terapia homeopática. Vou reafirmar, acredito que para alguns tipos de patologia, nos quais há grande comprometimento comportamental, ela seja efetiva. Já para terapias em que existe necessidade de controle de infecção, não.  

É muito difícil industrializar os medicamentos homeopáticos, porque as terapias são individualizadas, o paciente recebe uma formulação de substâncias para fazer o medicamento, que é produzido pela farmácia homeopática. Dentro da homeopatia há a divisão em dois grupos. Um que formula a droga pela análise do paciente e outro pela análise da doença. As formulações são feitas de diferentes formas. Por exemplo, para tratar ansiedade, um homeopata vai indicar o uso de três componentes numa pílula para o paciente tomar de duas em duas horas. E outro pode indicar ao paciente o uso de dois componentes, duas vezes por dia. 

Essa grande gama de variáveis dificulta a realização de estudos comparativos entre homeopáticos e alopáticos. Por essa variedade de composições, é muito difícil a comparação. Por isso entendo que ainda não há trabalhos científicos que comprovem a total eficácia da homeopatia.  Todavia, eles são necessários. Não tenho conhecimento de trabalhos que façam uma comparação droga a droga, analisando cada situação. Então, apesar de ser um tratamento antigo (conhecido desde o final do século XVIII), ainda não ocorreram estudos bem apurados."