• Edição 204
  • 28 de janeiro de 2010

Faces e Interfaces

Óleo de girassol pode combater inúmeras doenças, duplicando a expectativa de vida?



Especialistas analisam tratamento a partir do bochecho com o produto natural

Ana Zahner e Thiago Etchatz

Foi divulgado, na rede mundial de computadores, um tratamento de autoria do doutor F. Karach, da Academia de Ciências da Rússia, que promete a cura de dores de cabeça, bronquite, dores de dentes, trombose, doenças sanguíneas crônicas, artrose, paralisia, eczemas, úlcera no estômago, doenças intestinais, dores nos rins e no coração, encefalite e doenças femininas. A técnica – que consiste no bochecho em jejum, de 15 a 20 minutos diariamente, com óleo de girassol – seria responsável pela eliminação de bactérias patológicas presentes na boca.

De acordo com o texto do doutor Karach (www.florais.com.br), o tratamento propicia que células e tecidos do corpo se regenerem, prevenindo até mesmo tumores letais. Tal prática seria importante para a ampliação da expectativa de vida, visto que o corpo humano tem potencial para atingir os 140 anos com saúde.

Para opinar sobre a terapêutica proposta pelo médico russo, o Olhar Vital convidou os médicos Carlos Henrique Castelpoggi, do Serviço de Clínica Médica, e Décio Alves, do Serviço de Terapias Naturais, ambos do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da UFRJ.

Carlos Henrique Castelpoggi

Chefe do Serviço de Clínica Médica

“Eu li o texto do russo, que não é um texto novo. Já há alguns anos circula na internet, se vê em vários sites ele sendo referenciado de uma página para a outra, mas na realidade, quando se procura nas bases de textos científicos, não existe nenhuma citação que corrobore o que foi dito. Até se tem o uso do óleo de girassol como base para excipientes (substâncias presentes nos medicamentos que completam o seu volume, farmacologicamente inativas), para medicamentos dermatológicos, na alimentação – para diminuir o teor de colesterol sanguíneo –, mas nenhum mostrando outro benefício.

Quando se vai aos textos médicos, não existe nenhum estudo comparativo mostrando que esse procedimento de bochechar com óleo de girassol demonstra benefício. Então, na realidade, esse é um texto sem qualquer suporte de um estudo científico. Não deve ser recomendado.

Na internet sempre existe essa possibilidade (de o doutor russo nem existir). Os textos vão se multiplicando e não se consegue depois detectar quem é o autor. Podem ser perfeitamente criados e há sites nacionais que literalmente os repetem. Porém, quando se pesquisa no PubMed (banco de dados de artigos médicos organizado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA) não há citação sobre esse trabalho.

Hoje, se sabe que a boca possui uma flora bacteriana muito ampla. Existem já trabalhos demonstrando relação de algumas bactérias orais com problemas cardiológicos e outra série de problemas. E às vezes a boca serve como porta de entrada de infecções, como, por exemplo, em razão de sangramentos, levando essas bactérias para a corrente sanguínea.

Existe relação entre algumas bactérias orais e o aumento da incidência de infarto agudo do miocárdio. Existem trabalhos sérios, inclusive do Serviço de Odontologia do Hospital Universitário, demonstrando que a saúde oral pode interferir na evolução de doenças sistêmicas. Todavia, não vejo como o bochecho com óleo de girassol pode fazer uma modificação dessa flora.

Provavelmente, não tem como se dizer que o óleo de girassol pode esterilizar, diminuir a quantidade de uma bactéria. Até pode, mas é muito pouco provável, porque a flora bacteriana da cavidade oral é múltipla e ela se modifica rapidamente. Há vários fatores e na realidade não existe nenhum estudo propondo que você elimine a flora bacteriana da cavidade oral para impedir a evolução de alguma doença.”

Décio Alves

Ginecologista e chefe do Serviço de Terapias Naturais do HUCFF

“Podemos analisar o tratamento com óleo de girassol a partir de dois aspectos. Primeiramente, a Medicina Ayurveda, que utiliza tal método, é uma forma de cura tradicional e milenar principalmente na Índia e países do Meio Oriente.

É uma forma séria e eficiente de abordagem terapêutica para várias doenças e está baseada nos humores do organismo (formas de manifestação da Energia Primordial – Prana). Sua terapêutica baseia-se na utilização de alimentos e plantas adequadas a cada um dos tipos de humor: Kapha, Pita e Vatta.

Além de medidas dietéticas, são necessárias mudanças no estilo de vida, banhos especiais, exercícios e outras medidas para a devida manifestação da cura energética. O simples bochecho com óleo de girassol, embora efetivo para inúmeras patologias (inclusive bucais), não seria o suficiente para prevenção e tratamento efetivos.

Por outro lado, o tratamento antisséptico da boca já demonstrou ser eficiente na prevenção e tratamento de diversas doenças sistêmicas (que afetam todos os órgãos e tecidos).

Existe ainda um ramo da odontologia que relaciona determinadas patologias com o tipo de dente afetado: a cura desses dentes melhoraria essas doenças. Isto é demonstrado inclusive pela inter-relação com os canais de energia da acupuntura. Logo, o tratamento antisséptico da cavidade oral poderia, em tese, melhorar determinadas doenças sistêmicas.

Assim sendo, embora eu ache que existam indícios que tal procedimento possa realmente melhorar determinadas doenças, ainda faltam mais dados e, principalmente, trabalhos científicos sérios para atestarmos a veracidade das afirmações do Dr. Karach.”